A fé inabalável da fundadora da ONG Mães da Sé, que transformou seu luto em esperança
02/09/2025
A fé inabalável da fundadora da ONG Mães da Sé, que transformou seu luto em esperança
02/09/2025

Como esse estilo de música cristã conquistou espaço nas igrejas e se tornou uma nova forma de louvor para os jovens

Foto: Moody / Gerado com IA / Adobe Stock

Por Marcelo Santos

O ano era 1970. No salão da Igreja Batista da Vila Bonilha, em Osasco (SP), jovens, adultos e até curiosos que jamais tinham pisado ali se espremiam para ouvir algo inédito no Brasil: o rock cristão. No palco, a banda Êxodos fazia vibrar as paredes do local tocando canções evangelísticas, enquanto a guitarra distorcida e a bateria artesanal — feita sob encomenda na fábrica Pinguim — marcavam o ritmo daquela revolução sonora. “Naquela época, tocar bateria no templo era um tabu. A gente tocava no salão da mocidade, em acampamentos, em qualquer local disponível. O povo ia, enchia o lugar, e o Espírito Santo agia”, lembra-se Edson Donizetti Zaffani, hoje com 69 anos, abrindo um saudoso sorriso.

Edson Donizetti Zaffani, baterista e fundador da banda Êxodos, lembra: “Naquela época [anos 1970], tocar bateria no templo era um tabu. A gente tocava no salão da mocidade, em acampamentos, em qualquer local disponível”
Foto: Marcelo Santos – modificada por IA

Baterista e fundador da Êxodos, Edson Zaffani recebeu a reportagem de Graça/Show da Fé no salão de festas do prédio onde mora há 40 anos, no mesmo município no qual começou sua aventura no rock-and-roll. Aposentado, após anos trabalhando como técnico eletricista e professor, ele se emocionou ao recordar-se daquele período, cujo início foi despretensioso, quase casual. “Eu era mais da música do que da igreja. Tocava em tudo quanto era lugar, até em circo. Um palhaço chamava a gente para animar a plateia, e eu já estava lá com o prato [da bateria] na mão”, conta Edson, rindo.

Janires Magalhães Manso, que, à frente do grupo Rebanhão, misturou baião, rock progressivo, samba e música popular, rompendo as fronteiras do templo e alcançando as ruas
Foto: Reprodução / Instagram Rebanhão – modificada por IA

Porém, foi na Vila Bonilha que a afinidade de Edson com os irmãos de fé se tornou compromisso. O grupo, que surgiu como Nova Vida, foi rebatizado em 1972 como Êxodos, simbolizando a travessia de uma geração em busca de uma nova expressão de louvor. “Queríamos sair do Egito das fórmulas prontas, entende? O Êxodos era essa saída”, relembra-se ele, frisando que os primeiros passos foram dados em pequenos encontros, mas a fama se espalhou rapidamente. “Não tinha rede social e mal se usava o telefone. A divulgação era boca a boca. As igrejas nos chamavam porque os jovens participavam em peso e muita gente que não era crente ia por causa da música e saía tocada pela mensagem”, recorda-se.

No entanto, o choque com a tradição foi inevitável. “Disseram que nos denunciariam ao DOPS”, revela Zaffani, referindo-se ao Departamento de Ordem Política e Social, órgão policial secreto do governo brasileiro, criado em 1924 e proeminente durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985). “Na ditadura, roqueiro era sinônimo de subversivo. Mas nós só queríamos louvar”, afirma o baterista, lamentando que o grupo tenha encerrado suas atividades, em 1977, com apenas um disco gravado. Este, porém, incluiu sucessos inesquecíveis, como Maravilhas e Galhos secos – tendo, o último, viralizado em um vídeo na internet em 2012 com o refrão Para nossa alegria, cantado por dois irmãos adolescentes.

Foto: Fred Pinheiro / Adobe Stock

Sete anos depois do nascimento da Êxodos, um jovem capixaba chamado Janires Magalhães Manso (1953-1988) daria continuidade a essa jornada de ousadia. Sua história de envolvimento com drogas e até prisão mudou radicalmente quando ele teve um encontro com Jesus. Convertido, com o violão na mão, a Bíblia embaixo do braço e uma abençoada veia poética, Janires revolucionou a música cristã brasileira. À frente do grupo Rebanhão, formado em 1979, misturou baião, rock progressivo, samba e música popular, rompendo as fronteiras do templo e alcançando as ruas. As letras do artista, que falavam de salvação, injustiça, cotidiano e esperança, e o seu jeito despojado – de sandália nos pés e sorriso largo – conquistaram uma geração.

