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Por Lilia Barros*
Existem muitas frases populares que são atribuídas às Escrituras Sagradas com bastante frequência, mas, na realidade, não estão registradas no Livro Santo. Uma delas é: “Deus tarda, mas não falha”. Teólogos e pastores são unânimes ao dizer que o Senhor nunca tarda em Seu tempo. O apóstolo Pedro, por exemplo, afirma que o Todo-Poderoso é paciente, não lento (2 Pe 3.9). Entretanto, o ditado insinua que o Criador seria capaz de Se atrasar, algo impossível por conta de três atributos divinos (onisciência, onipresença e onipotência) e pelo fato de Seu tempo ser diferente do nosso e a Sua sabedoria e Seus propósitos serem perfeitos.
Outra máxima bem comum é: “Deus perdoa os pecados e joga-os no mar do esquecimento”. O termo “mar do esquecimento” é utilizado para exaltar a misericórdia e a benevolência do Altíssimo. Há quem diga tratar-se de uma interpretação livre da parte final do versículo: […] lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar (Mq 7.19) ou, talvez, uma referência a: Eu, eu mesmo, sou o que apaga as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados me não lembro (Is 43.25).

Foto: Reprodução / Facebook do Pr. Isaías Lima – modificada por IA
Esses e outros provérbios, repetidos à exaustão, são equivocadamente apontados como ensinamentos das Escrituras e acabam gerando confusão entre aqueles que desconhecem os preceitos cristãos porque dão a impressão de serem verdadeiros.
O Pr. Isaías Lima, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Fortaleza (CE), aconselha: “É preciso ter atenção, pois essas expressões, muitas vezes, distorcem o que está na Palavra”. O ministro acrescenta que, para evitar enganos, é essencial examinar cuidadosamente a Escritura e buscar a sabedoria do Alto.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Ele demonstra o que escreveu o apóstolo João sobre o tema: Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, que estão escritas neste livro (Ap 22.18,19). Com base nesses dois versículos, Lima assegura que atribuir origem bíblica a frases que não condizem com o Texto Sagrado é um erro grave. “Pode levar muitos a cometerem equívocos teológicos e até a se posicionarem contra a Verdade”, adverte.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Falta de conhecimento – Na opinião do Pr. Valdeci Medeiros, da Igreja da Graça no bairro Hospitalidade, na cidade de Santana (AP), à medida que esses ditados são propagados, as pessoas podem tomá-los como verdadeiros. “São declarações utilizadas por indivíduos descuidados. Estas, estando enraizadas, assumem falsamente a forma de algo autêntico e confundem a fé das pessoas”. Diante disso, Medeiros recomenda que o cristão siga o conselho bíblico: Bem-aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem, e tudo quanto fizer prosperará (Sl 1.1-3). “Assim, evitamos dar crédito a mentiras ou falsos ensinos”, destaca. O pregador complementa que, embora alguns ditados carreguem certo traço religioso, são mais voltados para autoajuda, a exemplo de “Deus ajuda quem cedo madruga”. “É verdade que o Criador ajuda os esforçados (Sl 89.19), mas é necessário ainda o agir do Senhor para ser abençoado (Sl 127.2).”

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
Por sua vez, o pastor e teólogo Elmir Dell’Antonio, diretor do Ministério Issacar em Vitória (ES), chama atenção para a realidade de o povo brasileiro, em sua maioria, ler pouco – inclusive os cristãos. “Devido a isso, muitos não têm conhecimento bíblico. O que explicaria por que tantos trocadilhos e ditos populares, em grande parte verdadeiras heresias, são tratados como escritos canônicos”. Dell’Antonio cita, por exemplo, a famosa máxima: “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”, argumentando que “o que as Escrituras ensinam é: Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes (1 Co 15.33).”

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
De acordo com a teóloga Juliana de Souza Paula Chiori, da IIGD em São Sebastião, na capital federal, Brasília (DF), os ditos populares, mesmo culturalmente difundidos, podem afastar os fiéis da verdadeira mensagem bíblica. “Ditados não operam milagres, mas a Palavra de Deus, sim. E, apesar de parecerem inofensivos, eles distanciam as pessoas das bênçãos que vêm por meio do conhecimento bíblico inspirado pelo Senhor”, analisa a estudiosa, salientando o que diz o profeta Oseias: O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento (Os 4.6a).
Chiori reconhece que essas frases populares, ao mesmo tempo que expressam aspectos da cultura, oferecem um risco potencial de se tornarem barreiras espirituais. “São distorções que usam a figura divina, mas não refletem as verdades registradas nas Escrituras Sagradas”. A especialista ressalta um dos ditados mais conhecidos do país: “A voz do povo é a voz de Deus”. Segundo ela, a frase contraria a premissa básica de que o Senhor é perfeito, assim como a Sua Palavra. “O profeta Jeremias escreveu: Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo (Jr 7.23). É preciso ter discernimento e conhecimento bíblico para não substituir a Verdade revelada pelas tradições humanas,” finaliza.

