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Por Marcelo Santos
Um mistério para o mundo, a Coreia do Norte é uma nação extremamente fechada e detentora de uma estrutura bélica poderosa. Sob o regime ditatorial de Kim Jong-um, o país é o mais hostil para os evangélicos, liderando o ranking da Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2025, da Missão Portas Abertas.
O governo norte-coreano considera a fé em Deus uma traição ao Estado. Por isso, Kim Sang-Hwa, 50 anos, fugiu do país com a família após viver uma experiência de conversão a Cristo. Casada com um pastor, hoje ela reside na Coreia do Sul de maneira anônima para não colocar em risco seus familiares e outros cristãos da Igreja Perseguida que continuam vivendo na Coreia do Norte.
Em fevereiro, Kim esteve no Brasil, em visita a diversas igrejas paulistas, a convite de Portas Abertas, organização missionária que apoia cristãos perseguidos pelo mundo. Em meio a essa intensa agenda, ela atendeu a reportagem de Graça/Show da Fé para compartilhar um pouco de sua história e falar da realidade de opressão sofrida por cristãos norte-coreanos.
Como foi o primeiro contato da senhora com a Bíblia?
Sou a terceira geração de cristãos na minha família. Meu pai e meus avós se converteram antes da Guerra da Coreia (1950-1953) [conflito que resultou na divisão do país em Norte e Sul]. No entanto, cresci em um contexto de extremo controle governamental na Coreia do Norte. Até os nove anos, nunca havia ouvido falar de Jesus. Um dia, ao vasculhar uma gaveta, descobri um fundo falso e encontrei um livro preto sem inscrições. Ao abrir, li: No princípio, criou Deus os céus e a terra (Gn 1.1). Fiquei assustada, confusa e chorei. Lá, as crianças são incentivadas a denunciar os pais se encontrarem uma Bíblia em casa. Não sabia se deveria denunciar meu pai ou confrontá-lo. Decidi perguntar a ele sobre o livro.
Como o seu pai reagiu ao descobrir que havia encontrado as Escrituras?
Em vez de se assustar, levou-me para fora de casa, mostrou o céu, as estrelas, a terra e explicou que tudo foi criado por Deus. Ele me contou sobre Adão, Eva, a serpente e o que Jesus fez por nós. Aos poucos, fui entendendo a fé cristã e crescendo nela. Meu pai também compartilhava a Bíblia com meus irmãos, mas eu era a mais curiosa. Minha irmã mais velha, porém, tinha medo de saber demais, já que, na Coreia do Norte, não somos encorajados a questionar ou buscar conhecimento.
A senhora precisou desconstruir a visão de que os líderes norte-coreanos são quase divinos para entender quem realmente é Deus?
Na Coreia do Norte, desde que nascemos, somos ensinados a ver a família Kim como figura quase divina, embora esse termo nunca seja usado diretamente. Tudo, desde brincadeiras até cantigas infantis e histórias folclóricas, reforça essa ideia. Não temos outras referências, e a identidade do cidadão norte-coreano está completamente ligada ao Estado. O que somos e temos pertence ao governo, e isso é visto como normal. Quando conheci Jesus e desenvolvi uma comunhão com Deus, tudo mudou. Aos poucos, entendi que, se existe um Criador que formou todas as coisas, que também criou a família Kim, Ele é infinitamente mais poderoso. Aprendi que o Altíssimo nos protege, está conosco e ouve nossas orações. Conforme a figura de Jesus crescia em minha vida, a grandiosidade da família Kim diminuía. Ter uma identidade como filha amada do Senhor e ser cidadã do Reino dos Céus transformou minha perspectiva. Essa mudança foi sobrenatural, pois, naturalmente, não tínhamos outros padrões para questionar ou comparar.
Por que a senhora e o seu marido decidiram fugir da Coreia do Norte?
Tínhamos uma marcenaria e fazíamos trabalhos para a comunidade. Um dia, trocamos as portas e janelas de plástico da nossa casa por madeira e vidro, para melhorar a ventilação e iluminação. Isso chamou a atenção dos vizinhos. Fomos acusados de ter uma mente “ocidentalizada” e de sermos capitalistas. Nosso filho mais velho, que tinha seis anos na época, começou a ser perseguido na escola. Eles ainda não sabiam que éramos cristãos. Decidimos fugir antes que a situação piorasse. O maior desafio foi partir para a China, destino mais próximo e simples. Apesar de não ser hostil a estrangeiros, o país também persegue cristãos. Lá, as mulheres são muito valorizadas devido ao desequilíbrio populacional, o que facilitou o meu ingresso ao mercado de trabalho. No entanto, enfrentei assédio constante e o medo do tráfico de mulheres. Meu marido demorou a conseguir emprego, e minha renda era a única fonte de sustento da família. Na China, nós nos reuníamos com outros cristãos norte-coreanos para adorar ao Senhor e estudar a Bíblia, o que nos colocou sob monitoramento e perseguição. Após alguns anos, mudamos para a Coreia do Sul, país livre de perseguição religiosa, onde nossos outros filhos nasceram e lá vivemos até hoje.
Qual é a situação atual da Igreja na Coreia do Norte?
As igrejas foram fechadas. É proibido construir templos ou frequentar cultos. Desde a divisão das Coreias, os cristãos são perseguidos, mortos ou enviados para cidades afastadas, onde a vigilância do governo é ainda mais intensa. No país, as igrejas aparentemente funcionais são, na realidade, de fachada, com “membros” treinados para encenar cultos durante as visitas dos estrangeiros. A verdadeira igreja é secreta.
E como vivem os cristãos norte-coreanos?
Vivem com medo. Se forem descobertos, são presos, torturados, mortos ou enviados para campos de trabalhos forçados, de onde raramente saem vivos. Enquanto um preso político recebe cerca de 300 calorias diárias, um cristão ganha menos de 50, quantidade suficiente apenas para manter um rato vivo. No entanto, mesmo diante de uma perseguição severa, a Igreja continua resistindo, sustentada pela fé em Cristo.
De que forma os cristãos na Coreia do Norte fortalecem a fé em meio à perseguição?
Os cristãos se reúnem em negócios familiares, como comércios e serviços, para realizar cultos, o que é bastante arriscado. O evangelismo é discreto, começando pelos próprios filhos, com cuidado nas palavras e orações, já que até os familiares podem delatar uns aos outros. Organizações como a Portas Abertas ajudam os cristãos norte-coreanos, oferecendo treinamentos e estratégias para manter a fé viva. Apesar do risco constante, a graça de Deus sustenta a Igreja Perseguida. Muitos não temem a morte: creem que, se forem mortos por causa de sua fé, estarão imediatamente com Jesus. Essa certeza é um motivador poderoso, mesmo em meio ao perigo.
Kim Sang-Hwa
Cristã norte-coreana