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15/12/2024POR QUE O MAL EXISTE?
Pastor aborda um dos grandes dilemas da fé cristã: a presença da maldade
Por Marcelo Santos
O sofrimento é uma constante na história da humanidade. E, em meio às tragédias, surgem os questionamentos a respeito da atuação de Deus. Esse tema complexo desafia o entendimento humano e, não raro, abala a fé das pessoas. O Pr. Fabrício Costa, 57 anos, líder da Igreja Batista Remissão em Caieiras (SP), une a teologia cristã a questões emocionais para estudar esse assunto. “A pergunta de ‘por que o mal existe’ está no centro da Teodiceia, que é a defesa da bondade do Criador diante da existência da maldade.” Na visão do pastor, a compreensão dessas indagações está profundamente firmada na Bíblia, que oferece não apenas respostas teológicas, mas também orientações práticas para o cotidiano.
Casado com Kátia, 56, e pai de dois adolescentes, Breno, 16, e Ana Clara, 18, Fabrício tem uma trajetória pessoal e profissional marcada pelo ensino e cuidado espiritual. Além de exercer as funções pastorais, ele é escritor, palestrante e fundador do projeto Examine-se, que oferece apoio cristão às pessoas para lidarem com as emoções de maneira equilibrada e saudável.
Nesta entrevista à Graça/Show da Fé, ele destaca o papel do mal e do sofrimento, abordando também como os cristãos podem enfrentar as tragédias e os desafios emocionais da vida moderna.
Por que o mal existe se Deus é bom?
Essa pergunta milenar desafia crentes, teólogos e filósofos. A bondade de Deus é inegável, conforme revela Gênesis 1: tudo criado por Ele é bom. O mal, por outro lado, não foi produzido como uma substância em si; ele é a ausência do bem, da mesma forma que a escuridão é a falta de luz. No jardim do Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal indicava a possibilidade do mal, mas a realidade dele só foi manifestada com a desobediência de Adão e Eva. A partir de então, o pecado entrou no mundo, e, com ele, o mal moral e físico, que afetou toda a criação. O texto de Isaías 45.7 (Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas essas coisas), no qual Deus afirma que “cria o mal”, deve ser entendido no contexto original. A palavra hebraica usada para mal é rá, que, em muitos casos, significa calamidade ou desastre, e não o mal moral. Então, Deus não o criou, mas é soberano sobre as calamidades e as usa como forma de juízo, disciplina e até redenção.
Como compreender o sofrimento à luz da fé cristã?
Esse é um dos grandes mistérios da vida cristã. Ele pode ser o resultado direto de escolhas erradas, como quando há decisões egoístas ou má administração financeira. O Todo-Poderoso pode permitir o sofrimento como um meio de nos purificar e nos moldar à imagem de Cristo. Em Hebreus 12, lemos como o Senhor disciplina aqueles que Ele ama, e a palavra disciplina aqui tem a conotação de treinamento, como um pai que ensina o filho a partir de correções amorosas. O sofrimento pode nos levar a uma maior dependência de Deus. Por exemplo, Paulo, em 2 Coríntios 12, revela o “espinho na carne” que o Altíssimo permitiu em sua vida para que ele não se ensoberbecesse. Uma lição significativa desse episódio é: em algumas ocasiões, o sofrimento serve como um meio pelo qual o Senhor nos mantém na humildade e na dependência da graça dEle.
Qual é a diferença entre o mal permitido por Deus e aquele causado pela escolha humana?
O propósito. O mal mencionado em Isaías refere-se a calamidades que Deus deixa que ocorram como uma forma de julgamento ou correção. Na teologia cristã, o Altíssimo permite o mal e o sofrimento para cumprir Seus propósitos maiores, ainda que eles estejam além da compreensão imediata. Já o mal gerado pelas escolhas equivocadas, como egoísmo ou ganância, é decorrente do livre-arbítrio. O Senhor nos deu a liberdade de escolher, e, com ela, estão as consequências dos nossos atos. Isso fica claro em situações como conflitos familiares ou sociais. Uma palavra mal colocada ou uma ação impensada são capazes de causar sofrimento. Esse mal é o fruto das decisões, mas pode ser evitado com sabedoria e autocontrole.
Deus é solidário ao sofrimento humano?
Um dos grandes confortos da fé cristã é saber que o Senhor não é indiferente ao nosso sofrimento. Jesus, ao encarnar e viver como homem, experimentou, em primeira mão, as dores, as tentações e as angústias que enfrentamos. Ele chorou diante da morte de Lázaro (Jo 11.33-35), sentiu a angústia no Getsêmani (Mt 26.36-38) e sofreu na cruz (Jo 19.17-30). Isso mostra que o Senhor vê a aflição e ainda caminha conosco nesse processo. A visão de um Deus empático, que compartilha nossas dores, é central para a teologia cristã. Ele usa essas experiências para: moldar-nos, aproximar-nos dEle e fortalecer-nos espiritualmente. Mesmo quando permite o mal, Ele o faz com um propósito redentor.
Qual é a posição de Deus em tragédias, como a Segunda Guerra Mundial ou a pandemia de covid-19?
Tratar de tragédias globais à luz da teologia pode ser delicado. Esses acontecimentos são, em grande parte, resultados do pecado e da maldade humana. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foi alimentada por ideologias de ódio, racismo e o desejo de poder desmedido, sendo manifestações da corrupção do coração humano. Deus não é o autor dessas situações, mas Ele as permite dentro de Seu plano soberano para o mundo. Durante a pandemia de covid-19, vimos tanto o pior quanto o melhor da humanidade. A solidariedade, o cuidado com o próximo e o apoio mútuo floresceram em muitos lugares, ao mesmo tempo em que o egoísmo e a negligência também se manifestaram. Ele pode usar essas situações para nos ensinar a importância do amor ao próximo, da empatia e da humildade diante de nossa fragilidade.
Como a teologia explica as catástrofes ambientais?
Elas são o reflexo da má administração da criação de Deus. A Bíblia ensina que devemos ser mordomos da Terra, cuidando dela de modo responsável. No entanto, o pecado e a ganância, muitas vezes, fazem as pessoas explorarem os recursos naturais de maneira desmedida e irresponsável, provocando os desastres ecológicos. A destruição de florestas, o derramamento de petróleo e a poluição dos rios são exemplos claros de que a ação humana tem consequências devastadoras para o meio ambiente. Esses eventos não são a vontade de Deus, mas o retrato do uso inadequado do livre-arbítrio. Entretanto, Deus continua presente, e Seu desejo é que cuidemos da Sua criação conforme ordenou em Gênesis 2.15, quando o homem foi colocado no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo.
Fabrício Costa
Pastor, escritor e palestrante