Medicina e Saúde – 260
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01/05/2021Longe da Palavra
Muitos cristãos têm se distanciado das verdades da Bíblia
Por Ana Cleide Pacheco
Nos Estados Unidos, país tido como a maior nação cristã do mundo, os valores bíblicos estão em baixa, segundo a edição de 2020 do American Worldview Inventory (em português, Inventário Americano de Visão de Mundo). O levantamento, realizado pelo Centro de Pesquisa Cultural da Universidade Cristã do Estado do Arizona, observou o alcance do pensamento secularista entre os evangélicos – pentecostais e tradicionais – e católicos carismáticos. Diversos pilares das Escrituras Sagradas e da doutrina cristã têm sido contestados por muitos fiéis. Por exemplo, 75% dos entrevistados não acham que todos os seres humanos são pecadores, como a Bíblia afirma em Romanos 3.23 (Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus), e o mesmo percentual entende que as pessoas são basicamente boas e não precisam ir à igreja.
Levando em conta apenas os evangélicos, tanto tradicionais quanto pentecostais, a análise apurou que mais da metade deles não crê que o Espírito Santo seja uma pessoa real ou seja plenamente Deus; cerca de 30% dos pentecostais e 28% dos tradicionais não acreditam que o Criador é a fonte de toda a verdade ou que a Bíblia é a Palavra dEle, fidedigna e confiável; 40% desses dois grupos também não consideram o Livro Santo como fonte primária de orientação moral, e 60% dos evangélicos tradicionais afirmam que suas crenças pessoais conflitam, diretamente, com o ensino bíblico.
O Pr. Renildo da Silva Moreira, 55 anos, ressalta que, no Brasil, vários cristãos têm noções semelhantes por falta de um ensinamento sólido nas igrejas em relação ao plano da salvação, o que conduz muitos que se dizem crentes em Cristo a um distanciamento do Evangelho genuíno. Ao mesmo tempo, segundo Moreira, a ausência de ensino bíblico tem feito essas pessoas se envolverem com as distrações deste século e, portanto, afastarem-se da congregação, perdendo a capacidade de enxergar Jesus como Salvador. “Temos em nós uma natureza pecaminosa, e o salário dela é a morte, como está registrado nas Escrituras”, pontua ele, pastor auxiliar da Igreja Batista Betânia, em Sulacap, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Renildo Moreira frisa que não existe salvação universal e que o apóstolo Paulo deixa isso claro em suas cartas: “O ser humano que rejeitar a Deus e se entregar aos prazeres de uma vida pecaminosa trará para si a ira do Altíssimo. Se formos pegos por ela, estaremos distanciados eternamente dEle. Contudo, os que são fiéis ao Messias, e têm certeza de que Ele voltará em Sua majestade e glória, viverão com o Senhor para sempre”. [Leia, ao final desta reportagem, o quadro Cristão “desigrejado”]
Todos pecaram –O presbítero e teólogo Flávio Macedo Pinheiro, 39 anos, enfatiza que a salvação só é possível por meio de Jesus. Ele lembra que Deus criou todas as coisas, mas o ser humano está separado dEle em virtude do pecado. Ainda assim, assinala o teólogo, por causa de Seu grande amor, o próprio Deus estabeleceu uma forma de reconciliação, assumindo a punição que os seres humanos deveriam receber. Jesus, o Deus Filho, aceitando uma vida terrena repleta de limitações e dificuldades, morreu para todos terem a oportunidade de escolher viver uma vida transformada, em luta contra o pecado, sinalizando o Reino dos Céus aonde quer que vão. “O plano de salvação implica reconhecermos que Deus enviou ao mundo o próprio Filho para nos salvar da condenação eterna. Muita gente, sem ter conhecimento bíblico, não aceita a ideia de merecer a condenação, por se considerar uma boa pessoa, que não faz nada de errado.”
Pinheiro destaca que a Palavra é clara ao dizer que todos pecaram e, portanto, carecem da glória do Senhor (Rm 3.23), e que não há um justo sequer (Rm 3.10). “Logo, não há mérito humano capaz de restaurar o estrago feito pelo pecado. Apenas a morte de Cristo e uma nova vida por meio do Seu sacrifício e da Sua ressurreição podem fazer isso em nosso viver”, informa ele, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) em Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo (SP).
Para o teólogo, a sondagem da Universidade Cristã do Estado do Arizona mostra que os valores cristãos cada vez influenciam menos a sociedade e que os princípios éticos, os quais há muito tempo foram assimilados pela cultura ocidental, estão menos presentes no senso comum. Professor de Ciências Sociais, ele pondera que, talvez, o grande erro de diversas igrejas – e dos cristãos em geral – tenha sido a acomodação, ao pensar que todas as pessoas em um determinado país, como os Estados Unidos, já haviam tido acesso ao Evangelho. “Um estudo como esse evidencia que a Igreja não pode acreditar nisso, e que a pregação da Palavra e de sua mensagem de salvação não irá triunfar por ‘inércia’, e sim por meio da ação do Espírito Santo”, argumenta, destacando que a Igreja não está separada do mundo, portanto deve entender o contexto em que está inserida e, assim, desenvolver a melhor forma de pregar a Palavra.
