FÉ FRUTÍFERA
13/10/2025
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13/10/2025
Foto: DC Studio / Adobe Stock

Fé sob vigilância

Novas medidas impostas por Pequim impactam a obra missionária, dificultando ainda mais a evangelização na China

Por Lilia Barros

O governo chinês ampliou as restrições à prática da fé cristã. Desde maio de 2025, o regulamento Regras para a implementação das disposições sobre a administração de atividades religiosas de estrangeiros na República Popular da China impõe novas barreiras à atuação missionária e prevê punições em caso de descumprimento. Até então, missionários estrangeiros desfrutavam de relativa liberdade para evangelizar e participar de cultos públicos – uma permissão não estendida aos cristãos locais. No entanto, com as atuais medidas do regime de Pequim, aumentou de 22 para 38 as disposições regulatórias. Com a nova configuração, estrangeiros estão proibidos de fundar organizações religiosas, evangelizar cidadãos chineses, pregar sem autorização, abrir escolas confessionais, produzir ou vender livros religiosos e receber doações.

O secretário-geral da Missão Portas Abertas Brasil, Marco Cruz, afirma que o monitoramento digital é uma realidade na China
Foto: Divulgação / Missão Portas Abertas – modificada por IA

Segundo o secretário-geral da Missão Portas Abertas Brasil, Marco Cruz, as regras impostas pelo governo, controlado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), impedirão a entrada de missionários de outras nacionalidades e aumentarão a vigilância sobre os crentes em Jesus. “Vivi na China enquanto atuava em um trabalho secular e fui vítima dessa perseguição”, testemunha Cruz, acrescentando que o monitoramento digital, por câmeras ou pela internet, é uma realidade no país asiático. Ele lembra que, ao tentar navegar em um site cristão, recebeu um alerta no computador de acesso não permitido. “Se eu tentasse visitar a página novamente, estaria sujeito às sanções e aos rigores da lei.”

O jurista e escritor William Douglas observa que o regime de Pequim alega segurança nacional, ordem pública e soberania cultural ou ideológica para impor de maneira legal as limitações religiosas
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Questionado sobre a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) na proteção à liberdade religiosa, o secretário esclarece que a China, assim como qualquer outra nação, possui autonomia para definir sua forma de governo, estabelecer as regras de entrada e saída de estrangeiros e determinar as atividades exercidas por eles, desde que tudo esteja amparado pela lei. “Não existe órgão internacional que possa intervir. Então, as Nações Unidas, ou outro organismo internacional, só podem interferir quando há algum desrespeito aos direitos humanos.” Cruz acrescenta que a China ocupa o 15º lugar entre as 50 nações mais perigosas para os cristãos, segundo a Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2025 de Portas Abertas.

O teólogo Wagner Escatamburgo avalia: “As pressões que o governo [da China] exerce sobre o trabalho de missões pioraram e, por isso, ficará mais difícil enviar missionários e recursos para aquele território”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Nesse cenário, o jurista e escritor William Douglas, desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), explica que, na teoria, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) garante a proteção de missionários estrangeiros e a liberdade religiosa deles – inclusive em nações fechadas ao Evangelho –, com base nos princípios universais. “Mas isso é simbólico e depende da adesão prática dos países”, enfatiza Douglas, acrescentando que a DUDH, aprovada pela ONU em 1948, é um documento de princípios e não possui força vinculante direta. “Ela orienta o direito internacional e os tratados posteriores, porém não é um tratado em si. Portanto, não obriga, automaticamente, os Estados a aceitarem missionários ou garantirem total liberdade religiosa”, afirma. O desembargador esclarece que o governo chinês, mesmo sendo membro da ONU, consegue restringir fortemente ou criminalizar atividades evangelísticas estrangeiras. De acordo com ele, onde há regimes autoritários, os missionários oriundos de outras nações não estão protegidos de fato, apesar do respaldo teórico dos direitos humanos. “Eles podem ser vigiados, detidos, expulsos ou até criminalizados, mesmo que sejam pacíficos”, observa William Douglas, destacando que o regime de Pequim alega segurança nacional, ordem pública e soberania cultural ou ideológica para impor de maneira legal as limitações religiosas.

O Pr. David de Abreu Santos critica o governo chinês: “Essa medida é extremista e imposta pelas mesmas pessoas que dizem combater o radicalismo religioso”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Por sua vez, o teólogo Wagner Escatamburgo comenta que a China sempre tentou, de modo agressivo, alinhar o cristianismo à filosofia comunista. “As pressões que o governo exerce sobre o trabalho de missões pioraram e, por isso, ficará mais difícil enviar missionários e recursos para aquele território”, avalia. Entretanto, ele acredita que, apesar das restrições, a fé continua avançando. “A Bíblia menciona perseguições, mas a Igreja é de Deus e permanecerá crescendo”, ressalta Escatamburgo, que é pastor na Assembleia de Deus – Ministério Vale das Virtudes, em Jardim Trianon, na cidade de Taboão da Serra (SP).

