Escolas evangélicas crescem no Brasil com uma educação apoiada na formação espiritual
15/09/2025
Escolas evangélicas crescem no Brasil com uma educação apoiada na formação espiritual
15/09/2025

O que move o coração e a escolha do consumidor evangélico

Foto: Likoper / Adobe Stock

Por Marcelo Santos

Na calçada oposta à sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), no Centro de São Paulo (SP), quase na famosa esquina da Ipiranga com a São João, o fluxo é constante: cristãos evangélicos chegam para as reuniões, saem revitalizados após ouvirem a Palavra e veem uma fachada que parece uma extensão do culto. É a entrada do Shopping do Povo, uma loja onde o comércio cristão floresce com intensidade e propósito.

Eliana Aparecida de Medeiros Vieira resume: “Os clientes entram com sede de algo que os aproxime de Deus. E, muitas vezes, é por meio de um presente que eles demonstram o amor de Jesus”
Foto: Marcelo Santos

Logo à frente, uma das vitrines exibe camisetas com versículos, objetos de decoração com mensagens bíblicas, bíblias temáticas e acessórios que comunicam fé. Ao entrar na loja, o visitante encontra as gôndolas repletas de livros cuidadosamente selecionados: obras como o devocional Bênçãos de Inverno 2025 e Como tomar posse da bênção são alguns itens que as pessoas procuram em busca de fortalecimento espiritual, consolo e crescimento na fé. “Os clientes entram com sede de algo que os aproxime de Deus. E, muitas vezes, é por meio de um presente que eles demonstram o amor de Jesus”, resume Eliana Aparecida de Medeiros Vieira, 43 anos, gerente da loja há quase duas décadas.

Por trás do balcão, é ela quem dá as boas-vindas. “Estou aqui pela graça de Deus há 19 anos. Comecei como vendedora e, hoje, pela bondade do Senhor, sou gerente. O cliente expõe uma necessidade específica: um presente para alguém enlutado, um livro sobre casamento, depressão ou fé. E a gente escuta, acolhe e orienta”. Ela deixa claro que o atendimento vai muito além da venda. “Nossos clientes são, em sua maioria, cristãos de várias denominações. Eles são amáveis, fiéis, e sempre tentamos atender às suas expectativas.”

Fabrício Fudissaku, diretor-executivo da Data-Makers, declara: “A ascensão dos evangélicos como maior grupo religioso do Brasil é uma realidade”
Foto: Arquivo pessoal

Segundo a gerente, o público é bastante diversificado: “Temos clientes de outras religiões e ateus. Todos merecem respeito e acolhimento. As pessoas precisam ver em nós a diferença de quem serve a Jesus”. Ela acrescenta que o objetivo é prestar um bom atendimento, algo que, em sua opinião, é insubstituível. “Tiramos dúvidas, sugerimos produtos e até oramos com a pessoa se for necessário. Queremos que ela saia satisfeita e volte” finaliza.

Fé e consumo – O zelo de Eliana Vieira não é exceção: reflete, na verdade, um movimento maior que vem sendo mapeado por estudos recentes. A pesquisa O Brasil evangélico, realizada pelo grupo de pesquisa de mercado HSR Specialist Researchers, confirma uma mudança de paradigma no mercado nacional: 58% dos evangélicos afirmam que sua fé influencia diretamente suas decisões de compra, e 78% consideram essencial que as marcas respeitem seus valores religiosos. “A ascensão dos evangélicos como maior grupo religioso do Brasil é uma realidade”, declara Fabrício Fudissaku, diretor-executivo da Data-Makers, empresa do grupo HSR. “Esse crescimento impacta o comportamento de consumo e exige das marcas uma comunicação mais alinhada com os valores desse público. Mais da metade dos evangélicos não se sente representada pela publicidade atual: o índice chega a 63% nas classes D e E.”

