Medicina e Saúde – 259
01/02/2021Sociedade
01/04/2021Outro olhar
Pastores e especialistas falam sobre visão equivocada das elites brasileiras a respeito dos evangélicos
Por Evandro Teixeira
A Igreja Evangélica brasileira não para de crescer. O fenômeno pode ser observado nos resultados dos últimos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mais recente levantamento do tipo, realizado em 2010 (o de 2020 não aconteceu devido à pandemia), mostrou que o número de cristãos desse segmento havia aumentado 61%, em dez anos. Na sondagem anterior, levada a efeito em 2000, cerca de 26,2 milhões se diziam evangélicos (15% da população). Em 2010, eram 42,3 milhões (22% dos brasileiros). Em 1991, o percentual de evangélicos era de 9% e, em 1980, de 6,6%.
Segundo o demógrafo José Eustáquio Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, o número de protestantes cresce à média de 0,8% ao ano, desde 2010. Assim, ele estima que, atualmente, os evangélicos representem 32% da população nacional. Avançando ainda mais no tempo, o demógrafo acredita que, em 2032, serão algo próximo dos 40%. E, se isso se confirmar, o rebanho evangélico terá ultrapassado, na ocasião, os 39% de católicos daqui a 11 anos.
Apesar da notável ascensão numérica, os crentes ainda são muito pouco compreendidos por alguns setores da sociedade, pontua o antropólogo Juliano Spyer, autor do livro Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam (editora Geração). A ideia de escrever a obra surgiu quando morava em um bairro pobre na periferia de Salvador (BA). Estava ali como pesquisador, colhendo material para sua tese de doutorado sobre uso de mídias sociais pelas classes baixas. No convívio diário com os moradores do lugar, fez amizade com algumas famílias evangélicas e chegou a frequentar seus cultos. Percebeu, então, o impacto das relações construídas dentro da igreja na vida de pessoas vulneráveis e sem acesso a direitos e serviços públicos.
Em entrevista ao portal de notícias Terra, o antropólogo declarou: O pentecostalismo traz disciplina e o entendimento de que você não precisa ser quem nasceu para ser, que pode ser o que quiser. Que pode estar no crime ou no crack, mas pode deixar de estar. E ele [o pentecostalismo] vai estender a mão para você, vai te ajudar a estudar. Então, talvez um efeito curioso do crescimento do cristianismo evangélico seja o fomento de uma nova classe média educada, de pessoas que transformem suas vidas a ponto de não se sentirem tão vulneráveis. Em outra entrevista, concedida ao portal Deutsche Welle Brasil (DWB), ele explicou a visão estereotipada, pouco esclarecida e arrogante, com a qual as elites nacionais ainda enxergam esse crescente segmento da sociedade: Veem ou como o evangélico do mal, o manipulador da fé que ganha dinheiro e se usa da ingenuidade popular; ou como o evangélico do bem, o coitadinho, que precisou se apegar a isso. Mesmo quando se tem uma visão benigna, é prepotente.
Transformação social – Essas visões equivocadas dos evangélicos – apontadas pelo antropólogo Juliano Spyer – sempre foram combatidas por especialistas (e crentes) como a cientista social Rosângela Paes Romanoel, da Assembleia de Deus Renovar Vidas, em Uberaba (MG). Segunda ela, as elites brasileiras têm sua formação ideológica baseada no progressismo [vertente político-filosófica a qual prega que o progresso se alcança por meio da ruptura de padrões sociais tradicionais]. Dessa forma, no entendimento desses grupos, a religião cristã – e seu apego a diretrizes que seus seguidores consideram eternas e inegociáveis – significaria atraso. “Por não abrir mão de princípios éticos e morais, os evangélicos sãos vistos por eles como fanáticos radicais.”
Paes Romanoel lembra que a falta de conhecimento de muita gente a respeito de quem são os evangélicos leva algumas pessoas a ter uma visão deturpada a respeito deles. Ela observa que esse não é o caso do antropólogo porque ele entendeu o papel da Igreja Cristã depois de conviver com uma comunidade de perfil cristocêntrico, que trabalhava em prol de uma sociedade mais justa.
O preconceito contra os evangélicos, frisa Romanoel, também é fomentado pelo comportamento ruim de alguns que se dizem cristãos e não vivem em conformidade com os preceitos bíblicos. Ela ressalta que muitos atribuem a todos os protestantes os maus feitos dessas pessoas e diz ser preciso dar bom testemunho para modificar essa imagem construída ao longo dos anos. “A melhor maneira de contribuir para mudar esse conceito equivocado é agindo de acordo com os princípios bíblicos nos espaços sociais onde estivermos inseridos”, sugere.
Pensamento semelhante ao de Rosângela Paes tem a cientista social Tânia Foster, de Rio Grande (RS). As pessoas, salienta ela, precisam, com urgência, despojar-se de seus preconceitos e tentar compreender o fenômeno do crescimento evangélico. Foster destaca que, no Brasil, foi registrado o maior aumento de seguidores do Evangelho em todo o mundo nos últimos 30 anos, fazendo com que se ampliasse a participação desse segmento em espaços institucionais, como nos poderes Legislativo e Executivo, entre outros setores. “Hoje, eles ocupam lugares na cultura, na política e na mídia, além de na vida de cada cidadão.”
