A BÍBLIA E A ÁFRICA
12/11/2024MORDOMOS FIÉIS
13/11/2024FORÇA DO GOSPEL
Música evangélica ganha cada vez mais espaço no mercado fonográfico e atrai o interesse de cantores seculares
Por Evandro Teixeira
Dedicada ao louvor e à adoração a Deus, a música gospel tem origem nos corais das igrejas dos Estados Unidos do século 20. O gênero chegou ao Brasil nesse mesmo período, trazido por missionários batistas e presbiterianos estadunidenses, quando algumas igrejas brasileiras traduziram os hinos norte-americanos. Esses louvores eram limitados ao ambiente religioso dos cultos e encontros cristãos. Porém, na década de 1980, as canções evangélicas ganharam maior visibilidade devido ao som inovador, que se distanciava do estilo mais tradicional.
Influenciada por melodias mais intensas e elementos do rock e do pop, a música gospel nacional começou a despertar o interesse do público em geral e, atualmente, é o estilo que mais cresce no mercado fonográfico. De acordo com o Spotify, o número de ouvintes desse gênero no Brasil aumentou 46% em 2023 e hoje representa 20% da receita da indústria musical brasileira, movimentando vendas de 2 bilhões de reais por ano.
Em meio a essa popularização, existe um aumento crescente de artistas seculares que têm gravado canções evangélicas. Em 2022, a cantora Simone, da antiga dupla sertaneja Simone e Simaria, lançou a música Sobre as águas em parceria com Davi Sacer. No mesmo ano, Caetano Veloso gravou Deus cuida de mim, ao lado de Kleber Lucas. Em 2021, o cantor de forró Wesley Safadão se juntou à banda goiana, Casa Worship, para gravar a faixa Deus tem um plano.
Diante desse novo cenário, Graça/Show da Fé conversou com pastores, especialistas e artistas evangélicos para avaliar aspectos desse movimento de aproximação de cantores seculares em direção ao gênero gospel.
Mercado musical – Há pelo menos duas décadas, vários estudiosos têm analisado o fenômeno da popularização da musicalidade evangélica. Em 2008, por exemplo, o antropólogo Robson Rodrigues de Paula desenvolveu sua tese de doutorado em Ciências Sociais justamente sobre o mercado musical evangélico no Brasil. Ele releva que, naquela época, o crescimento desse estilo já era evidente e se manteve assim ao longo dos anos. Além disso, ressalta que esse bom resultado está associado diretamente ao aumento do número de evangélicos no país e, como consequência, tem influenciado a indústria fonográfica brasileira.
Esse sucesso, explica Rodrigues, também se deve ao fato de as gravadoras evangélicas serem fortes e contarem com um bom trabalho de distribuição, inclusive com a colaboração das congregações cristãs. “As igrejas são um braço importante no processo de massificação do estilo, pois as músicas são sempre reverberadas nos cultos”, pontua ele, indicando que o conteúdo faz toda a diferença. “É o elemento essencial que separa as músicas evangélicas das não evangélicas.”
O antropólogo ainda observa que, para o público crente em Jesus, a vinculação religiosa do cantor é um fator importante. No entanto, por entender que os evangélicos não são necessariamente um grupo homogêneo, ressalta que pode haver pessoas que se mostrem indiferentes à igreja frequentada pelo artista.
Entretanto, embora acredite que não exista objeção por parte do público evangélico, de que um cantor secular interprete louvores, é certo que, no meio gospel, o sucesso de um artista declaradamente cristão tende a ser mais promissor. “Para alguns, o fato de um profissional da música ser crente ou não pode ser decisivo na hora de escolher o que ouvir”, avalia.
O cientista religioso Magno Paganelli, professor de História das Religiões, expõe que, apesar de o termo gospel estar ligado ao contexto religioso, não existem restrições para a execução da música evangélica fora de seu ambiente original e por indivíduos não religiosos. “Uma vez que a Bíblia diz que toda criatura que tem fôlego deve louvar ao Senhor [Sl 150.6], qualquer um pode cantar temas bíblicos livremente. Tal atitude está de acordo com o que propõe a Palavra”, considera ele, assinalando que, além disso, qualquer restrição seria censura, contrária, portanto, à liberdade de expressão – “um direito de todo cidadão brasileiro”.
Segundo Paganelli, nesse contexto de liberdade de expressão, estão inseridos os cantores seculares que decidem gravar canções evangélicas. “Muitas vezes, a pessoa não faz parte de nenhuma igreja, mas gosta de determinada composição cristã e deseja, de algum modo, exaltar a Deus por meio dela. Não vejo nada de errado nisso”, defende o professor, para quem também não seria errado um cantor evangélico interpretar canções seculares, desde que o conteúdo não esteja em desacordo com a fé cristã nem desalinhado com os pressupostos bíblicos.
Propósito divino – Para o Pr. Téssio Fonseca Azevedo, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) do Setor Central em Jataí (GO), tratando-se de música gospel, deve prevalecer o propósito divino de propagar o Evangelho por meio das composições. “Assim como as pregações, os louvores não devem ser entoados apenas em lugares em que haja crentes, mas também em locais em que haja pessoas não convertidas.”