A coordenadora comercial Fátima Ferreira Rodrigues Muniz relata que o cliente evangélico atual é informado, criterioso e exigente: “Ele não busca apenas informação, mas também algo que fortaleça a fé”
Foto: Rodrigo Di Castro

O estudo revela que esse consumidor não apenas valoriza marcas que respeitam seus princípios, como também está disposto a agir quando se sente desrespeitado: quase um terço dos entrevistados já deixou de comprar um produto por não se sentir representado ou por considerar que houve ofensa à fé. “Os evangélicos são mais propensos ao boicote, especialmente os homens”, ressalta Fabrício, acrescentando que as marcas que se conectam melhor com esse grupo são aquelas que oferecem representatividade, respeito e utilidade espiritual. Para ele, produtos de beleza, alimentos, brinquedos, moda e entretenimento são setores com grande potencial de expansão entre os crentes em Jesus, especialmente quando apresentam valores como família, bem-estar e integridade. “Quase 60% dariam preferência a produtos identificados como evangélicos, e mais da metade aceitaria pagar mais por eles, especialmente os jovens da geração Y.” O especialista se refere aos millennials – pessoas nascidas entre o início dos anos 1980 e meados da década de 1990.

Foto: KOTO / Adobe Stock

Aqueles que lidam com o público evangélico diariamente sabem que essa transformação não veio do dia para a noite. É o que testemunha a coordenadora comercial Fátima Ferreira Rodrigues Muniz, 67 anos, da Graça Editorial, a qual acompanhou de perto essa evolução. “No fim dos anos 1980, quando me converti, quase não existiam produtos alinhados com nossos valores. Havia preconceito, poucas lojas, e a leitura cristã ainda era limitada a poucos títulos. Hoje, as igrejas incentivam a leitura, os crentes sabem onde encontrar o que precisam e até lojas seculares reservam espaços para vender o material cristão,” assevera ela.

Fátima Muniz, que atende lojistas e distribuidores em todo o Brasil, relata que o cliente evangélico atual é informado, criterioso e exigente. “Ele não busca apenas informação, mas também algo que fortaleça a fé. E a gente precisa ouvi-los, sugerir títulos. É mais do que vender: é caminhar junto na fé”. Ela ressalta que, na hora de lançar um novo produto, a Graça Editorial adota um critério inegociável: excelência e fidelidade à Palavra. “Não pode existir uma linha sequer fora da Verdade de Cristo. A impressão, a imagem, tudo tem de refletir esse compromisso. As pessoas percebem isso. Elas confiam porque sabem que é um conteúdo seguro, que edifica”, informa a coordenadora.

O publicitário Neriel Lopez analisa: “Hoje, os cristãos consomem como qualquer outro grupo. A pergunta já não é se a empresa é cristã, mas se o produto é bom e tem preço justo”
Foto: Arquivo pessoal

Além da estética – Com mais de três décadas nesse segmento, o publicitário Neriel Lopez, especializado em comunicação para igrejas, também acompanha de perto esse mercado. Ele esteve na linha de frente da formação da Expo Cristã, considerada a maior feira evangélica da América Latina. “Assumi a direção de marketing da EBF Eventos em 2002, quando o evento ainda estava sendo consolidado. A ideia era simples e poderosa: reunir empresas cristãs para que o povo pudesse consumir de quem partilhava da mesma fé”, lembra-se Lopez, observando que adquirir produtos de irmãos em Cristo era visto como uma maneira de abençoar e ser abençoado. “Mas, com o tempo, o mercado se abriu, empresas seculares entraram em cena, e o foco original foi se diluindo.”

