Sociedade
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01/09/2022Dupla jornada
A rotina das mulheres que têm de conciliar o trabalho fora de casa e o cuidado com a família
Por Evandro Teixeira
O trabalho fora de casa foi uma novidade trazida pela Primeira Revolução Industrial, iniciada em 1760, na Inglaterra. Antes dela, os trabalhadores – homens ou mulheres – exerciam seus ofícios, em sua maioria, nas próprias residências ou no campo. Mas, com o surgimento das primeiras fábricas, até crianças passaram a ocupar postos de trabalho fora dos domicílios em troca de um salário fixo. A remuneração das mulheres e dos menores de idade era mais baixa que a dos homens, mas as jornadas eram igualmente extenuantes, estendendo-se por mais de 12 horas diárias. Os séculos passaram, e, hoje, as leis trabalhistas garantem salários mais dignos e limita o número de horas que o colaborador deve dedicar às atividades laborais. A legislação também equiparou as remunerações pagas a homens e mulheres. Na prática, entretanto, há ainda um longo caminho a ser trilhado. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Mercado feminino]
Contudo, apesar da melhoria das condições trabalhistas, permanece um problema existente desde que as primeiras operárias chegaram às tecelagens inglesas no século 18: a dupla jornada das mulheres. Em pleno século 21, dividir-se entre o trabalho e as tarefas domésticas – incluindo o cuidado dos filhos – ainda é bastante desafiador para elas. É o que demonstra, por exemplo, uma pesquisa realizada pelo portal de empregos InfoJobs, o qual entrevistou 1.627 mulheres. Dessas, 87% afirmaram que precisam conciliar atividades profissionais com o serviço doméstico, e, para 54% das entrevistadas, essa rotina impacta negativamente sua qualidade de vida. De acordo com Ana Paula Prado, CEO [diretora-executiva] do InfoJobs, a maternidade, que deveria ser algo positivo, acaba sendo uma sobrecarga para elas.
Um levantamento semelhante foi levado a efeito nos Estados Unidos pelo instituto de pesquisas Barna Group. Ao ouvir apenas trabalhadoras com filhos menores de 18 anos, descobriram que a maioria delas se declarou feliz por estar empregada. No entanto, revelaram sentir tristeza pela falta de tempo para se dedicarem a outras atividades fora do trabalho. Isso porque os momentos livres são consumidos pelas atividades domésticas e pelo cuidado com os filhos. A mesma sondagem mostrou que, para algumas mães cristãs, há outro problema: as demandas do lar e do emprego as impedem até de ir à igreja: 22% não frequentam uma comunidade de fé por falta de tempo. Entre os homens, esse percentual é bem menor (11%).
A auxiliar de serviços gerais Cecília Claudina da Silva Ferreira, 41 anos, conhece bem essa rotina extenuante. Todos os dias, quando finalmente chega à sua residência, após 8 horas de trabalho, não tem tempo para descansar. É hora de arrumar a casa e fazer o jantar para a família. Casada com o agricultor José Ferreira da Silva Filho, 49 anos, ela é mãe de dois adolescentes (Mateus, 16, e Gabriel, 10) e membro da sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Teresina (PI). Mas, apesar do cansaço, separa um tempo para conversar com os filhos e orientá-los, e ainda encontra um momento para se dedicar a atividades que lhe dão prazer, como a leitura da Bíblia e a confecção de peças em crochê. “Temos de encontrar equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal sempre priorizando a família”, observa.
Expressão dos sentimentos – Já a microempresária Alexia Mota Monteiro Rangel, 23 anos, proprietária de uma loja virtual de roupas infantis, trabalha em casa. Apesar disso, também não escapa da dupla jornada e sente-se sobrecarregada. “Às vezes, fico chateada por não conseguir dar mais atenção a outras coisas, como família, atividades físicas e estudos.”
Mãe do pequeno Arthur, de dois anos, ela destaca que se dividir entre o trabalho e os cuidados com o menino, ainda tão pequeno e dependente, não tem sido fácil. Por isso, este ano, matriculou-o em uma escola, a fim de reduzir essa sobrecarga. Membro e obreira da IIGD em Campos dos Goytacazes (RJ), ela defende a ideia de que a falta de tempo não deve comprometer a vida espiritual, e, por isso, busca estar presente nas reuniões da Igreja. Casada há cinco anos com o garçom Ygor Rangel da Silva, 25 anos, ela ressalta a importância de a mulher trabalhadora contar com a parceria do marido nas atividades domésticas. “A colaboração deles é extremamente necessária”, observa.
Para o psicólogo Maurício Brito, mulheres, em especial as que têm filhos pequenos, devem avaliar se essa dupla jornada está sendo favorável emocionalmente. Segundo o especialista, sempre serão importantes alguns ajustes, sobretudo quando a carga dobrada de atribuições causar sofrimento psicoemocional. “No lar, essas dificuldades podem ser superadas por meio de práticas que estimulem, entre outras coisas, o diálogo e a expressão dos sentimentos, a fim de que algumas mudanças aconteçam visando ao bem-estar dessas mulheres”, pontua.
Em sua opinião, para alcançar a desejada conciliação de atividades, o caminho será estabelecer prioridades, deixando de lado as atribuições que possam ser delegadas. “No caso das mães solteiras, essa organização poderá ser um pouco mais difícil, pois a situação exigirá dela bastante criatividade”, admite. Em qualquer caso, o especialista recomenda: “Administre seu tempo, foque no que lhe traz satisfação e evite pensar nas dificuldades”.
