Medicina e Saúde – 258
01/01/2021Família – 258
01/01/2021Relação difícil
Embora a riqueza seja uma dádiva de Deus, é preciso saber lidar com ela para não se afastar da fé
Por Evandro Teixeira
A Bíblia é clara: aqueles que se voltam para Deus, de todo o coração, são recompensados com bênçãos em todas as áreas, inclusive a financeira. No entanto, isso não significa que todo servo do Senhor, necessariamente, ficará milionário; porém, com certeza, sempre experimentará a provisão do Altíssimo. Essa é a promessa contida no versículo 25 do Salmo 37: Fui moço e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua descendência a mendigar o pão. São várias as passagens do Texto Sagrado que demonstram esse princípio sendo aplicado às pessoas que enfrentaram dificuldades financeiras tremendas, como a viúva de um profeta. Não fosse pela intervenção divina, essa serva fiel teria sido forçada a entregar seus dois filhos como escravos ao credor de seu falecido marido (2 Rs 4.1-7).
Existem também casos em que o Altíssimo abençoou Seus servos com riquezas, como foi o caso de Abraão. Depois de ter se mostrado obediente à ordem divina para abandonar sua terra e a casa de seus pais, ele viveu dias de grande prosperidade, como mostram estes versículos das Escrituras: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção (Gn 12.1, 2); Era Abrão muito rico; possuía gado, prata e ouro (Gn 13.2).
Entretanto, a Palavra não deixa de mostrar o outro lado dessa moeda: por causa da riqueza, muitos se apegam aos bens materiais e se afastam do Senhor. Jesus adverte a respeito desse risco em diversas passagens do Novo Testamento. Em Mateus 6.24, ensina: Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom [as riquezas]. A dificuldade do homem em conciliar riqueza e uma vida de submissão ao Criador fica evidente, também, no encontro de Jesus com o jovem rico. Diante do apego do rapaz a suas posses, o Mestre afirma aos Seus discípulos: E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino de Deus (Mt 19.24). Quase 2 mil anos se passaram desde que essas palavras foram registradas nas Escrituras, e o fenômeno continua a ser observado. A professora de História Deise Melo, de São Lourenço do Sul (RS), lembra que o ser humano mantém uma relação conflituosa com a riqueza desde a Antiguidade, quando as primeiras civilizações se organizaram e, com elas, surgiu a divisão social baseada nos bens. Dessa forma, quanto mais recursos o sujeito conseguia angariar, mais poder e privilégios adquiria. Ela ressalta que esse fenômeno da busca ilimitada da acumulação de riquezas é ainda mais perceptível nos dias atuais. “A busca pelo enriquecimento tem cegado muitas pessoas, transformando-as em seres desumanos, antiéticos e insensíveis às necessidades do próximo”, observa, destacando que não há problema em ser rico, e sim em agir de maneira egoísta e gananciosa e se eximir da responsabilidade de ajudar os mais necessitados. “Cabe sempre lembrar um importante ensinamento cristão: amar o próximo como a nós mesmos significa praticar a justiça, a solidariedade, a compaixão e a empatia com os outros”, pontua, referindo-se ao texto de Mateus 22.39.
Temor ao Senhor – Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew, especializado em estudos voltados para o universo religioso, comparou a importância que as pessoas dão à crença em Deus em diversos países. O levantamento tinha o objetivo de avaliar o quanto, na opinião dos entrevistados, crer no Criador era necessário para o cultivo de valores morais. O documento concluiu que populações de países mais abastados, como França e Suécia, tendem a achar desnecessário acreditar no divino para adquirir bons costumes de convivência social. Entre os respondentes, apenas 15% dos franceses e 9% dos suecos disseram que crer em Deus era importante para os cidadãos terem padrões morais elevados. Por outro lado, em nações menos desenvolvidas economicamente, o número de pessoas que valoriza a fé é bem maior: no caso do Brasil, esse percentual chegou a 84%.
Uma taxa tão elevada sugere, portanto, o quanto a cultura do país está impregnada de princípios cristãos. No caso brasileiro, o resultado do estudo reflete séculos de influência da colonização europeia e, mais recentemente, o crescimento da pregação do Evangelho e das conversões a Cristo, registradas nas últimas três décadas, do Oiapoque ao Chuí. Segundo projeções não oficiais, atualmente 31% dos brasileiros estão filiados a alguma congregação protestante. O percentual de crentes hoje é quase cinco vezes maior que o registrado há 40 anos, quando apenas 6,6% dos brasileiros dizia ser evangélico.