Foster sublinha que o tipo de trabalho feito por Juliano Spyer se insere no contexto da Antropologia do Cristianismo. Tal campo não existia até meados da década de 1990, mas acabou se impondo por causa da elevação do número de cristãos. Esse tipo de abordagem acadêmica busca analisar o Evangelho como agente de transformação social. Tânia Foster acentua que a pregação se concretiza a partir da mudança de caráter e comportamento dos indivíduos resultante das ações evangelísticas.
Além do poder transformador do Evangelho, o Pr. Nilton Gomes de Abreu Junior, auxiliar na Igreja do Evangelho Quadrangular na Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), evidencia o fato de que os cristãos estão preenchendo lacunas deixadas pelo restante da sociedade e pelo poder público. Para exemplificar, Gomes cita as iniciativas cristãs voltadas à recuperação de dependentes de drogas. Enquanto as igrejas e outras organizações cristãs colecionam milhares – talvez milhões – de casos de sucesso nessa área, praticamente inexistem projetos estatais realmente efetivos nesse campo. “Por meio de ações evangelísticas, a Igreja consegue resgatar o dependente químico e recuperá-lo. Nenhuma instituição assiste mais a sociedade do que as comunidades cristãs.”
Contudo, o pregador reconhece que, nas igrejas, assim como em qualquer segmento religioso, existem aqueles que dão testemunho ruim. Geralmente, esses sujeitos são usados como estereótipos para retratar os protestantes, sobretudo em produções televisivas, sempre com uma conotação negativa. “A sociedade tende a julgar todos os evangélicos a partir desses maus exemplos. Ainda que eles sejam minoria, recebem destaque.” Para Nilton Gomes, essa seria uma forma de retaliar os valores cristãos que se opõem diametralmente à visão progressista das elites socioeconômicas, especialmente dos grupos que dominam as produções culturais.
O Pr. José Ernesto Spinola Conti, líder da Igreja Presbiteriana Água Viva em Vitória (ES), concorda que existe uma visão preconceituosa em boa parte da mídia, especialmente por classificar os crentes, de modo pejorativo, como “conservadores”. “Com a conversão, as pessoas tendem a exigir de si e das outras à sua volta uma postura mais afinada com os princípios bíblicos”, pontua, observando que, para as elites intelectuais, o cristão é taxado de “conservador”, termo repetido à exaustão pelos meios de comunicação. [Do editor: segundo o Dicionário Houaiss, o termo “conservador” define aquele que, em princípio, é contrário a mudanças ou adaptações de caráter moral, social, político e religioso; para alguns, sinônimo de retrógrado e, em alguns casos, até chamado de “reacionário” e “antiquado”. No entanto, o vocábulo está ligado, na verdade, à vertente político-filosófica a qual preza pela manutenção de valores, tradições e estruturas sociais que sempre existiram na história humana, como família e propriedade.]
Raízes socioeconômicas – Já o jornalista e pastor da Igreja Metodista em Ubá (MG) Billy Fádel Machado Rampinelli enfatiza que, em sua maioria, a comunidade cristã é formada de pessoas sérias e dedicadas à prática do amor e da misericórdia. Embora reconheça que há líderes e membros que não dão bons exemplos, ele defende a tese de que o preconceito contra os evangélicos vai além da mera questão religiosa ou filosófica: tem suas raízes em fatores socioeconômicos. “Existem cristãos que fazem parte da elite. Contra esses, não há discriminações.”
Visão semelhante tem o pastor e professor Claudio de Oliveira Ribeiro, da Igreja Metodista no Rio de Janeiro (RJ), para quem a questão socioeconômica tem um peso importante. “A ameaça à elite brasileira se configura quando os pobres começam a desfrutar de melhores condições de vida”, observa, acrescentando que, a partir dessa constatação, os grupos sociais mais influentes buscam meios para manter seus privilégios.
Entretanto, na opinião do Pr. Natalício Eugênio de Souza, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Vespasiano (MG), nenhum preconceito pode bloquear a grande força dos cristãos como elemento de transformação do país, ainda mais quando o crente em Jesus transmite um testemunho saudável. “Precisamos refletir e ter uma conduta justa e honesta sempre, não apenas na pregação da Palavra, mas também em atitudes significativas para todos os cidadãos”, destaca Souza, apontando que esse é o melhor caminho para mudar a visão distorcida e discriminatória que parte da sociedade ainda sustenta em relação aos evangélicos.
O pastor deixa claro, no entanto, que não será possível acabar totalmente com esse preconceito relativo aos cristãos, entretanto tais barreiras serão incapazes de impedir a ação dos crentes na sociedade como sal e luz neste mundo. “Apesar das opiniões contrárias, nós, os evangélicos, temos capacidade de contribuir para a construção de uma nação forte, justa e mais cristã pelo bom exemplo de uma vida ilibada.”