O programador e criador de conteúdo Fernando Schentl enfatiza: “Muitos do meio gospel ainda associam o rock ao diabo por tradição cultural, algo que não tem qualquer respaldo bíblico. O que importa é o coração com que se faz e, nesse sentido, Janires e Êxodos continuam sendo faróis para nós”
Foto: Marcelo Santos – modificada por IA

Entretanto, a trajetória de Janires foi interrompida em 1988. Aos 31 anos, ele faleceu em um acidente de ônibus no trajeto entre Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG), deixando “órfãos” os jovens que viam nele uma nova forma de viver o Evangelho. Sua morte foi precoce, mas seu legado se espalhou, inspirando gerações de músicos e abrindo portas para outras bandas, como Resgate e Oficina G3. Assim, se a Êxodos foi pioneira ao levar a guitarra e a bateria para dentro das igrejas, Janires foi o artista que mostrou que a canção cristã podia romper as quatro paredes dos templos sem perder a essência da mensagem evangélica.

Influenciados pelo rock No interior paulista, o programador e criador de conteúdo Fernando Schentl, 37 anos, sob a influência da mãe, encontrou um novo repertório enquanto frequentava a Primeira Igreja Batista de São José do Rio Preto (SP). “Conheci bandas, como Catedral, Petra, Bride e Stryper e descobri que era possível louvar a Deus com o mesmo som que me fazia vibrar. Entendi que o rock era parte da minha identidade e que Deus não Se incomodava com isso”, conta Schentl.

O profissional de Tecnologia da Informação (TI) Marcelo Silva Dutra afirma: “O rock tem uma linguagem direta, que fala de esperança em meio às lutas, e os músicos cristãos levam isso muito a sério”
Foto: Arquivo pessoal

Em 2019, depois de assistir a um show de duas bandas de white metal – a norte-americana Stryper e a sueca Narnia – em São Paulo (SP), Fernando sentiu que era hora de dar um passo a mais. Criou, em outubro daquele ano, o videocast É Rock, um canal no YouTube dedicado a promover o rock e o metal cristão. “Sempre achei essencial mostrar o que temos de bom nesse segmento. A mensagem do Evangelho não tem problema com o volume, mas com a falta de propósito. E o nosso objetivo é claro: exaltar Cristo”, afirma. O canal cresceu, conquistou parcerias e, prestes a completar seis anos de atividades, coleciona entrevistas, análises musicais, notícias e clipes legendados. Contudo, Fernando reconhece que o preconceito persiste. “Muitos do meio gospel ainda associam o rock ao diabo por tradição cultural, algo que não tem qualquer respaldo bíblico. O que importa é o coração com que se faz e, nesse sentido, Janires e Êxodos continuam sendo faróis para nós”, enfatiza.

Criador do site Petra Tribute, o profissional de Tecnologia da Informação (TI) Marcelo Silva Dutra, 52 anos, concorda com Schentl. Convertido ao Senhor desde 1987, quando tinha 14 anos, Marcelo relata que a descoberta do rock cristão foi um divisor de águas na sua vida: “Naquele ano, ouvi, pela primeira vez, o álbum Not of this world (1983), do Petra, em uma loja da Editora Betânia (antiga livraria evangélica), no Centro de São Paulo (SP). Fiquei maravilhado. Até então, não sabia que existia música cristã com tamanha qualidade, ainda mais no meu estilo preferido. Foi ali que minha história com essa banda começou.” Ele assinala que, posteriormente, idealizou o site e deixou de ser apenas fã para se tornar parceiro: produziu eventos, como o show comemorativo de 40 anos do Petra no Brasil – realizado em 2012 nas cidades de Porto Alegre e Curitiba –, e acompanhou turnês, entrevistas e lançamentos. “É nossa forma de honrar músicos que dedicam a vida a servir ao Senhor com qualidade e responsabilidade”, argumenta.

O funcionário público Daercy Teixeira (Bigo) Nogueira diz que “o rock cristão continua firme, alcançando jovens e veteranos”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Marcelo avalia que, dentro da igreja, essa trajetória de mudanças de paradigma musical foi difícil. “Nos anos de 1980 e 1990, o rock era visto com muita desconfiança no meio cristão. Eu era líder de jovens e músico na igreja, mas precisei entender que a música de culto era uma e a que eu ouvia no meu dia a dia era uma ferramenta de evangelismo”, relata ele, acrescentando que conseguiu equilibrar tradição e inovação, compreendendo a música como uma ponte para alcançar pessoas distantes do Evangelho. “O rock tem uma linguagem direta, que fala de esperança em meio às lutas, e os músicos cristãos levam isso muito a sério. Muitos dos meus amigos conheceram Jesus por meio dessa aproximação.” Para Dutra, grupos, como Petra, Stryper, Bride, Resgate e Oficina G3 são extensões do púlpito. “Eles mostram que a essência do Evangelho não muda com o ritmo. O que importa é a mensagem e a fidelidade a Cristo. E isso, para mim, sempre foi o verdadeiro som do Reino”, analisa, pontuando que, “enquanto houver vidas a serem alcançadas, o rock seguirá sendo uma voz profética no meio cristão”.