Já o Pr. Eguinaldo Hélio de Souza, 50 anos, da Igreja Vale da Bênção, em Araçariguama (SP), esclarece que a perda de padrões concretos de moralidade levou as pessoas a enxergar o Evangelho como uma mensagem religiosa qualquer, como tantas outras. Ou seja: escolher no que acreditar passou a ter o mesmo valor da escolha do filme que se pretende ver na televisão. “Nossa civilização foi formada pela Bíblia, pela cosmovisão cristã. Dentro dessa cosmovisão, as ideias de uma lei moral, do julgamento pela desobediência e de um Deus único e juiz sobre todas as coisas estavam presentes”, resume ele, que é professor de Teologia.
Todavia, segundo Eguinaldo de Souza, à medida que a influência do cristianismo sobre a cultura ocidental foi se apequenando, surgiu uma sociedade que a tudo reputa como relativo, inclusive a verdade. “As pessoas, contaminadas pelo pós-modernismo, nem sequer acreditam que existe verdade, o que torna difícil discernirem entre o que é falso e o que é verdadeiro.”
Sã doutrina – O Pr. Flávio Pereira da Silva, 39 anos, da Igreja Batista de Abolição, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), concorda com Eguinaldo de Souza e diz que o secularismo tem avançado com muita força no Brasil. Ele destaca, porém, que não se trata de um problema novo, pois o próprio apóstolo Paulo, em suas cartas, já combatia esse mal, falando contra falsos profetas que tentavam desviar a Igreja da sua missão. “Não tem sido diferente hoje. Estamos perdendo tempo com polêmicas, e a missão principal que nos foi dada por Jesus está sendo colocada de lado. Se guardarmos a sã doutrina, conseguiremos resistir a tudo isso.”
Na opinião do pastor, a verdade sobre o pecado precisa ser proclamada, ainda que o pensamento corrente seja o de que as pessoas são inerentemente boas e, portanto, não necessitam do sacrifício do Redentor na cruz em seu favor. “Por causa dessa ‘teologia coaching’, que se propaga e ganha milhares de adeptos, deixamos de pregar o arrependimento de pecados para falar de autoajuda. Na verdade, até a palavra ‘pecado’ já está relativizada também. Dessa forma, as pessoas se apoiam na ideia de que suas boas ações as levarão ao Reino eterno”, pondera, salientando que essa concepção é um dos muitos sinais de que a Palavra está se cumprindo no que se refere ao fim dos tempos.
O teólogo e pastor Rui Santos, 70 anos, tem opinião semelhante. Líder da Igreja Batista no Cacuia, na Ilha do Governador, zona norte carioca, ele acentua que o relativismo dominante na sociedade atual, faz parte da preparação para a implantação do governo do anticristo e da nova ordem mundial. Segundo Santos, é chegado o fim dos tempos, e os acontecimentos estão sendo acelerados, pois Deus está “remindo os dias”. “Muitos evangélicos estão vivendo em conformidade com este mundo, infelizmente”, lamenta-se.
Entretanto, Rui Santos aponta que há quem procure andar segundo a Bíblia, apesar das dificuldades. Para ele, uma pesquisa como essa deveria fazer as pessoas refletirem sobre a seriedade da salvação, a vida cristã e a eternidade, com Cristo, no Céu, e sem Ele, no inferno. “E qual é o papel da Igreja diante desse momento tão delicado, onde tudo está se fazendo ‘normal’ para os cristãos? Dedicar-se à busca do conhecimento e investir no estudo das Escrituras, pois, como está escrito em Oseias 4.6: O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento”, conclui.
Cristão “desigrejado”
O cristianismo proposto por Jesus Cristo em Seu ministério terreno sempre priorizou pessoas em vez de organismos e instituições religiosas. Entretanto, não descartou a importância da Igreja e deixou claro que ela seria um pilar da expansão e manutenção do Evangelho. Após a ascensão do Salvador, fez-se necessário que os seguidores da fé se agrupassem a fim de Seus ensinamentos e testemunhos serem repassados por meio da tradição oral. Dessa forma, os apóstolos lideraram e ensinaram os que se chegavam a eles.
E, como explica o teólogo e presbítero Marcelo Geovane Valério da Silva (foto), nesse contexto, estabelecido pela graça divina, surgiu o organismo vivo chamado Igreja. “Uma comunidade viva, que aos poucos se desvincularia das tradições sacerdotais, mosaicas e judaizantes”, define Marcelo da Silva, assinalando que aquele ajuntamento era transformado pelo Messias, fazia amigos e influenciava pessoas ao seu redor. Ele destaca que a Palavra e o testemunho daqueles que experimentaram os grandes feitos do Prícipe da Paz, bem como a comunhão em sua plenitude, eram os sustentáculos do Evangelho. “Ao longo dos séculos, a Igreja foi constituindo grandes líderes cristãos, homens que tiveram relevância e foram protagonistas de mudanças estruturais”, destaca o presbítero, membro da Igreja Presbiteriana Adonai em Manguinhos, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
Entretanto, ele traz à memória que, especialmente a partir do século 20, com a chegada da televisão, alguns pregadores se tornaram famosos e influentes. E, com essa fama e influência, vieram, paralelamente, escândalos que abalaram a fidedignidade do Evangelho, fazendo milhares de fiéis deixarem de frequentar uma igreja. “Desse fenômeno nasceu o chamado cristão ‘desigrejado’.” Para o teólogo, essa novidade foi gerada também por aqueles que, de maneira distorcida, afirmam que o homem é a Igreja e, por isso, negam a importância do congregar. “Esse fenômeno contribuiu para um grande boom de novos ministérios, bem como para um número alarmante de pessoas que se dizem cristãs, mas não frequentam igrejas. Isso gera uma enorme instabilidade no cristianismo vivido e pregado na América do Norte e na Europa, e que já bate na porta da América do Sul.”