Igreja
02/02/2020
Carta do Pastor à ovelha – 248
01/03/2020
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Foto: Edward Cisneros / Unsplash

Valor cultural

Projeto pode beneficiar, pela Lei Rouanet, eventos promovidos por igrejas locais

Por Evandro Teixeira

A Lei de Incentivo à Cultura, criada em 1991 em homenagem ao então secretário da pasta Sérgio Paulo Rouanet (daí o apelido, “Lei Rouanet”), teve, desde o início, o objetivo de estimular produções culturais no Brasil com o apoio de empresas e pessoas físicas que podiam aplicar parte do Imposto de Renda no financiamento de projetos para diversos segmentos. [Leia o quadro A letra da lei]. Desde 2012, a música gospel e os eventos a ela relacionados também foram reconhecidos como expressão cultural e, por isso, tornaram-se passíveis de se beneficiarem dos mecanismos previstos na lei. A exceção eram as programações promovidas pelas igrejas.

A cientista social Tânia Foster: “Os evangélicos compõem o mais significativo fenômeno religioso brasileiro das últimas décadas, chamando atenção pela expansão, visibilidade e notoriedade pública” Foto: Arquivo pessoal

Porém, em 2015, foi proposto o Projeto de Lei 2.407, o qual passou a postular a inclusão de eventos eclesiásticos no escopo dos beneficiários da renúncia fiscal. Depois de uma longa tramitação na Casa, em dezembro de 2019, a proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em caráter conclusivo, e encaminhada ao Senado.

O texto aprovado na Câmara reconhece a música religiosa (não apenas gospel) como manifestação cultural e coloca os eventos atrelados a ela no espectro de abrangência da Lei Rouanet, incluindo aqueles levados a efeito pelas congregações. A proposta modifica o texto atual do Artigo 31-A da Lei de Incentivo à Cultura (ficam reconhecidos como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, exceto aqueles promovidos por igrejas), dando-lhe nova redação, caso o PL 2.407/2015 passe a valer: ficam reconhecidos como manifestação cultural a música religiosa e os eventos a ela relacionados.

Thiago Souza Oliveira Lima: “Juntos, políticas públicas, mercado e igreja podem gerar complicações. Temos de usar esses financiamentos sem distorções e desvios de propósitos”
Foto: Arquivo pessoal

O texto aprovado na Câmara estende o alcance da Lei Rouanet a diversos segmentos religiosos e amplia substancialmente o alcance da música gospel na sociedade, ao incluir os eventos promovidos pelas comunidades evangélicas locais. “Os evangélicos compõem o mais significativo fenômeno religioso brasileiro das últimas décadas, chamando atenção pela expansão, visibilidade e notoriedade pública”, analisa a cientista social Tânia Foster, assinalando que “essas decisões são uma forma de reafirmar o reconhecimento da contribuição e do aporte cultural que a religião presta à sociedade”.

De acordo com Foster, todas as mudanças que visam melhorar o acesso dos diversos grupos sociais aos produtos culturais e incentivar a educação e o desenvolvimento no país são soluções bem-vindas. No entanto, ela observa que é preciso haver cautela para que a igreja não se torne uma mera produtora de eventos, deixando de priorizar seu principal papel: a evangelização. “As pessoas precisam ir à casa de Deus em busca de crescimento espiritual. Por isso, deve-se ter cuidado para que a motivação delas de se aproximar do Senhor não seja apenas por força da mídia.”

O Pr. Paulo Cesar Sabino considera positiva a mudança na lei, mas ressalva que o mais importante é o crescimento do Reino de Deus, pois haverá uma visibilidade maior das canções evangélicas
Foto: Solmar Garcia

Questões espirituais – Coordenador estadual do departamento de arte, cultura e adoração da Igreja do Evangelho Quadrangular no Rio de Janeiro, Thiago Souza Oliveira Lima destaca que, nos templos de sua denominação, são feitos vários eventos artísticos com música. Ele acredita que, tendo novos recursos, projetos mais ousados poderão ser executados. Contudo, destaca que é preciso agir com prudência no uso desse dinheiro. “Juntos, políticas públicas, mercado e igreja podem gerar complicações. Temos de usar esses financiamentos sem distorções e desvios de propósitos.”

O Pr. Paulo Cesar Sabino, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Minas Gerais, considera positiva a mudança na lei.

Para ele, com esse incentivo, a Palavra de Deus poderá ser propagada com mais força ainda, aumentando assim o número de pessoas alcançadas pelo Evangelho. “Certamente, cantores, músicos e produtores poderão mostrar seus trabalhos”, opina Sabino, sempre ressalvando que o mais importante é o crescimento do Reino de Deus, pois haverá uma visibilidade maior das canções evangélicas e mais oportunidades para falar de Jesus por meio delas.