Para Lopez, os valores que antes guiavam as decisões de compra, como fidelidade à fé e preferência por marcas cristãs, foram substituídos por critérios de mercado. “Hoje, os cristãos consomem como qualquer outro grupo. A pergunta já não é se a empresa é cristã, mas se o produto é bom e tem preço justo”, analisa o publicitário, o qual aproveita a entrevista à Graça/Show da Fé para sublinhar que a fé segue sendo um filtro decisivo. “Se uma marca se posiciona contra os princípios da fé cristã, a reação vem – e rápido. O boicote é real, e a internet amplifica tudo isso.” Ele pontua que as empresas precisam entender que não se trata de oportunismo, e sim de sensibilidade. “Não é sobre usar um versículo na embalagem. É sobre coerência. Hoje, qualquer um diz ‘glória a Deus’, mas o cristão percebe quando é de verdade.”

O jornalista e cineasta Sinval Filho elucida: “Não existe um público único: temos, por exemplo, o pentecostal, o jovem gamer, o leitor de devocionais rápidos — cada um com suas referências e necessidades”
Foto: Marcelo Santos

O mercado evangélico é segmentado, a exemplo do  secular. O jornalista e cineasta Sinval Filho, 42 anos, empresário editorial e pastor voluntário na Igreja Batista da Lagoinha em Osasco (SP), percebeu uma lacuna e lançou a Lion Editora. “Não havia editoras com foco real nesse público: jovens que consomem filmes, séries e games estavam sem materiais que falassem a linguagem deles com conteúdo evangélico”. Sinval explica que, em razão da sua formação profissional e teológica, uniu a fé à técnica – sua experiência de mercado ao ministério com adolescentes”, brinca o jornalista, informando que o mercado evangélico é múltiplo. “Não existe um público único: temos, por exemplo, o pentecostal, o jovem gamer, o leitor de devocionais rápidos — cada um com suas referências e necessidades”, elucida ele, mencionando os resultados da pesquisa Retratos da Leitura (da Câmara Brasileira do Livro – CBL), os quais mostram que o evangélico lê, pelo menos, o dobro do brasileiro médio. “Isso prova que a fé, quando vivida de maneira genuína, impulsiona também o crescimento intelectual e profissional.”

A empresária Quézia Querem Marsola conclui: “O consumidor evangélico não barganha seus valores. O estilo dele é uma expressão da sua fé, e ele não troca isso por nada”
Foto: Arquivo pessoal

A diversidade trazida pelos crentes em Jesus ao mercado também se reflete na moda, onde fé e identidade encontram expressão no vestir. É o que aponta Quézia Querem Marsola, 39 anos, membro da Congregação Cristã do Brasil desde a infância. Ela fundou a empresa Querem Vestido, em Santo André (SP), a partir de uma experiência comum a muitas mulheres cristãs: a dificuldade de encontrar roupas que respeitassem seus princípios. “A Querem foi idealizada por meio da luta que a mulher cristã travava para se vestir. As peças que encontrávamos eram curtas, sem mangas e transparentes, e envelopavam o nosso corpo. Nós nos sentíamos expostas.” A empresária assinala que, ao criar a marca, buscou incluir mulheres de todos os biotipos.

Foto: Benjamin Clapp / Adobe Stock

Quézia Marsola defende que modéstia e elegância caminham juntas, motivo de a proposta da marca não se restringir às questões estéticas. “A modéstia virou um estilo de vida. Grandes mulheres, como a princesa Kate Middleton, já a adotam, e o mundo secular tem absorvido essa tendência com muita ênfase. A mulher evangélica busca uma peça que esteja de acordo com os princípios da fé e da doutrina de sua igreja”, observa Quézia, destacando que esse compromisso também se reflete nas parcerias da empresa. “A gente só caminha com quem valoriza o sacrifício de Cristo na cruz. Quem não é cristão pode até comprar o conceito da modéstia, mas não entende o propósito. Por isso, fazemos questão de agregar parceiros cristãos e conduzir tudo da maneira mais honrosa possível”, frisa a empresária, a qual acredita que o público evangélico sabe o que quer. “O consumidor evangélico não barganha seus valores. O estilo dele é uma expressão da sua fé, e ele não troca isso por nada”, conclui.


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