
FÉ FRUTÍFERA
13/10/2025
Por Marcelo Santos
Sirene ligada. Um disparo seco rasgando a madrugada. O ronco grave de um helicóptero sobrevoando o céu cinzento. Um deslizamento em uma encosta. O clique rápido de uma câmera no instante em que, em segundos, o cenário é transformado. Para a maioria das pessoas, são indícios de alerta, prenúncios de tragédia, mas, para alguns profissionais, é mais um dia de trabalho. São homens e mulheres que estão acostumados a enfrentar riscos em seu dia a dia. No entanto, entre eles, há aqueles que não confiam apenas em suas habilidades e nos aprendizados adquiridos em salas de aula e treinamentos: antes de desempenharem suas funções, eles dobram os joelhos e pedem sabedoria e proteção divina.

Foto: Arquivo pessoal
Um deles é Roberto Cunha Sanches, 50 anos, tenente do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), grupo de elite da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Ele carrega no corpo – e na memória – as marcas de quase 30 anos de profissão. Em 2023, durante uma operação realizada na comunidade Vila Cruzeiro, na Penha, bairro da zona norte do Rio de Janeiro (RJ), ele viveu o dia mais crítico de sua carreira. Pouco depois das 5h, a mata que separa a Vila Cruzeiro do Complexo do Alemão, conjunto de favelas daquela região, tornou-se um cenário de guerra. “Senhor, até aqui foi na força dos meus braços, agora peço que me conduza”, clamou Roberto, momentos antes de ser atingido no peito por um tiro de fuzil. Barricadas erguidas por traficantes bloqueavam o avanço do blindado da PM. Caído, Sanches sabia que o socorro poderia demorar mais do que seu corpo aguentaria. “Os minutos pareciam horas. Cada segundo era uma luta contra o desespero e a perda de consciência”, descreve o tenente, membro da Assembleia de Deus – Ministério Fogo no Altar, em Bangu, zona oeste carioca. Enquanto os colegas tentavam encontrar uma brecha no cerco, ele orava. “Pensei que morreria naquele lugar. Mas, de repente, uma voz interior me disse: ‘Você será promovido por bravura’. E aquilo me deu forças”, relata o policial militar. O resgate chegou 40 minutos depois e o levou ao hospital.


Foto: Arquivo pessoal
Um ano depois, Roberto Sanches foi promovido por bravura, algo que, segundo ele, não foi por coincidência, mas, sim, por propósito divino. “Desde 1993, quando eu era aluno do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais (CBMMG), já existia uma promessa de Deus sobre minha vida: ser oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”, lembra-se o tenente, enfatizando que a experiência vivenciada na Penha foi marcante, mas não surpreendente. “No BOPE, o risco faz parte da farda”, esclarece Sanches, que recebe suporte emocional e psicomotor do batalhão, reforçando, assim, os princípios éticos e morais militares. “Esse apoio fortalece o corpo e o espírito.”
Sanches também afirma que os pernoites no batalhão ganham outro significado quando o rancho – local onde os policiais fazem as refeições –, transforma-se em um pequeno templo de adoração a Deus. “Mesmo com o tempo corrido, fazemos questão de orar, louvar ao Senhor e ouvir a Palavra. Sabemos que cada saída pode ser a última”, observa ele, citando duas passagens bíblicas que guarda no coração: Jeremias 9.23a, 24a (Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força […] glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor) e João 19.11a (Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado). “Na hora da decisão, a fé faz toda a diferença. Não é só o colete que protege.”

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
O fotojornalista Paulo Roberto Santos Araújo, 63 anos, que acumula décadas de experiência na cobertura policial, política e social, sabe exatamente o que é depender da fé em Cristo. “Enquanto todo mundo foge, nós corremos para o perigo, mas sempre debaixo de oração”, afirma o profissional, que, por incontáveis vezes, acompanhou incursões policiais em comunidades cariocas. Segundo Araújo, o episódio mais marcante aconteceu no Morro São José, em Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Durante uma perseguição policial, ele tentava fotografar uma cruz de pedra no alto da favela, aproveitando a presença de policias militares ao fundo para compor a cena. “Comecei a subir nas pedras quando ouvi: ‘Filhinho, volte’. Ignorei o aviso. Mas a voz repetiu a mesma frase. Na terceira vez, gritou: ‘Filhinho, já não mandei você voltar?’. Na delegacia, o fotógrafo soube que um dos bandidos mais perigosos da época estava escondido exatamente atrás da pedra, armado com uma metralhadora. “Ele achou que minha lente era uma arma. Estava pronto para atirar. E, novamente, Deus me livrou”, relata Paulo, que é evangelista da Igreja Batista em Renovação Espiritual Nova Peniel, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).

Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA
O profissional narra outro momento dramático de sua carreira. Na Rocinha, em São Conrado, na zona sul carioca, mesmo cumprindo todos os protocolos de aproximação da comunidade – farol do carro piscando, janelas abertas e logotipo do jornal à mostra –, Paulo foi abordado por um traficante. “Ele mandou que eu abrisse a boca e enfiou o cano da pistola. Fiquei na ponta dos pés, suplicando a Deus para que o disparo não acontecesse nem meus dentes se quebrassem”, conta. De acordo com o fotógrafo, ficou claro que aquele homem estava transtornado. “Ele repetia, sem parar, ‘você vai morrer’. Naquele instante, outro traficante interveio: ‘Você está maluco, rapaz? Já falei para não cheirar durante o plantão!’ E me liberou. Foi Deus quem me salvou”, descreve Araújo. Outra situação inusitada aconteceu durante a apuração de uma matéria no Jacarezinho, favela situada na zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Paulo estava ao lado do repórter do jornal, quando foi convidado para um churrasco. No entanto, o “clima” mudou rapidamente. “Ao perceber que estávamos cercados, falei: ‘Vamos sair daqui agora’. Corremos, caímos no caminho, atravessamos vielas e passamos por vários barracos. Era orar e correr”, relata. Hoje, aposentado, ele ministra aulas de fotografia e de produção de conteúdo digital para jovens da Baixada Fluminense.
Dependência divina – Na aviação, os perigos são outros, mas igualmente letais. O técnico em aviônica Marcos Eduardo Barreto Ferreira, 63 anos, deu seus primeiros passos profissionais na Marinha do Brasil. Depois, migrou para a aviação civil. Porém, mesmo com décadas de experiência, o cuidado nunca diminuiu. “Trabalhar com helicópteros é seguro, mas os riscos são reais. Recentemente, durante uma inspeção, acabei me queimando em uma turbina”, conta o membro da Igreja Novos Começos, na Praia do Siqueira, em Cabo Frio (RJ), Região dos Lagos. De acordo com Ferreira, é necessário estar bastante atento às pás giratórias, aos produtos químicos e ao trabalho em altura, para evitar acidentes. “Tenho de usar capacete, luvas, cintos e protetores auriculares. No entanto, mais do que isso, preciso estar espiritualmente preparado”, observa. Marcos, relata que, antes de cada voo, segue a mesma rotina: faz o checklist dos instrumentos e dedica tempo ao Senhor. “Orar é tão importante quanto revisar o helicóptero. Entrego meu dia a Deus. Um segundo de distração pode ser fatal”, testemunha. [Do editor: aviônica é a eletrônica da aviação; refere-se a todos os sistemas eletrônicos a bordo de uma aeronave: comunicação, navegação, exibição e controle de voo]

Foto: Marcelo Santos
Com mais de 20 anos de atuação no Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro (CBMERJ), a sargento Janaina Faria Soares, 52 anos, sabe que o perigo é constante. “Cada saída é uma missão arriscada. A qualquer momento, podemos lidar com a morte”, diz ela, que congrega na mesma igreja do técnico Marcos Ferreira. “Já passamos por tragédias, como a de Nova Friburgo (RJ), na Região Serrana, em 2011, a maior catástrofe climática da América Latina. Foi assustador porque víamos tudo desmoronando ao nosso redor”, recorda-se Janaina, ressaltando que encontra, na fé em Cristo, a força necessária para desempenhar sua função. “Entro na viatura como se vestisse uma armadura. Naquele momento, parece que o Senhor está escudando a gente.” Ela frisa que, sem a graça de Deus, não seria possível suportar a pressão e a carga emocional que acompanham o seu trabalho. “Muitas vezes, somos chamados para dar notícias de falecimento. Como dizer a uma mãe que o filho dela faleceu em um acidente?”, pondera.
Com 25 anos de serviço, três na Aeronáutica, um na segurança privada e 22 anos na Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), Paulo Amâncio da Silva Filho, 49 anos, que atua hoje como capelão, tem a missão de cuidar da alma de quem está na linha de frente da segurança pública. “Aconselho e oriento, levando uma palavra de fé, esperança e renovação. Lembro a eles que o chamado para essa profissão, seja no âmbito estatal, seja privado, é um sacerdócio”, explica o oficial, revelando que já foi chamado para aconselhar profissionais que tinham pensamentos suicidas. De acordo com Paulo, nessas situações extremamente graves, a graça de Deus se faz presente e transforma quadros de sofrimento em novas oportunidades de vida. “Não por mérito nosso, mas pela misericórdia do Senhor”, garante.

Foto: Marcelo Santos
Durante essa dura trajetória, Amâncio encontrou amparo espiritual em ministérios, como PMs de Cristo e Soldados de Cristo. “São irmãos que promovem devocionais, orações antes do serviço e cultos dirigidos a profissionais da segurança pública. Esses encontros nos fortalecem”, celebra o capelão, citando o texto de João 10.10, que, para ele, é um norte: O ladrão não vem senão a roubar, a matar e a destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância. “Nosso papel é proteger a vida. Às vezes, mais que armamento, é preciso ter fé”, ressalta ele, que é pastor na Igreja Cristã Universal, na Vila Matilde, zona leste de São Paulo (SP).
Em mais de três décadas de ministério, o Pr. Luís Galhardo, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo (SP), conta que já atendeu muitos profissionais emocionalmente exaustos. “São pessoas que vêm ao meu gabinete e desabafam: ‘Pastor, estou no limite’. Nesses casos, a intercessão e o aconselhamento são caminhos de cura e restauração. O medo paralisa, adoece e cega. Sempre ensino: antes de tudo, é preciso vigiar e orar. Essa é a blindagem espiritual que nenhum colete oferece”, instrui o ministro, que é categórico ao afirmar que, se o medo supera a fé, é válido repensar a vocação. “Trabalhar sob o domínio do medo abre espaço para o desgaste emocional e afeta a saúde, a vida espiritual e a família.” Galhardo aproveita a oportunidade para deixar um conselho: “Quem entrega seus medos a Deus caminha sob proteção. Os perigos podem ser reais, mas o Todo-Poderoso está sempre presente. E, com o Senhor ao lado, o impossível se torna possível”, conclui.