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O que os evangélicos dizem sobre o luto a uma sociedade distante dos valores cristãos
Por Ana Cleide Pacheco
As palavras do apóstolo Paulo aos romanos são impactantes: O salário do pecado é a morte (Rm 6.23). A queda de Adão e Eva (Gn 3) destinou a humanidade à finitude. Contudo, as Escrituras Sagradas afirmam que a morte física não é o fim, pois o espírito é perene (Ec 12.7).
De acordo com a Palavra, o falecimento é seguido do inescapável julgamento divino (Hb 9.27). Diante de um Deus santo, os pecadores estão condenados a passar a eternidade longe dEle (Rm 3.23). A esse respeito, o reformador Martinho Lutero (1483-1546) afirmou: A heresia mais condenável e perniciosa que já atormentou a mente do homem foi a ideia de que, de alguma forma, ele poderia se tornar bom o suficiente para merecer viver com um Deus todo santo.
Felizmente, mediante o sacrifício de Cristo no Calvário (1 Jo 2.2), os que nEle creem podem desfrutar da vida eterna com o Pai. O evangelista João escreveu: Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá (Jo 11.25,26).
Em uma era que abandonou os princípios cristãos, as pessoas evitam pensar na morte. É o que revela a investigação científica Amor, sofrimento e esperança: respostas emocionais à morte e ao morrer, realizada no Reino Unido e encomendada pelo Theos Think Tank, grupo que pesquisa a relação entre religião, política e sociedade no mundo contemporâneo. O levantamento apontou que pouco mais da metade dos cidadãos não desejam uma cerimônia póstuma.
Diferentemente dos modestos velórios brasileiros, os funerais britânicos são sofisticados: mantêm a tradição do cortejo em carro fúnebre, o uso obrigatório do traje preto e uma celebração em memória do morto, encarecendo o processo. Os fatores econômicos foram a principal objeção apresentada pelos entrevistados a tais celebrações.
No prefácio da pesquisa, o arcebispo da Cantuária, Justin Welby, líder da Igreja Anglicana, lamentou: Foi chocante descobrir que a morte pode ser vista como cara, demorada e irrelevante e que é melhor simplesmente seguir em frente. No documento de apresentação do estudo, os pesquisadores concluíram: Essa não é uma tendência neutra, mas pode ter implicações significativas na eficácia com que o luto é gerido em toda a sociedade. […] Em uma sociedade que geralmente tenta se afastar da morte, o funeral é um dos poucos lugares onde é explicitamente reconhecida. O relatório diz ainda que a filiação religiosa (e especialmente a filiação cristã) está diminuindo, com implicações significativas na maneira como pensamos sobre a nossa própria morte e lamentamos a perda dos nossos entes queridos.
Apoio espiritual – Ao analisar as informações da pesquisa, o Pr. Claudio Silva dos Santos, da Assembleia de Deus em Pilares, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), ressalta: quem não conhece o Evangelho teme encarar a morte. Tal sentimento está ligado ao fato de o ser humano estar distante do Salvador. “Esse receio não deveria existir, mas se trata de uma perspectiva pós-queda”, assinala Santos, professor de Teologia Sistemática.
Segundo o ministro, assim como não conseguem lidar bem com a própria finitude, as pessoas estão cada vez menos preparadas para enfrentar os processos do luto. Essa inabilidade acontece porque o homem assumiu o controle de suas emoções e se distanciou do Consolador (Jo 14.16). “Em tempos de orfandade espiritual e amnésia bíblica, não temos a presença corpórea de Cristo, porém a Sua Palavra e o Seu Espírito estão em nós, morando no templo vivo que somos. Essa é a certeza que nos dá esperança, e devemos transmitir aos enlutados esse cuidado.”
Apesar do declínio da filiação religiosa cristã no Ocidente, especialmente no Reino Unido, o relatório do estudo concluiu que as igrejas ainda têm um papel estrutural no apoio a quem enfrenta o luto: [À medida que] um número crescente de pessoas renuncia às cerimônias fúnebres formais, o acesso a espaços reflexivos informais será um serviço cada vez mais importante para a nação por direito próprio. Aqui, as igrejas e outros grupos religiosos estão excepcionalmente bem posicionados para responder às necessidades pastorais emergentes, devido ao seu testemunho histórico nessa área […]. Essa é uma oportunidade manifestamente moderna de conhecer pessoas em sofrimento.