A primeira reação de Daercy Teixeira (Bigo) Nogueira, 53 anos, funcionário público e membro da Igreja Batista Renovada em Guararapes, no interior de São Paulo, ao ouvir o álbum Not of this world, do Petra, foi de resistência. “Confesso que não aceitei muito bem. Mas, logo depois, ao conhecer o álbum Espelho nos olhos, da Banda Azul, comecei a enxergar esse estilo musical de outra forma.” A perspectiva dele mudou de vez quando escutou uma canção em inglês na televisão. “Ouvi I believe in you, do Stryper, na novela O Salvador da pátria (1989), e aquela virou a trilha da minha vida”, destaca.

Bigo Nogueira, como é conhecido, narra que, por morar longe dos grandes centros (sua cidade fica a 557 km da capital paulista), ele e seus amigos dependiam de fitas cassetes copiadas e discos trazidos de São Paulo por conhecidos para ouvir as novidades do cenário cristão. E, apesar das dificuldades, ao ter contato com alguns trabalhos – Fruto Sagrado, Oficina G3, Resgate, Guardian e Bride –, passou a considerar o rock cristão como uma linguagem direta para evangelizar e quebrar as barreiras religiosas.

Desde então, Bigo testemunhou os altos e baixos desse gênero. Acompanhou grupos que encerraram e retomaram as atividades, esteve no festival SOS da Vida, e, hoje, celebra o surgimento de novos eventos, como o Toca Rock Fest, Mocanoia Fest e VOA Rock Festival. À frente da página Stryper Brazil, que administra com os amigos Izaias Pereira e Márllon Matos, ele se dedica a divulgar shows, lançamentos e bandas underground (associadas a movimentos musicais alternativos), mantendo viva a chama do estilo. “O rock cristão continua firme, alcançando jovens e veteranos. A geração Z tem mostrado um interesse surpreendente, e nós, mais velhos, fazemos questão de passar adiante essa herança”, diz Daercy Teixeira.

O Pr. Elder Cavalcante Júnior garante: “Muitos diziam que o diabo era o ‘pai do rock’, mas a verdade é que ele é o ‘pai da mentira’. O inimigo não criou nada, só copiou”
Foto: Arquivo pessoal – modificada por IA

Na opinião do Pr. Elder Cavalcante Júnior, 41 anos, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Rio Grande do Norte, o impacto do rock cristão veio em um momento decisivo da vida dele. Seu primeiro contato com esse tipo de música foi com o Acústico do Oficina G3, álbum lançado em 1998, que se tornou a trilha sonora de sua conversão. “Eu estava vindo do mundo, acostumado a ouvir outros estilos, e aquele disco me marcou profundamente. Canções, como Gigantes, Magia alguma e Naves imperiais falaram direto ao meu coração. Naquele momento, entendi que Deus podia falar comigo daquela forma”, explica Elder, completando que, com o tempo, descobriu outras bandas do gênero, como Metal Nobre, Fruto Sagrado, Bride e DC Talk.

Segundo ele, um dos momentos mais marcantes foi um show do Bride em Curitiba (PR). A abertura do evento ficou a cargo do Metal Nobre, grupo de Brasília (DF). “Eles tocaram Lágrimas, e aquela música me atingiu de modo especial. Era um tempo de juventude, de busca, e a letra ficou gravada na minha alma”, rememora o ministro, que, de tão acostumado a ouvir críticas e preconceitos em relação a esse tipo de música, aprendeu a responder, com clareza e convicção, às acusações. “Muitos diziam que o diabo era o ‘pai do rock’, mas a verdade é que ele é o ‘pai da mentira’. O inimigo não criou nada, só copiou”, garante Elder, explicando que os instrumentos musicais e as melodias são dádivas divinas, e, portanto, cabe à Igreja usá-los com sabedoria para alcançar corações. “O som e o estilo são apenas meios. O que importa é a mensagem, o propósito e a quem servimos”, finaliza.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *