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Ann Hasseltine Judson, uma das primeiras mulheres norte-americanas a se tornarem missionárias, deu a vida pela evangelização da Birmânia
Por Élidi Miranda*
No passado, antes de desposar uma jovem de família, os rapazes deveriam se dirigir respeitosamente ao responsável da moça para pedi-la em casamento. Fiel a esse costume, o jovem Adoniram Judson (1788-1850) escreveu uma carta ao pai de sua amada, Ann Hasseltine (1789-1826), solicitando permissão para se casar com ela. Porém, a mensagem era um tanto inusitada. Em determinado trecho, o rapaz dizia: Agora, tenho que perguntar se o senhor pode consentir em se separar de sua filha no início da próxima primavera, para nunca mais vê-la neste mundo; se o senhor pode consentir com a partida e com a sujeição dela às dificuldades e aos sofrimentos da vida missionária; se o senhor consente com a exposição dela aos perigos do oceano, à influência fatal do clima do Sul da Índia; a todo tipo de desejo e angústia; à degradação, insulto, perseguição e talvez uma morte violenta.
Surpreendentemente, em sua réplica, o pai da jovem disse que ela deveria responder por si mesma. Assim, ela se tornou Ann Hasseltine Judson em 5 de fevereiro de 1812, aos 23 anos. A paixão por missões ardia tanto no coração dela quanto no de seu marido. Por isso, com apenas 14 dias de casados, eles embarcaram em um navio para a Índia. Ann Judson se tornava, assim, uma das primeiras mulheres norte-americanas a se lançarem à obra missionária.
Na Índia, o casal encontrou o missionário britânico William Carey (1761-1834). Depois de um período no país, Adoniram e Ann sentiram o chamado para seguir a uma terra ainda mais distante, a Birmânia (atual Mianmar). Carey tentou desencorajá-los, pois todos os missionários que por lá haviam passado tinham morrido ou desistido. Não havia convertidos, o budismo era a religião prevalente, e os birmaneses eram bastante intolerantes à pregação cristã.
Contudo, convictos do chamado para ministrar àquele povo, eles fixaram residência em Yangon, no Sul da Birmânia, em 1814. Infelizmente, no processo de mudança, Ann, que estava grávida, acabou perdendo o bebê. Assim que chegaram àquele país, marido e mulher trataram de aprender a língua – inclusive a sua forma escrita. Ambos eram linguistas bem treinados, mas a grafia circular, comum naquela região da Ásia, era um desafio. Somente dois anos depois do primeiro contato com o idioma, os missionários foram capazes de produzir o primeiro folheto na língua local. Ann foi a responsável por escrever um conjunto de instruções, resumindo as principais doutrinas cristãs.
Três anos se passaram até que os servos de Cristo testemunhassem a conversão do primeiro birmanês. Seis anos depois de sua chegada ao país, havia uma igreja com dez nativos batizados. A intolerância religiosa era grande, e converter-se à fé dos missionários estrangeiros era motivo de perseguição e até de assassinato. Mesmo assim, aqueles novos crentes em Jesus estavam dispostos a pregar a seus compatriotas. Enquanto isso, Ann e o esposo trabalhavam arduamente para concluir a primeira tradução do Novo Testamento para a língua local.
Prisão e privações – Além da intolerância dos nativos, a vida na Birmânia era muito difícil. O calor era fortíssimo, e as doenças tropicais matavam crianças e adultos. O segundo filho do casal, Roger, nascido em 1815, não resistiu a uma dessas enfermidades e morreu pouco depois de completar oito meses de vida.
Apesar de todas as dificuldades, aos poucos, a igreja birmanesa foi crescendo, e o trabalho de tradução avançava. Contudo, no início da década de 1820, Ann ficou gravemente doente e teve de voltar aos Estados Unidos para fazer um tratamento. Entre a viagem de ida, o tratamento e a volta à Birmânia, dois anos se passaram.
Em seu retorno, não encontrou o marido em Yangon. Ele havia sido obrigado pelo imperador birmanês a ficar na capital, Ava. Então, passaram a residir no local. Porém, em 1824, a coroa britânica entrou em guerra com a Birmânia. Judson foi preso, assim como todos os estrangeiros, sob a acusação de espionagem. Na ocasião, Ann estava grávida e caminhava por mais de 3km, todos os dias, até a prisão, para levar água e comida para o marido, encarcerado em condições subumanas.
Ao mesmo tempo, buscou interceder junto às autoridades para provar que o esposo não era espião. Mesmo após o nascimento da pequena Maria, seus esforços não pararam. Quando os prisioneiros foram transferidos para uma prisão no interior, ela seguiu para lá com a filha, então com três meses. Em sua companhia, estavam duas crianças que tinha adotado e uma birmanesa disposta a ajudá-la. Construiu um abrigo improvisado ao lado da cadeia para que pudesse continuar auxiliando o marido.
Depois de um ano e meio de conflitos, Judson foi solto para servir de intérprete nas negociações de paz com os britânicos. A família se fixou em Amherst, na região central do país. Ali, ela conseguiu iniciar uma escola para meninas. No entanto, o casal logo se separaria novamente: Judson foi levado para longe da cidade, a fim de dar continuidade às negociações. Ann ficou sozinha e com a saúde debilitada. Depois de tanto sofrimento e tanta privação, ela contraiu meningite. E, antes que pudesse ver seu marido mais uma vez, partiu para a Glória eterna aos 37 anos, em 24 de outubro de 1826. Sua filha Maria faleceria seis meses depois.
As mortes da esposa e da filha foram devastadoras para Adoniran Judson. Ele levaria um tempo para se recuperar dessas perdas. Mas, tão logo reuniu forças de novo, deu continuidade ao trabalho de evangelização e de tradução das Escrituras. Ele viveu na Birmânia até sua morte, em 1850. (*Com informações de Southern Equip, Wholesome Words e Voltemos ao Evangelho)