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Pastores e especialistas explicam por que o termo “evangélico” ganhou variadas aplicações nos dias de hoje
Por Evandro Teixeira
O que significa ser evangélico? Há alguns anos, o pastor e pesquisador norte-americano Ryan Burge tem se dedicado a investigar a melhor definição dessa palavra nos Estados Unidos. Segundo ele, o vocábulo “evangélico” atualmente tem um caráter tanto religioso quanto ideológico naquele país. O estudioso explica que hoje essa denominação se aplica a, pelo menos, dois tipos de cristãos: os devotos, que comparecem à igreja dominicalmente, e os que não são assíduos aos cultos, mas se identificam com os primeiros, pois partilham certos pontos em comum, como a ideologia conservadora – a qual se opõe, por exemplo, à prática do aborto.
Ainda de acordo com Burge, a ideia de que o número de evangélicos está diminuindo nos EUA é falsa, pois o percentual de norte-americanos que se dizem nascidos de novo, ou seja, convertidos ao Evangelho, tem se mantido estável desde 1972. Isso significa que, para cada pessoa que é perdida, outra é ganha, analisou, em artigo publicado no blog Religion in Public, fazendo referência às que abandonam a fé e àquelas que aceitam Jesus.
Porém, há um dado objetivo que merece atenção: a frequência aos cultos vem caindo, e o fenômeno ficou ainda mais claro na última década. Dados coletados por Burge em 2008 e 2020 mostram uma queda acentuada no número de evangélicos declarados que frequentavam semanalmente as igrejas. Eles eram 58% em 2008, e, em 2020, essa taxa caiu nove pontos percentuais (49,9%). Além disso, o percentual dos que raramente vão à igreja ou nunca comparecem aos cultos saltou de 16,1%, em 2008, para 26,7%, em 2020. Ou seja: a queda de frequência já era observada em anos anteriores e, portanto, não pode ser atribuída exclusivamente à pandemia.
No Brasil, não há informações tão precisas, mas é possível afirmar que nossa realidade é diferente da norte-americana. Isso porque, em primeiro lugar, a Igreja Evangélica brasileira está em franco crescimento. Uma estimativa divulgada pelo instituto de pesquisas Datafolha, no início de 2020, dava conta de que os evangélicos já somariam 31% da população brasileira, contra apenas 6% em 1980. [Leia a reportagem Explosão virtual, a partir da página 16] Os crentes daqui também parecem mais propensos que os norte-americanos a comparecer aos cultos públicos. Afinal, o número de espaços abertos com essa finalidade é crescente no país. Tomando como exemplo somente a cidade de São Paulo, estima-se que o número de igrejas evangélicas tenha subido 34% na última década, segundo informações do portal jornalístico de estatísticas Pindograma.
Concepção histórica – A teóloga Glair Alonso Arruda, mestre e doutoranda em Ciência da Religião pela PUC-SP, acredita que a sondagem norte-americana sinaliza um fenômeno observável em várias partes do mundo: o surgimento de evangélicos que se autodenominam sem igreja ou não praticantes e aqueles que se declaram de múltiplo pertencimento. “Trata-se de uma situação em que a pessoa se diz evangélica e católica, algo que era incomum há alguns anos”, assevera Arruda, membro da Igreja Batista da Água Branca, na zona oeste de São Paulo (SP).
De acordo com a teóloga, o termo “evangélico”, no Brasil, pode ser entendido de duas formas. A primeira seria uma compreensão da palavra a partir do significado original de evangelho, derivado do latim evangelium, que denota boas-novas. “Assim, ser evangélico deveria equivaler a portar as boas notícias do perdão e do amor de Deus por todas as pessoas.” A segunda poderia ser entendida como a designação de uma filiação religiosa específica, que foi construída historicamente.
Ela pontua que, no final do século 19, evangélico era a denominação do grupo de igrejas protestantes que preferiram se distinguir de duas tendências polarizadas que surgiram nos EUA e na Europa: os liberais, que, em última análise, negavam a inerrância das Escrituras, e os fundamentalistas, que tinham como base, entre outros pressupostos, a infalibilidade da Palavra de Deus. “Para se identificar de forma diferente, as igrejas passaram a acrescentar ‘evangélico’ à sua denominação. Assim surgiu, por exemplo, a Igreja Evangélica Luterana”, explica a cientista.
Entretanto, no Brasil, o termo passou a designar muitas comunidades cristãs que se identificavam com a doutrina protestante e que foram surgindo ao longo do tempo. A expressão se tornou tão abrangente a ponto de dificultar uma definição clara. Para o Rev. Sebastião Fernandes Bezerra, da Igreja Metodista Central em Ipatinga (MG), essa transição alterou a visão original da Igreja.
Segundo ele, diversas congregações cristãs perderam parte de sua identidade, abandonando os princípios da Reforma Protestante, a visão do Reino de Deus e até a centralidade da Palavra do Senhor. “O sincretismo religioso é tão presente que ficou difícil definir o que de fato pode ser considerado evangélico”, observa Bezerra. Por outro lado, ele frisa que o termo designa bem mais que uma filiação religiosa: aponta para um estilo de vida, já que ser evangélico remete à ideia de uma transformação pessoal, ou seja, a conversão, o novo nascimento em Cristo.