O pregador declara que, mesmo que o foco do artista secular seja apenas financeiro, – que não seria o propósito original das canções – Deus pode usar um cantor não crente para alcançar vidas. Para ele, aplica-se nesse sentido a mesma lógica da pregação registrada pelo apóstolo Paulo em sua carta aos filipenses: Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia, mas outros de boa mente; uns por amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho (Fp 1.15-17).
Entretanto, Azevedo diverge do professor Magno Paganelli quando o docente diz ser aceitável o cantor evangélico interpretar canções seculares. “Qual seria o propósito de um servo de Deus deixar de louvar ao Senhor para cantar composições nas quais o Pai celestial não é exaltado?”, questiona o ministro, indicando que, nesse caso, seria importante avaliar o motivo de tal decisão: “Sugere que as prioridades do cantor podem ter mudado,” diz.
Já no entendimento da cientista social Rosângela Paes Romanoel, membro da Igreja Evangélica Família Ágape, em Uberaba (MG), o que toca as pessoas e as inspira a buscar o Senhor não é a santidade do crente, e sim são a graça e o amor do Senhor manifestados por intermédio do Espírito Santo. Por isso, ela assevera que, independentemente do lugar e de quem cante, a mensagem bíblica pode alcançar corações. No entanto, quando se trata de cantores evangélicos, Rosângela Romanoel entende que de seus lábios só devem sair louvores ao Salvador. “Quando sabemos que somos instrumentos do Altíssimo para tocar vidas, não devemos entoar músicas que não falem do amor do Criador”, argumenta.
O sagrado e o profano – O cantor e compositor Matheus Duque, que integra o cast da Graça Music, diz não ser possível aferir as reais motivações que levam um cantor secular a interpretar composições evangélicas. Contudo, ele aponta que não há como ignorar o aspecto do lucro, tendo em vista o crescimento da música gospel no mercado fonográfico. Por isso, acredita ser necessário estabelecer uma separação entre sagrado e profano – “o que nem todos observam atualmente”. O foco principal, opina Duque, deve estar nas composições musicais, porque há, inclusive, canções evangélicas com letras que não se diferenciam das mensagens comuns, justamente pela pouca inspiração divina. “As verdades bíblicas precisam ser cantadas, pois, desse modo, ficará evidente que o seu conteúdo é exclusivamente sagrado.”
Pensamento semelhante tem o Pr. Edinaldo Gonçalves Pereira, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no bairro Asa Branca, na cidade de Boa Vista (RR). No entendimento dele, cantores e compositores evangélicos precisam ter discernimento ao escolher canções que vão gravar e quando compõem suas músicas, a fim de compreender a diferença entre o que é de Deus e o que não é. Para o pastor, é essencial que o artista saiba discernir o bom e o ruim para não tratar como profano aquilo que o Senhor considera sagrado. “O conceito de família, por exemplo, não pode ser apresentado diferente daquele que a Palavra ensina. Transgredi-lo é profanar”, exemplifica.
O cantor RS do Fogo, outro que integra o cast da Graça Music, também demonstra tal preocupação. Ele lembra que a letra é um dos principais diferenciais da música evangélica e salienta que as composições não evangélicas tendem a repercutir experiências humanas – às vezes, até traumáticas, como traições – não gerando nenhuma mudança ou reflexões positivas – e servindo apenas de desabafo. “Quando inspiradas por Deus, as canções gospel mostram caminhos no meio da luta. Ao chegarmos à vitória, temos a certeza de que fomos conduzidos pelo Senhor.”
Escolha certa – O Pr. Josenildo Cardoso Cavalcante, da Assembleia de Deus de Jardim Santa Bárbara, em Curitiba (PR), afirma que não devemos esquecer que a música, dentro do contexto mercadológico, torna-se um produto. Sendo assim, é necessário analisar também o comportamento dos consumidores. “Compete aos cristãos avaliar o tipo de música que têm selecionado para ouvir”, alerta o ministro assembleiano. “A música, além de mexer com emoções, tem a capacidade de mudar conceitos, podendo, inclusive, confundir a mente”, adverte.
O pregador realça a necessidade de haver distinção, no mercado musical, quanto ao que é sagrado. “Em um mundo em que há muito sincretismo religioso, precisamos estabelecer aquilo que é exclusivo de Deus”, atesta Cavalcante, fazendo referência ao texto de Levítico 10.10 (Para fazer diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo). Além disso, pensa que, quando há uma mistura, fica difícil discernir entre certo e errado, gerando assim um cenário propício para a atuação do inimigo. O ministro finaliza ratificando que, se não existir o devido cuidado teológico, até mesmo composições tidas como evangélicas podem distorcer ensinamentos bíblicos.
Dentro do cenário da música cristã, há diversos pontos a serem analisados, na opinião do Pr. Luiz Carlos Corrêa, líder estadual da Igreja da Graça em João Pessoa (PB). Segundo ele, fica evidente que, como instrumento de Deus, a música pode cumprir o seu objetivo de alcançar e abençoar vidas por intermédio, inclusive, de um cantor secular. “Para atingir alguém, o Todo-Poderoso pode até fazer uma pedra falar”, recorda-se Corrêa, referindo-se às palavras de Jesus registradas em Lucas 19.40: E, respondendo ele, disse-lhes: Digo-vos que, se estes se calarem, as próprias pedras clamarão. “Em relação aos cantores gospel, o Senhor os usa por Sua misericórdia, levando em conta o compromisso exclusivo que eles têm com o Onipotente”, conclui.