
Ação divina
08/08/2025
Por Michelli Possmozer
Em Dubai, onde o som que ecoa das mesquitas convoca os muçulmanos a fazerem suas preces cinco vezes ao dia, vivem, aproximadamente, 3,6 milhões de pessoas, em sua maioria, estrangeiras. Conhecida por sua arquitetura futurista e pela imensa diversidade cultural, a cidade, construída no deserto, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), reúne povos de mais de 200 países. Unindo modernidade e tradição, com temperaturas que podem chegar a 50º C no verão, Dubai atrai milhões de turistas ano após ano, mas também aqueles que buscam cumprir o Ide de Jesus (Mc 16.15; Mt 28.19,20).
Naquela nação, em que o islamismo é a religião oficial e a pregação cristã pública é proibida, igrejas evangélicas vêm atuando de modo discreto. Por lei, apenas estrangeiros podem frequentá-las, sendo vetada qualquer ação de proselitismo. Porém, apesar das restrições impostas pelo regime islamita, cristãos brasileiros têm encontrado maneiras de compartilhar a fé no emirado, espalhando a luz do Evangelho de Cristo e dando testemunho da vida transformada por Jesus. Desse modo, seja por meio da comunhão nas casas, seja nos templos, a graça de Deus brilha naquela porção do
Oriente Médio.

Foto: Divulgação / International Brazilian Fellowship (IBF)
Segundo o World Christian Database de 2023, aproximadamente 440 mil cristãos – incluindo evangélicos e católicos – vivem em Dubai, o que corresponde a 13% da população local. Os seguidores de Jesus expatriados (residentes estrangeiros) são livres para adorar a Deus no privado ou nas igrejas dos Emirados Árabes Unidos, de acordo com a Missão Portas Abertas. No entanto, muçulmanos convertidos ao cristianismo sofrem perseguição da família, da comunidade e do governo daquele país, o qual ocupa o 60º lugar na Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2025, ranking compilado por Portas Abertas que elenca as nações mais perigosas para os crentes em Cristo viverem. Além de Dubai, os EAU são compostos por mais seis emirados: Abu Dhabi, Sharjah, Ajman, Fujairah, Ras Al Khaimah e Umm Al Quwain.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Força da Palavra – Em meio a esse ambiente adverso, surgiu, em 2015, a International Brazilian Fellowship (IBF, sigla em inglês para Comunidade Brasileira Internacional), que, em 7 de fevereiro, realizou um culto especial no deserto para celebrar os dez anos de existência. O ministério começou, de maneira informal, em 2009, na sala da residência do Pr. Leandro Junqueira. No princípio, tratava-se de uma reunião de homens; posteriormente, passou a ser aberta a casais, até dar origem à igreja. “No início da comunidade de fé, éramos três ou quatro famílias, reunindo, em média, 15 a 17 pessoas em uma sala de hotel cedida. No mesmo espaço, aconteciam encontros de uma congregação norte-americana”, recorda-se Junqueira.

Foto: Arquivo pessoal
Segundo o ministro, a IBF realizou seus cultos em diferentes endereços ao longo dos anos e, no período da pandemia do coronavírus, fechou as portas e fez apenas reuniões on-line. Mais tarde, com a liberação dos ambientes físicos, a congregação conseguiu uma licença especial para alugar um espaço que abriga quase 500 pessoas sentadas. Além dos encontros semanais, que acontecem aos sábados, às 11h, a denominação conta com 27 células que se reúnem em Dubai, Abu Dhabi, Sharjah, Fujairah, Ras Al Khaimah, Ajman e Al Quwain. “A IBF é bastante diferente das igrejas do Brasil, porque, a cada ano, cerca de 70% do nosso público, formado por trabalhadores migrantes, muda. Então, a ministração precisa ser rápida, já que não sabemos até quando as pessoas ficarão”, explica o Pr. Leandro.
Outra comunidade cristã que prega o Evangelho nos Emirados Árabes Unidos é a Supernatural Dubai, liderada pelo Pr. Ivan Araújo Sousa, que mora há 20 anos naquela nação islâmica. De acordo com ele, além do discipulado e da pregação da Palavra em cultos aos sábados, às 10h30, a igreja oferece apoio emocional, financeiro (por meio de doações) e orientação aos membros sobre o que é permitido e o que é proibido em território muçulmano. “Muitas pessoas estão sozinhas no país. Então, a igreja ajuda, por exemplo, com cesta básica e alimentação, principalmente os que estão desempregados.”

Foto: Arquivo pessoal
Poder da oração – Mesmo diante da proibição do evangelismo na nação e das barreiras idiomáticas – o árabe é o idioma oficial –, cristãos brasileiros que vivem nos Emirados Árabes Unidos relatam experiências de oração transformadoras. É o que testemunha o casal de empresários Tiago da Silva Vieira, 40 anos, e Ivina Carla Abreu Vieira, 38, residentes nos EAU desde 2022 e líderes de uma célula da International Brazilian Fellowship (IBF) em Sharjah. Certo dia, eles foram surpreendidos por um acontecimento marcante e inesperado. Ivina orava sozinha em casa, sem saber que suas palavras estavam sendo ouvidas por um casal de indianos muçulmanos que, movido pela curiosidade, parou do lado de fora da porta para escutá-la, mesmo sem compreender o idioma. No dia seguinte, a mulher bateu à porta da brasileira e, com a ajuda de um tradutor virtual, expressou seu desejo de caminhar espiritualmente com eles. A partir daquele momento, surgiu uma amizade. “Oramos por eles em português, e eles oram por nós na língua deles. Assim, o Espírito Santo vai agindo”, conta Ivina, emocionada, acrescentando que a mulher “aprendeu até um louvor da Harpa Cristã”.