Projeto de Lei 2.407, proposto na Câmara em 2015, postula a inclusão de eventos eclesiásticos no escopo dos beneficiários da renúncia fiscal
Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

No entendimento do Pr. Miquéias Pereira Lima, ligado à área musical da Primeira Igreja Batista do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), há coerência na decisão da Câmara dos Deputados. Ele lembra que as expressões culturais ligadas ao segmento evangélico, cada vez mais presentes na sociedade, estão ganhando finalmente o reconhecimento público do Estado. Lima ressalta que a Igreja, em toda a sua história, sempre produziu cultura e continua sendo celeiro de muitos talentos. “Por isso, merecemos os mesmos benefícios concedidos a qualquer outra manifestação artística. Afinal, a religião também integra a cultura de um povo.”

O Pr. Miquéias Pereira Lima lembra que a Igreja, em toda a sua história, sempre produziu cultura e continua sendo celeiro de muitos talentos: “A religião também integra a cultura de um povo”
Foto: Arquivo pessoal

Papel missionário” – Já o produtor musical Rogério Vieira, gerente artístico da Graça Music, vê com cautela a possível aprovação do PL 2.407/2015 no Congresso Nacional. Em sua opinião, a música gospel não deve ser tomada apenas como elemento cultural, pois carrega a essência espiritual e a mensagem da salvação.

Para Vieira, falar desse tipo de investimento na música cristã significa compará-la a mero produto comercial. “A música evangélica foi feita para edificação do Corpo de Cristo e a adoração a Deus. Isso nada tem a ver com comércio.”

O produtor musical Rogério Vieira é taxativo: “A música evangélica foi feita para edificação do Corpo de Cristo e a adoração a Deus. Isso nada tem a ver com comércio”
Foto: Solmar Garcia

A princípio, contrário ao uso da Lei Rouanet para patrocínio de eventos gospel, Rogério Vieira acredita que, se uma comunidade cristã deseja promover uma festividade, deve arcar com os custos. Além disso, o produtor musical teme que falsos pastores usem recursos permitidos por lei em benefício próprio. “Esse escândalo pode recair sobre a Igreja como um todo, comprometendo a obra de Deus”, alerta.

Ponderação semelhante faz o Pr. Billy Fádel Machado Rampinelli, da Igreja Metodista em Ubá (MG). No entendimento dele, o reconhecimento cultural não justifica o financiamento do Estado para algo que deveria ser de graça. “O papel do cristão é missionário. Por isso, não podemos secularizar músicas que deveriam ser dedicadas única e exclusivamente a Deus nem promover a riqueza pessoal e a idolatria.” Na opinião de Rampinelli, igrejas e demais instituições evangélicas não podem deixar de lado, em momento algum, seu compromisso de evangelizar o mundo. “O Evangelho nunca dependeu do Estado para a promoção do Reino”, frisa.

Para o Pr. Billy Fádel, igrejas e demais instituições evangélicas não podem deixar de lado, em momento algum, seu compromisso de evangelizar o mundo
Foto: Arquivo pessoal

Independentemente de opiniões contrárias ou favoráveis, o novo texto da Lei Rouanet pode se tornar uma realidade em breve. Os que não concordam optarão por renunciar a seus benefícios. Os que a consideram positiva e pretendem lançar mão das prerrogativas ali previstas o farão. Porém, é recomendável que, em qualquer um dos casos, jamais se perca de vista aquilo que o apóstolo Paulo ordena em 1 Coríntios 10.31: […] fazei tudo para a glória de Deus.

A LETRA DA LEI

A Lei Rouanet (8.313/91) instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), que tem o objetivo de apoiar e direcionar recursos para investimentos em projetos culturais. Por meio do mecanismo de incentivos fiscais, o governo renuncia à parte dos impostos pagos pela iniciativa privada como forma de estimular o investimento desses valores na cultura.
Com as mudanças ocorridas em 2019, por meio de Instrução Normativa nº 2, a proposta de produção cultural deve ser enviada à Secretaria Especial da Cultura, agora ligada ao Ministério do Turismo, onde será avaliada. Se for aprovada, o titular do projeto poderá captar recursos junto a cidadãos e empresas.
Entre as mudanças apresentadas pela Instrução Normativa, consta a redução do teto do valor que os projetos poderão receber: de 60 milhões para um milhão de reais. O percentual mínimo de ingressos grátis aumentou para 20%, mas pode chegar a 40%, e 10% do total de entradas devem custar até 50 reais.
(Fonte: Secretaria Especial da Cultura)


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