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Exímio pintor, o inglês William Holman Hunt utilizou as belas-artes para expressar profundas verdades bíblicas
Por Élidi Miranda*
As artes plásticas são uma forma de expressão que os evangélicos têm utilizado relativamente pouco ao longo da História. Ao contrário da música, manifestação artística bastante explorada desde a Reforma Protestante, as belas-artes possuem menor destaque como meio de exposição da fé evangélica. Talvez por isso, muitos cristãos da atualidade conhecem a cantata O Messias, do alemão Georg Friedrich Händel (1685-1759) – especialmente o trecho intitulado Aleluia; porém, jamais ouviram falar da aclamada A Luz do mundo, pintura a óleo sobre tela do britânico William Holman Hunt (1827-1910). Contudo, assim como Händel, que compunha peças que exaltavam o Criador, Hunt dedicou seu talento para a manifestação das verdades da Palavra.
Nascido em Londres, na Inglaterra, em uma família de modestas posses, o artista cresceu em um ambiente religioso. A leitura bíblica era encorajada no lar dos Hunts. No entanto, isso não impediu o jovem William de se tornar ateu convicto. Ainda na adolescência, ingressou na Escola de Artes da Academia Real inglesa, a mais prestigiada do país. Em 1848, aos 21 anos, ao lado dos amigos Dante Gabriel Rossetti (1828-1882) e John Everett Millais (1829-1896), deu início a um importante movimento artístico da época, o Pré-Rafaelismo. A ideia do trio era promover um retorno ao dinamismo, ao colorido e à riqueza de detalhes da era anterior ao renascentista italiano Rafael Sanzio (1483-1529). Este era considerado por Hunt e seus companheiros o precursor do academicismo – e de seus padrões estéticos engessados – que dominavam as escolas de arte europeias. De acordo com eles, era necessário recuperar a sinceridade dos artistas diante da obra de Deus, a saber, a natureza.
É provavelmente nesse momento que Hunt também passa por um processo de conversão. Seu mais famoso quadro, A Luz do mundo, é uma expressão dessa experiência. A primeira versão da obra, produzida entre 1851 e 1852, mostra Jesus segurando uma lanterna e batendo à porta de uma casa. Trata-se de uma clara referência a Apocalipse 3.20 (Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo). Nota-se, na pintura, que a porta não tem uma maçaneta e, portanto, somente pode ser aberta pelo lado de dentro, e a vegetação, que cresce na entrada da casa, demonstra que ela tem estado fechada há muito tempo.
Na busca por resgatar a pureza da arte e a precisão do relato bíblico em suas obras, Hunt empreendeu quatro viagens ao Oriente Médio. E, assim como muitos viajantes da Era Vitoriana (1837-1901), apaixonou-se pela natureza da região. Foi em sua primeira viagem que produziu outra de suas famosas obras, Bode expiatório (1854), que mostra um animal solitário, tendo o mar Morto como pano de fundo. Segundo Levítico 16.22, um bode deveria ser enviado para morrer no deserto, carregando os pecados do povo de Israel. Porém, Hunt quis expressar, por meio do quadro, uma representação de Jesus como aquele que padeceu sozinho, carregando todos os pecados da humanidade, tal como descrito em Isaías 53.4: Verdadeiramente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
Outro ponto relevante da obra de Hunt se destaca, por exemplo, em pinturas, como O encontro do Salvador no templo (óleo sobre tela de 1862). A imagem lembra o espectador de que a narrativa bíblica não é composta de meras histórias ficcionais, como os contos de fadas, mas de relatos verdadeiros de pessoas de carne e osso, que viveram neste mundo.
Característica marcante – Em 1865, Hunt se casou com Fanny Waugh. Ela faleceu no ano seguinte, ao dar à luz o primeiro filho do casal, enquanto acompanhava o marido em uma turnê pela Itália. Dez anos depois, em 1875, Hunt se casou com a irmã mais nova de Fanny, Edith. Suas correspondências e seus diários registram que a fé em Cristo o acompanhou em todos os momentos – bons e ruins. Assim, ao longo de sua vida, Hunt continuou produzindo telas com mensagens espirituais.
Críticos consideram que a maioria de suas obras tem como característica marcante justamente uma mensagem explícita e outra implícita, a qual atrai o olhar do observador e o faz mergulhar em várias reflexões. Em À sombra da morte (pintura a óleo sobre tela produzida entre 1870 e 1873), Jesus é retratado como um carpinteiro, de peito desnudo, erguendo os braços (como se medisse algo) na posição que assumiria na cruz. Enquanto Maria, sua mãe, está de costas e de joelhos, talvez demonstrando sua inferioridade diante do Cristo.
Mas, à medida que se aproximava o início do século 20 e o secularismo e o liberalismo teológico tomavam conta da Europa, o trabalho do pintor britânico foi perdendo visibilidade. Passou, então, a ser considerado muito conservador ou apenas moralista, como diziam alguns. Além disso, no campo da arte, o impressionismo e seu total desprezo pelos detalhes estava ganhando terreno.
Hunt, entretanto, continuou pintando até que o glaucoma o impediu de fazê-lo. Quando morreu, em 1910, o pintor foi sepultado na Catedral de São Paulo, em Londres, próximo a uma versão final de A Luz do mundo, em tamanho natural, concluída em 1904. (*Com informações de Victorian Web e Canon J. John)