Com entendimento semelhante, o Pr. David de Abreu Santos, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) Taquara Merck, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), critica as justificativas do governo chinês para minar a atuação evangelística. “Essa medida é extremista e imposta pelas mesmas pessoas que dizem combater o radicalismo religioso. O ser humano deve ter o direito de seguir a fé e a religião que desejar”, defende o pregador, que conheceu de perto essa realidade. Na juventude, David Santos fez missões na Índia, país asiático de maioria hindu que, assim como a China, possui um histórico de perseguição aos cristãos fomentada por leis anticonversão. “A polícia ia à minha casa para investigar minha família. Meu pai era pastor, mas tinha um emprego de ‘fachada’, pois não podia falar sobre a verdadeira missão dele: pregar o Evangelho. Os cultos eram realizados no porão de uma escola evangélica, sem fazer muito barulho para não alarmar as autoridades”, recorda-se.

Fotos: Gorodenkoff / AdobeStock

Resistência à perseguição – Há mais de uma década, o missionário Yong Shi [pseudônimo usado por questão de segurança], 40 anos, dedica-se a pregar a Palavra à juventude. Ele relata que, certa vez, jovens dirigidos por ele no Sudoeste da China foram denunciados anonimamente. Em entrevista à agência Missão Portas Abertas, Shi contou que, durante uma aula ministrada ao grupo por um professor parceiro, viaturas da polícia cercaram o local. Meus colegas foram levados algemados para interrogatório, relembra-se o líder, que é casado e pai de dois filhos. Ele testemunha que não estava no lugar, pois fazia uma viagem de negócios. Entretanto, recebeu uma ligação das autoridades, que ordenaram seu retorno imediato.

Na delegacia, o evangelista foi questionado sobre possíveis cobranças aos alunos, origem de recursos e conteúdo das atividades. Expliquei que o trabalho era benéfico para os jovens e para a sociedade. Percebi que um policial se comoveu, mas representantes do Departamento de Assuntos Religiosos foram hostis, acusando-me de pregar ilegalmente para menores, contou Shi, pontuando que na China a lei proíbe que menores de 18 anos participem de cultos ou eventos cristãos. A turma foi desfeita, e os envolvidos foram formalmente acusados. Ainda assim, o missionário continuou viajando pelo país, buscando manter seu ministério evangelístico.

O médico Roosevelt Louback de Carvalho pondera: “Mesmo em um ambiente de perseguição, que impacta diretamente a igreja, devemos manter a fé, vigiar e orar todo o tempo”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

No entanto, durante uma reunião de juventude realizada no ano passado, em um apartamento alugado, houve outra denúncia. A administração do imóvel, em cooperação com as autoridades policiais, confirmou a presença dos participantes. Materiais devocionais encontrados foram usados como prova de pregação ilegal. Shi foi detido, algemado, agredido e obrigado a encerrar as atividades. Por causa do monitoramento constante, rescindi o contrato de aluguel e dispensei o grupo. Fiquei triste, mas os irmãos da Missão Portas Abertas me encorajaram, reacendendo minha esperança, compartilha ele, ressaltando que continua à frente desse ministério, agora com apoio de uma equipe estruturada, tendo pela frente desafios cada vez maiores devido ao aumento das restrições religiosas no país.

Yong Shi afirma que sempre enfrentou essa forma de intolerância. Ao participar de uma aula bíblica clandestina na adolescência, viu o local ser invadido pela polícia após grupos cristãos não reconhecidos serem denunciados como seitas. Na ocasião, o professor e os alunos foram levados para interrogatório. Eu me lembro de um policial apontando uma arma para mim. Ele me insultou, chamou-me de ignorante e inútil, disse que eu fazia parte de uma seita e que era a escória da sociedade, recorda-se Shi, afirmando que, por pressão das autoridades chinesas, aquela classe bíblica foi encerrada.

O Pr. Ednilson Lima lembra que o Senhor dá estratégias aos Seus servos para realizarem a obra dEle e pontua: “O povo de Deus sempre passou por situações adversas”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

O médico Roosevelt Louback de Carvalho, presidente da Aliança Pró-Capelania Evangélica do Brasil, atesta que a pregação do Evangelho não pode cessar. “Sem reuniões, templos, escritórios ou qualquer estrutura física: ainda assim, devemos proclamar a mensagem oralmente, como fazia a Igreja primitiva”, afirma ele, assinalando que é essencial lembrar as advertências bíblicas sobre tempos difíceis, intolerância, falsos profetas e o enfraquecimento da fé. “Mesmo em um ambiente de perseguição, que impacta diretamente a igreja, devemos manter a fé, vigiar e orar todo o tempo”, pondera Carvalho, membro da Segunda Igreja Batista do Plano Piloto de Brasília (DF).

O Pr. Ednilson Lima, líder regional da Igreja da Graça em Bangu, zona oeste carioca (RJ), lembra que o Senhor dá estratégias aos Seus servos para realizarem a obra dEle. “O povo de Deus sempre passou por situações adversas”, pontua o pregador, sublinhando que muitos servos do Senhor foram perseguidos e mortos durante o Império Romano, somente por confessar o Nome de Jesus. Todavia, o Evangelho permaneceu vivo e em expansão. “As perseguições virão, está profetizado, mas a Palavra se cumprirá. Aqueles que são de Cristo sempre encontram escape. Devemos deixar de lado a perplexidade e focar nas Escrituras”, conclui.


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