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Projeto de lei pretende que pais sejam informados previamente sobre atividades de caráter cultural, ideológico, religioso, filosófico ou político realizadas nas escolas
Por Ana Cleide Pacheco
A legislação brasileira estabelece a família como a base da sociedade e lhe dá primazia no cuidado das crianças. É o que preconizam os artigos 226 e 227 da Constituição Federal. Porém, a partir do momento em que os pequenos adentram as instituições de ensino, por volta dos quatro anos – como determina a Lei 12.796/13 –, escola e família passam a interagir em sua formação. O relacionamento entre essas duas instâncias, porém, nem sempre é harmônico, especialmente quando os responsáveis entendem que valores ensinados pela instituição pedagógica entram em conflito com os do núcleo familiar.
Em uma tentativa de minimizar esse problema, tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 2.992/20, o qual pretende obrigar as escolas a informar previamente às famílias sobre quaisquer atividades de cunho cultural, ideológico, religioso, filosófico ou político a serem realizadas dentro ou fora do estabelecimento educacional. A notificação aos pais e responsáveis, segundo o projeto, deverá ocorrer com três dias de antecedência.
Além de comunicar a natureza e o local da ação, a escola deverá informar sua importância pedagógica e correlação com a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais da Educação Básica. A instituição de ensino estará obrigada a informar a idade indicativa de censura [sic], os idealizadores e patrocinadores da atividade, além de sites de internet, telefones e endereços em que os pais possam buscar outras informações a respeito. De acordo com o autor do projeto de lei, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), o principal objetivo da proposta é impedir tentativas de muitos segmentos da sociedade de destruir e interferir nos valores que cada família passa às crianças.
O projeto prevê ainda que os responsáveis tenham o direito de não permitir a participação da criança em algum evento que considerem lesivos à sua formação. Nesse caso, ficaria vedada a utilização de tais atividades para qualquer tipo de avaliação escolar ou como condição de aprovação e proibida a apuração da frequência do estudante, e a imposição de falta, quando se tratar de ausência do mesmo em virtude da recusa. A proposta será analisada pelas comissões de Educação e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Depois, se aprovada, poderá seguir para o Senado, já que tramita em caráter conclusivo – ou seja, não precisa ser votado e aprovado no plenário da Câmara.
“Direito de escolha” – A empreendedora Ana Paula Maciel dos Santos Correia, 38 anos, acredita que o projeto é um grande avanço. Mãe de três filhos, ela relata que, muitas vezes, os alunos são obrigados a participar de atividades que vão contra os seus princípios. E pior que isso: não falam aos pais tais ocorrências por medo de serem prejudicados na escola. “Quando expostos a situações que vão contra suas ideologias, crianças e adolescentes temem ser prejudicados nas disciplinas, como perderem pontos ou receberem faltas no diário escolar. E ainda têm medo da discriminação que possam vir a sofrer.”
Membro da Assembleia de Deus em Paraíso de Tocantins (TO), ela acredita que o aviso prévio obrigatório dessas atividades ou eventos pode ajudar as crianças e os adolescentes, resguardando-os e fazendo as diferenças serem respeitadas. “Dar às famílias o direito de escolha sobre essas questões é fundamental para se construir uma sociedade mais justa. Precisamos de mais projetos de lei que preservem e respeitem os princípios e ideologias escolhidas por cada instituição familiar como esse.”
A pedagoga e educadora cristã Flávia Grégio, 38 anos, lembra que já há leis em vigor que garantem o respeito às diferenças culturais e religiosas no ambiente escolar. Entre a legislação existente, ela destaca a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96). “O problema é que muitos educadores estão apresentando as respectivas religiões, usando estratégias para envolver crianças em situações desnecessárias”, alerta a pedagoga, ressaltando que a escola não deve, segundo legislação em vigor, exercer qualquer influência sobre o aluno nessa particularidade. “Penso que é importante ensinar ao educando as origens das culturas das etnias, mas sem a necessidade de entrar em detalhes de questões religiosas”, defende a especialista, membro da Assembleia de Deus em Pilares, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
Para a Profª Aline Flor Sacramento, 42 anos, propostas como o projeto em questão representam uma oportunidade de fazer escola e família se aproximarem. “Quando existe diálogo, essas duas instituições têm a possibilidade de se conhecerem”, analisa Aline, que leciona Língua Portuguesa. De acordo com ela, é relevante os responsáveis estarem inteirados sobre o que acontece no âmbito pedagógico e participarem ativamente da vida escolar dos filhos.