O pastor e psicólogo Ângelo Éder Amoras Collares vê a dupla jornada dessas mães como um grande desafio. Se, por um lado, elas conseguiram realizar o desejo legítimo da maternidade, por outro, veem-se obrigadas a trabalhar fora para compor o orçamento doméstico. No entanto, segundo Collares, não apenas a questão financeira é o principal motivador da presença feminina no mercado de trabalho: na atualidade, muitas buscam, além do dinheiro, realização profissional. “Embora algumas não saibam lidar com essa situação, o que pode lhes causar ansiedade e estresse, a gravidade do problema dependerá do suporte que elas tiverem em casa”, opina o profissional, membro da Igreja Batista Central de Macapá (AP).
Ângelo Collares entende que a divisão das tarefas nem sempre é algo simples de colocar em prática porque muitos homens têm uma visão equivocada sobre os afazeres do lar. Por isso, acredita que essas mudanças na rotina familiar devem ocorrer mediante um processo de aprendizagem. “Por amor à esposa e aos filhos, alguns homens aprenderam a cuidar das crianças e das responsabilidades associadas a elas. Realizar a distribuição das atividades entre o casal poderá evitar conflitos e desgastes no relacionamento.”
Porém, apesar de as mulheres se encontrarem inseridas há tanto tempo no mercado de trabalho, ainda existe a cultura de que elas devem ficar em casa e cuidar apenas das atividades domésticas. Líder da Igreja do
Evangelho Quadrangular no bairro Pantanal, em Nova Iguaçu (RJ), o Pr. Adilson Simões relatou à Graça/Show da Fé que teve a infelicidade de testemunhar um divórcio por esse motivo. O marido estava desempregado, e a esposa conseguiu uma oportunidade de começar a trabalhar. No entanto, o homem não aceitou aquela situação. “Para ele, somente o homem deveria trabalhar, cabendo à mulher apenas os afazeres domésticos, o que gerou o desgaste do casamento”, lamenta-se.
Manutenção da casa – A fim de evitar esse tipo de problema, a Pra. Eristélia Bernardo Martins, líder da Igreja da Graça no bairro de Santa Rita, em Governador
Valadares (MG), acredita que os pastores devem ensinar, de púlpito, todos os aspectos envolvidos no convívio familiar. Mesmo exaltando o trabalho desenvolvido pelo ministério Mulheres Que Vencem (MQV), onde são abordadas várias questões pertinentes ao universo feminino, a ministra afirma que os lares cristãos devem ser abastecidos de informações amparadas na Palavra de Deus, não apenas nas reuniões
de mulheres.
A líder pontua, por exemplo, que a própria Bíblia destaca a importância da colaboração do homem e até dos filhos nas tarefas domésticas, conforme o texto de Gálatas 6.2 (Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo). De acordo com a pastora, muitos maridos não observam esse princípio, e as mulheres que cumprem carga laboral fora de casa se sentem exaustas. “Para que essas trabalhadoras desenvolvam o equilíbrio emocional necessário, sobretudo quando marido e mulher trabalham fora, é preciso estar bem claro que todos são responsáveis pela manutenção da casa e pelo bem-estar
da família.”
No entanto, a sobrecarga feminina não é a única consequência da dupla jornada. Na visão do psicólogo Josenildo Cardoso Cavalcante, outro reflexo dessa responsabilidade duplicada é a falta de tempo das mães para dar atenção aos filhos. “Como psicólogo, tenho atendido um número maior de crianças com ansiedade e depressão. Em geral, são filhos de pais que trabalham fora”, alerta ele, que também é pastor e líder da Assembleia de Deus Ministério Missões em Curitiba (PR). Para Josenildo Cavalcante, a decisão de ter um emprego deve ser bem pensada pelas mulheres que têm filhos. “Nenhum ganho financeiro vale mais do que acompanhar o desenvolvimento deles.”
Cavalcante disse acreditar, entretanto, que, caso desejem ou precisem trabalhar fora, essas mulheres buscarão ser ainda mais dedicadas às suas atividades. “Mesmo enfrentando dificuldades, no final, elas conseguem dar conta de boa parte de suas atribuições”, avalia ele, indicando que, passados dois séculos e meio após o início da Revolução Industrial, as mulheres continuam a enfrentar, com garra e coragem, sua dupla jornada.
Mercado feminino
Embora as mulheres tenham ingressado no mercado de trabalho ainda no século 18, somente nas últimas décadas elas conseguiram – em alguns casos, é verdade – a equiparação salarial. Atualmente, a legislação brasileira prevê que elas tenham remuneração igual à dos homens quando exercem a mesma função que eles para um mesmo empregador.
No entanto, a igualdade salarial ainda é um alvo a ser alcançado: quando se compara à média geral dos salários pagos aos homens com a média da remuneração feminina, observa-se que elas ainda ganham menos. No Brasil, elas recebem 20% menos que os homens – nos demais países, em média, menos 16%.
Essa desigualdade em nosso país é observada quando se compara o valor pago pela hora trabalhada a profissionais do mesmo perfil de escolaridade, cor e idade e no mesmo setor de atividade e na mesma categoria de ocupação, porém em diferentes localidades e por empregadores diferentes. É o que mostra um levantamento da consultoria IDados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, divulgada este ano. A investigação da empresa mostrou também que os homens conseguem se inserir em ocupações que têm salários mais altos e em postos de trabalho formais. As mulheres, por sua vez, tendem a aceitar ocupar cargos oferecidos no mercado informal. (Élidi Miranda, com informações G1 e ONU)