Comunhão sólida – Para o Pr. Elton Magalhães Ribeiro, da Igreja do Evangelho Quadrangular em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), o que pode definir alguém como evangélico é justamente essa mudança a partir da conversão e da prática dos ensinos de Cristo. “Aqueles que assim não procedem estarão apenas engrossando as fileiras dos evangélicos nominais, que se declaram crentes em Jesus, mas se mantêm ausentes dos cultos.”
No entendimento de Ribeiro, a frequência à igreja é essencial para os verdadeiros evangélicos. “Eles precisam estar sempre aquecidos pela chama viva do Espírito Santo e alimentados pela Palavra para combater as investidas do mal”, acentua o ministro, ressaltando que o ambiente eclesiástico é a única forma de estabelecer uma comunhão sólida com os irmãos. Ele lembra dos vários milagres contidos na Bíblia, os quais ocorreram enquanto os cristãos estavam reunidos em oração. O pastor cita, por exemplo, o livro de Atos dos Apóstolos onde está registrada a forma sobrenatural como Pedro foi liberto da prisão. Agora, sei, verdadeiramente, que o Senhor enviou o seu anjo e me livrou da mão de Herodes […]. E, considerando ele nisso, foi à casa de Maria, mãe de João, que tinha por sobrenome Marcos, onde muitos estavam reunidos e oravam (At 12.11b, 12).
O Pr. Charles Henri Pereira Marques Rosa, líder da Igreja do Evangelho Quadrangular em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), segue o mesmo raciocínio do Pr. Elton Ribeiro, ao lembrar que a brasa afastada do braseiro tende a esfriar, e, por isso, o evangélico deve estar em comunhão com uma comunidade de fé. “A Igreja tem o papel de oferecer amparo físico, emocional e espiritual ao cristão. Existe uma orientação bíblica clara sobre a necessidade de os irmãos estarem reunidos”, ensina, citando o texto de Hebreus 10.24,25a: E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos à caridade e às boas obras, não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns.
Já a Pra. Rafaela Evangelista Menezes, da Igreja Metodista no bairro Jardim Santo André, em Santo André (SP), observa que a assiduidade aos cultos não define se a pessoa passou pelo processo de regeneração em Cristo. Segundo ela, muita gente frequenta as reuniões cristãs apenas pela programação e não alimenta cotidianamente a comunhão com Deus. “Devemos, como pessoas que amam a Cristo, encontrar o equilíbrio”, orienta, reforçando o papel da igreja como local de fortalecimento de vínculos com o próximo, como está em 1 Tessalonicenses 5.14: Rogamo-vos também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos e sejais pacientes para com todos.
Casa de Deus – O termo “evangélico” não é o mais apropriado para definir o seguidor de Jesus na opinião do Pr. Natalício Eugênio de Souza, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Caieiras, em Vespasiano (MG). Para ele, a palavra “cristão” se aplica melhor àquele que segue Cristo. Ademais, o pastor afirma que os praticantes da fé cristã jamais deixam de congregar e adorar ao Senhor. Segundo ele, as lideranças precisam mostrar aos membros que a estrutura física da igreja oferece o ambiente perfeito para quem busca apoio e comunhão espiritual. “Como membros de um só Corpo de Cristo, devemos nos manter ligados uns aos outros”, defende o líder, citando a passagem de Romanos 12.4,5: Porque assim como em um corpo temos muitos membros […] assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.
Por sua vez, o Pr. Edson Tadeu Ferreira da Silva Júnior, da Igreja da Graça do bairro Liberdade, em Rio das Ostras (RJ), lembra que quem realmente é evangélico não alicerça sua fé em rótulos e títulos. “Um cristão genuíno é aquele que está compromissado com as Escrituras”, afirma o líder, observando que a melhor forma de reconhecer um autêntico servo de Deus é pelos frutos e pelo prazer de ir à casa de Deus, como registra o salmista: Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR! (Sl 122.1).
Na visão do Pr. Silas Rosalino de Queiroz, líder da Assembleia de Deus no bairro Jardim Presidencial 3, em Ji-Paraná (RO), o entendimento equivocado do que significa ser evangélico se deve à grande popularização do segmento nas últimas décadas. Isso produziu, em sua opinião, um novo contingente de seguidores com características distintas das comunidades cristãs tradicionais e históricas. Por isso, tornou-se “normal” ver pessoas se identificando como evangélicas, inclusive no meio artístico – uma “adesão” que, em alguns casos, pode representar mais visibilidade. Porém, ele ressalta que, de modo algum, essa deve ser a motivação para abraçar a fé em Cristo. “A Igreja precisa voltar à simplicidade do Evangelho, adotando uma vida de fé e devoção. Necessitamos da presença de Deus e Seu poder”, conclui.