À medida que a pregação da Palavra se expande e chega às mais altas camadas sociais, há uma transformação na maneira com que essas pessoas passam a lidar com o dinheiro. É o que pensa o Pr. Ronaldo Viana da Silva, líder da Primeira Igreja Batista de São João do Paraíso, em Cambuci (RJ), no Norte Fluminense. “Embora nem todos sejam assíduos praticantes da fé cristã, é evidente o temor deles ao Senhor”, avalia o pregador, assinalando que os ricos tementes a Deus são aqueles que não amam o dinheiro e, generosamente, contribuem para a Sua obra. “Com a colaboração dessas pessoas, que colocam o Altíssimo acima de tudo e investem na evangelização, a mensagem da salvação tem sido propagada dentro e fora do país.”
Para o pastor, relegar o Onipotente ao segundo plano por causa das riquezas conquistadas é um ato de ingratidão. Um exemplo, de acordo com o ministro, é o caso do jovem rico, citado anteriormente. “Após ter alcançado o sucesso, no auge de sua soberba, há pessoas que acreditam não precisar mais de Deus”, pontua.
Reino de Cristo – Na opinião do Pr. Danilo Gomes Rogério, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Ipatinga (MG), mesmo não sendo ricas, diversas pessoas não consideram a fé algo importante para elas. “Agem como se houvesse outro caminho para a salvação. Infelizmente, estão depositando a confiança nas posses, esquecendo-se do Senhor”, lamenta.
Em contrapartida, o líder ressalta que quem prioriza o Reino de Cristo, acima daquilo que o mundo oferece e o dinheiro compra, só tem a ganhar. “Quem ama a Deus e O coloca acima de todas as coisas cumpre um de Seus mandamentos e, consequentemente, obtém as conquistas decorrentes de sua obediência”, observa o pastor, destacando que a falta de orientação espiritual correta tem levado muita gente à direção oposta desse ensinamento. Contudo, Danilo Rogério salienta que, a qualquer momento, esses indivíduos podem dar novo rumo à própria vida, como fez um conhecido personagem bíblico: Zaqueu. “Mesmo tendo uma posição de destaque na sociedade, reconheceu que Jesus era mais importante do que a riqueza que possuía”, ressalta, citando Lucas 19.8 (E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se em alguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado).
Pensamento semelhante tem o Pr. Narciso Vaneli, líder regional da Igreja da Graça em Governador Valadares (MG). Ele diz que o Senhor não condena a riqueza se ela for fruto de uma vida de obediência aos preceitos divinos. “A vontade de Deus é que Seus servos desfrutem do que há de melhor”, recorda Vaneli, fazendo referência ao texto de Isaías 1.19 (Se quiserdes, e ouvirdes, comereis o bem desta terra). Ele insiste, porém, que as pessoas devem saber lidar corretamente com o acúmulo de bens, conforme aconselha o salmista: Se as vossas riquezas prosperam, não ponhais nelas o coração (Sl 62.10).
O Pr. Djalma Lino Gonçalves, da Assembleia de Deus em Dourados (MS), concorda com Vaneli. Em seu ponto de vista, a riqueza é um dom divino, e Deus a concede segundo a Sua vontade. O problema, explica o pastor, está em pôr o coração nos bens acumulados, como o apóstolo Paulo adverte na primeira carta a Timóteo: Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores (1 Tm 6.10). “O dinheiro pode levar uma pessoa abastada a se sentir autossuficiente e, assim, abrir mão de sua fé.”
“Relação saudável” – No entendimento da terapeuta Flávia Anita Puça, membro da Igreja Presbiteriana do Jardim Atlântico, em Olinda (PE), o abandono da fé em função das riquezas é um traço das sociedades atuais, em que ter é mais importante do que ser. Além disso, em sua avaliação, existem portadores de certos transtornos de personalidade que podem ser mais propensos a negligenciar a fé em razão de suas posses. Nesse caso, por meio de tratamento terapêutico, há a possibilidade de superarem o problema. “Uma vez tratado, o cidadão poderá aprender a estabelecer uma relação saudável entre a crença em Deus e a riqueza.”
O psicólogo Leonardo Freire Machado concorda com a terapeuta. Para ele, é fundamental o ser humano ter equilíbrio a fim de lidar melhor com os recursos que possui, e a psicoterapia tem bastante a contribuir para esse processo. “O autoconhecimento leva o indivíduo a saber que as dificuldades, os traumas e o histórico familiar influenciam seu comportamento no presente. Ciente disso, poderá entender como lidar com determinadas questões”, orienta o especialista, membro da Igreja Cristã Evangélica de Campinas, em Goiânia (GO). Ele ensina que a relação com o dinheiro requer os mesmos cuidados que o trato com o poder. “Se a pessoa não souber administrar, poderá sofrer consequências danosas”, adverte.