Foto: Arquivo pessoal
Na visão de Tiago, os laços criados com esses indianos mostram que evangelizar na região exige uma abordagem diferente. “Não é pela nossa sabedoria, é Deus quem nos conecta às pessoas”, afirma ele, lembrando que vivenciou uma situação inusitada, mas que revela que a ação divina não segue nossos padrões. O empresário relata que o dia no trabalho estava bastante difícil, quando um colega – paquistanês e muçulmano – usou o tradutor do celular para dizer: Não fique assim, você está nas mãos de Deus, e Ele cuida de cada detalhe da sua vida. Embora ambos não falassem a mesma língua, aquele rapaz percebeu o estado emocional de Tiago. “Deus usa quem quer, até os mais improváveis.”
Renovo espiritual – Convertida há 13 anos, a designer de interiores Carolina Mota, 39 anos, mudou-se para Dubai há um ano para acompanhar o filho, Felipe, 21, que é jogador de futebol pelo Al-Nasr Sports Club [que ocupava o sexto lugar na classificação da Liga Profissional dos Emirados Árabes Unidos no fechamento desta edição]. Segundo ela, ao chegar àquela nação, ficou impactada pela devoção religiosa dos muçulmanos – a frequência regular nas mesquitas e a quantidade de orações diárias. Carolina enxergou nessa realidade um convite à reflexão sobre sua vida
espiritual. “Estou mais próxima de Deus aqui, porque passei a me dedicar mais à fé, realizando devocionais diários e frequentando o grupo de oração”, relata a membro da International Brazilian Fellowship (IBF). “Não sentimos nenhum preconceito religioso nem temos dificuldade de professar a nossa fé.”

Foto: Arquivo pessoal
O futebol também foi a razão inicial para que a empresária Francineide Lima, 51 anos, desembarcasse em Dubai com a família. Ela só não esperava que o contrato do filho Glauber, hoje com 25 anos, com o clube Al-Nasr, em 2019, resultaria na criação de laços de fé tão fortes mesmo estando em território de maioria islâmica. Ela conta que, no início de sua estada, sentia-se incomodada espiritualmente por presenciar aqueles rituais do islã sem poder partilhar a sua fé. Essa sensação só terminou quando foi convidada para fazer parte de uma célula e, posteriormente, passou a frequentar os cultos da IBF. “Temos liberdade na nossa igreja de cultuar o nosso Deus, e oro para que os muçulmanos aceitem a única verdade: só há salvação em Jesus Cristo.”
O ex-jogador de futebol Denilson Martins Nascimento, 49 anos, conta ter chegado a Dubai em 1999, aos 23, um ano antes de sua conversão. Ele afirma que, no início de sua caminhada com Cristo, costumava participar de reuniões nas casas dos irmãos na fé, mas, há quatro anos, tornou-se membro da comunidade evangélica Supernatural Dubai. “Tive contato com vários brasileiros que chegam aqui com uma ideia do emirado, mas depois se deparam com a realidade”, declara o ex-atleta, acrescentando que muitos só abrem o coração ao enfrentarem dificuldades. “Compartilho a Palavra e a minha experiência com eles, deixando claro que morar fora do país, sem Deus, é muito mais complicado”, atesta Denilson, o qual anuncia o Evangelho principalmente entre aqueles que trabalham na área futebolística.

Foto: Divulgação
Aprendizado prático – Moradora do emirado desde 2015, a cantora Midian Almeida, 50 anos, frequenta a International Brazilian Fellowship (IBF) aos sábados e, aos domingos, a Fellowship Dubai, uma igreja norte-americana que tem cerca de cinco mil membros. Nessa comunidade, diz ela, os cultos são em inglês, com a presença de pessoas de diversas nações, fenômeno que não impede a verdadeira comunhão. “Aprendi a respeitar as diferenças. Percebi que o Reino é um só”, pontua a profissional de canto, sublinhando que a religiosidade não leva a nada. “Na verdade, só gera separação.”

Foto: Arquivo pessoal
O mesmo entendimento é compartilhado pela estudante Luana do Nascimento Dias, 37 anos, que vive há um ano em Dubai. Ela admite ter adquirido um novo olhar sobre a sua vida espiritual: tornou-se mais dependente de Deus e confiante na direção dEle, compreendendo que cada momento de comunhão com o Senhor deve ser desfrutado ao máximo. “Hoje, valorizo mais a liberdade religiosa que há no Brasil. Aqui, cada culto é precioso”, enfatiza Dias. Para a discente, caminhar com o Pai é priorizar o propósito, não o conforto ou a estabilidade. Por isso, aconselha quem tem o desejo (e o receio) de viver em um país muçulmano que, em primeiro lugar, respeite a cultura local. “Lembre-se de que o nosso Deus não está limitado por fronteiras ou restrições humanas. O Todo-Poderoso age no silêncio e nos encontros discretos. Onde quer que você esteja, seja luz!”, conclui.