A Pra. Marília Gabriela Ramires Trovato, 35 anos, líder estadual do ministério Mulheres que Vencem (MQV) no Mato Grosso do Sul, afirma que as comunidades de fé têm centralidade no auxílio às pessoas em luto, pois estão preparadas para oferecer apoio emocional e espiritual. Para a ministra, estar presente nos momentos posteriores à perda – participando do velório, fazendo visitas, telefonando ou enviando mensagens – demonstra cuidado e atenção, gestos essenciais nessa travessia. “A organização de grupos de apoio, em que seja possível compartilhar experiências e encontrar conforto espiritual, também se mostra valiosa.”
A Pra. Geovanildes Farias Santos Araújo, 51 anos, coordenadora estadual do MQV na Bahia, lembra que a morte é a nossa única certeza existencial. Por esse motivo, é necessário buscar respostas e estar ciente da transitoriedade da vida. “Precisamos respeitar o momento de dor das pessoas e demostrar amor por elas, levando-as a entender que sempre haverá saudade.”
A pastora citou 2 Samuel 12.20, trecho em que Davi adora ao Senhor mesmo em profunda tristeza pela morte de seu filho com Bate-Seba: Então, Davi se levantou da terra, e se lavou, e se ungiu, e mudou de vestes, e entrou na Casa do Senhor, e adorou; então, veio a sua casa e pediu pão; e lhe puseram pão, e comeu. “Aquele servo fez isso compreendendo que existe um propósito para tudo e por ter a esperança da vida eterna”, explica Araújo.
Para a empresária Sabrina Fernandes, 40 anos, membro da Igreja Lagoinha em Niterói (RJ), adorar ao Criador é um antídoto de superação das perdas. “Desde tempos imemoriais, há poder na adoração, como lemos em Atos: Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus, e os outros presos os escutavam. E, de repente, sobreveio um tão grande terremoto, que os alicerces do cárcere se moveram, e logo se abriram todas as portas, e foram soltas as prisões de todos (At 16.25,26).Na alegria ou no luto, podemos adorar. A paz que excede todo o entendimento virá, e o Consolador nos ajudará a passar pelo sofrimento”, assegura Sabrina.
“Esperança em Jesus” – A administradora de empresas Cristiane Marvilla, 38 anos, congrega na mesma igreja de Sabrina e compartilha de opinião semelhante. Ela conta que, quando perdeu a mãe há cinco anos, a Palavra de Deus, o apoio dos irmãos e a adoração foram essenciais. “Eu me lembro daqueles dias de dor e choro embalados por canções que me fizeram seguir em frente e entender que há um propósito para tudo. A vida eterna é real, e isso me conforta. Louvo ao Senhor pelos irmãos que me ampararam e pela igreja sempre presente.”
Para o Prof. Edson Pinheiro Pedersane, 61 anos, pastor auxiliar na Primeira Igreja Batista em Santa Amélia, em Belford Roxo (RJ), na Baixada Fluminense, a fé em Cristo é a solução para amenizar a dor da perda e do luto. “Segundo a Bíblia, a morte é uma limitação terrena e consequência do pecado. O papel da Igreja é ajudar os enlutados, consolando-os e apresentando-lhes a esperança em Jesus”, ensina.
A Pra. Mônica Andréa Matos de Oliveira, 53 anos, da Comunidade Apostólica de Discípulos (CAD), em Carapebus (RJ), concorda com Pedersane. De acordo com ela, o Corpo de Cristo se apresenta para ajudar os salvos a enfrentarem as lutas internas e externas do luto. Mônica lembra que, à medida que a cultura ocidental se distancia da cristandade, a finitude humana se torna cada vez mais um tabu. Assim, a ministra defende a pregação dos ensinamentos bíblicos a respeito do assunto. “O Evangelho dá uma resposta salutar aos que o buscam, aplacando a dor e o medo da morte”, finaliza.