Segundo ela, pais e responsáveis não devem se manifestar apenas quando existem diferenças ou divergências com a escola, mas em todos os aspectos que permeiam o processo de aprendizagem da criança e do adolescente. “Isso faz com que a ligação entre a instituição de ensino e o responsável se mantenha ativa. Quando pensamos juntos sobre educação, juntos somos beneficiados por ela”, avalia Aline, diaconisa da Assembleia de Deus Congregação Fonte da Vida em Inhaúma, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
Parceria fundamental – A pedagoga Michele Porto segue a mesma linha de raciocínio da Profª Aline Sacramento. Em sua opinião, as temáticas ideológicas e filosóficas devem ser trabalhadas de forma a não ofender as famílias, já que elas são aliadas, e não adversárias das instituições de ensino. Segundo a especialista, a proposta de lei citada no início desta reportagem pode ajudar a fomentar esse trabalho em conjunto. “Escolas e responsáveis podem tratar essas questões com responsabilidade, sem prejudicar os alunos, entrando em um acordo, tendo em mente que a parceria entre as partes é fundamental para que os alunos cresçam e se desenvolvam”, aconselha ela, que também é pastora do Tabernáculo Apostólico Semeando Avivamento no Fonseca, em Niterói (RJ).
A pedagoga Vanessa Silva de Castro Santos, 40 anos, igualmente crê que a interação entre família e escola é imprescindível. “Por meio do diálogo franco, pais e responsáveis devem saber como as questões serão abordadas em sala de aula e acompanhar os conteúdos ministrados”, defende Santos, membro da Igreja Evangélica Congregacional de Higienópolis, zona norte carioca. “Acredito que a escola é o lugar onde devemos conhecer e discutir qualquer assunto de forma científica e respeitosa”, pondera Vanessa, destacando que os temas devem ser abordados de forma neutra pelos professores. “Isso implica não repassar ideologias e crenças que fazem parte da sua vida. É realmente um grande desafio, que deve ser observado com ética.”
Difusão de conhecimento – A Profª Aline de Souza Oliveira, 35 anos, concorda com a pedagoga Vanessa Santos e reforça a importância de a criança e o adolescente terem contato com a diversidade cultural, sendo isso primordial para a formação de indivíduos críticos e reflexivos. “Quando submetido ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo, o aluno não receberá uma avaliação distinta que considere apenas o conhecimento que suas vivências de ordem ideológica, cultural, religiosa, filosófica e política lhe proporcionaram”, alerta a professora, frisando que todos são submetidos à mesma avaliação. “Para ter um bom desempenho em Redação, por exemplo, o conhecimento de mundo se faz necessário”, pondera.
Por outro lado, Aline Oliveira, membro da Assembleia de Deus em Pilares, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), reitera que existem, de fato, educadores que se aproveitam de sua posição de influência para doutrinar os estudantes. De acordo com ela, essas atitudes podem acarretar problemas de ordem emocional, social e cognitiva para os menores. Ademais, ela destaca que quem pratica a doutrinação de qualquer ordem está infringindo direitos assegurados por lei às famílias. “O artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que os pais têm prioridade na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos, e o artigo 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz, entre outras coisas, que os materiais didáticos destinados ao público infanto-juvenil devem respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família. Sendo assim, o projeto de lei pode auxiliar as famílias na garantia desses direitos que, infelizmente, não são respeitados em algumas instituições.”
Para a pedagoga Sarah Cazella, 39 anos, é preciso deixar claro que a escola é um espaço de difusão de conhecimento. Dessa forma, questões ligadas à religião podem ser trabalhadas nas escolas confessionais, mas não nas instituições públicas, que têm sua base na diversidade e pluralidade. “Primeiro, precisamos entender qual é o papel da escola nos nossos dias. Trata-se de um espaço social, e, por isso, também podemos considerá-lo laico”, pondera a especialista, membro da Igreja Presbiteriana Independente da Lapa, zona oeste de São Paulo (SP).
De acordo com ela, cada instituição deve assegurar que o processo ensino-aprendizagem e a produção de saberes versem sobre temas comuns a todos os cidadãos, sem levantar bandeiras ideológicas. Dessa forma, segundo Cazella, a escola não deve ter qualquer pretensão de substituir a formação moral que os menores têm em casa. “Afinal, é uma instituição que recebe crianças e adolescentes que convivem em outros ambientes sociais e, portanto, têm contato com ideologias religiosas, culturais e políticas variadas. Por isso, penso ser importante que, ao chegarem à escola, tomem conhecimento do que está acontecendo no mundo. E aqui não estou falando em influenciar, e sim em informar, explicar, ensinar”, conclui.