Mensagens distorcidas – Já a Pra.Márcia Peixoto, uma das líderes da Belém Church em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), lembra que os ditados populares são como “pílulas de sabedoria”, transmitidas de geração em geração, que refletem a cultura e o modo de pensar de um povo em determinado tempo e determinada circunstância. Segundo ela, o problema está em algumas dessas expressões originadas de ensinamentos bíblicos, os quais, muitas vezes, são simplificados, deturpados ou retirados do seu contexto original, “podendo desencadear interpretações errôneas da Palavra de Deus”. Para a ministra, ainda que tais frases transmitam conceitos morais ou espirituais, elas não devem ser utilizadas em pregações como se fossem preceitos bíblicos. “Mantenhamos a fidelidade ao texto e ao contexto bíblico, evitando confundir os ouvintes”, aconselha.
Com o mesmo pensamento, o Pr. Luciano Estevam, da Primeira Igreja Batista de Aracruz (ES), declara outra expressão bastante repetida pela sociedade: “Não cai uma folha da árvore sem a permissão de Deus”. Ele esclarece que essa frase está no Corão, o livro sagrado do islamismo. “É importante saber a origem das expressões que usamos”, assinala o líder, frisando outro adágio muito proferido: “Os anjos acampam-se ao redor dos que creem”. O ministro batista adverte que o uso de anjos, e não anjo, e a falta do complemento do Senhor distorce a expressão bíblica. “No versículo, está anjo do Senhor no singular. A Escritura se refere à presença do próprio Cristo no Antigo Testamento, e o termo Senhor aponta para o Nome de Deus.” Luciano ainda explica que esse ditado está errado ao sugerir que anjos (no plural) têm autoridade própria, quando, na verdade, o poder provém do Onipotente.

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
O pregador ressalta que, nesses casos, a distorção de sentido da Palavra é uma situação recorrente. Ele cita também a expressão “O dinheiro é a raiz de todos os males” – umaversão deturpada do que Paulo escreve a Timóteo: Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores (1 Tm 6.10). Nessa ocasião, indica o líder, omitir do e amor altera totalmente o sentido do texto. “O dinheiro em si não é condenado. A Escritura adverte quanto à cobiça e ao apego excessivo aos bens materiais, que podem levar o indivíduo a se desviar da fé e sofrer as consequências”, conclui Estevam, ratificando que muitos dos ditados populares distorcem a doutrina cristã, confundindo tradição humana com revelação divina e comprometendo a compreensão correta da Palavra e a fidelidade ao Texto Sagrado, que deve estar sempre acima da sabedoria popular.
DESCONECTADOS DAS ESCRITURAS SAGRADAS

Embora comumente repetidos até mesmo no meio evangélico, diversos ditados e “expressões de fé” não têm base bíblica. Seguem alguns deles:
“O cair é do homem, mas o levantar é de Deus” – A frase é, no geral, associada ao texto do Salmo 145.14: O SENHOR sustenta a todos os que caem e levanta a todos os abatidos. No entanto, o levantar de Deus depende do arrependimento, conforme ensina a Palavra.
“Quem não vem pelo amor vem pela dor” – Deus não atrai o ser humano pela dor, mas pelo amor – sem o qual não haveria perdão. Não existe conversão pela dor, o que existe é o arrependimento, que pode ocorrer durante um momento difícil da vida.
“Mente vazia é oficina do diabo”– A Bíblia, efetivamente, adverte contra a preguiça, como se lê em Provérbios 18.9 (Também o negligente na sua obra é irmão do desperdiçador); 2 Tessalonicenses 3.10-12 (Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também não coma. Pois, de fato, estamos informados de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão) e Provérbios 6.6-11 (Vai ter com a formiga, ó preguiçoso; olha para os seus caminhos e sê sábio. A qual, não tendo superior, nem oficial, nem dominador, prepara no verão o seu pão; na sega ajunta o seu mantimento. Ó preguiçoso, até quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono? Um pouco de sono, um pouco tosquenejando, um pouco encruzando as mãos, para estar deitado, assim te sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade, como um homem armado). Para que fique claro: não existem as expressões “mente vazia” ou “oficina do diabo” na Bíblia.
“O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada” – Essa oração apenas se assemelha com algumas passagens bíblicas. Uma delas é Provérbios 15.16 (Melhor é o pouco com o temor do SENHOR do que um grande tesouro onde há inquietação).
“Quem com ferro fere com ferro será ferido” – A expressão parece ter se originado em um princípio de justiça registrado em Mateus 26.52 (Então, Jesus disse-lhe: Mete no seu lugar a tua espada, porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão). A ideia de que violência gera violência é uma lição explicitada por várias passagens bíblicas. No entanto, o ditado analisado não é uma citação literal da Escritura.
(Lilia Barros com informações dos entrevistados desta reportagem e do site Bibliaon.com).