Múltiplas bênçãos
15/04/2025
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15/04/2025

Em países sem liberdade religiosa, mulheres cristãs sofrem violência e perseguição por sua fé

A woman holds her Bible while her husband stands over her.

Foto: Kevin Carden / Adobe Stock

Por Evandro Teixeira

A violência de gênero é um problema mundial que afeta mulheres de todas as idades, etnias, classes sociais e nacionalidades. Trata-se de uma prática criminosa que envolve abusos físicos, sexuais, psicológicos e econômicos. No entanto, em países sem liberdade religiosa, esses atos violentos tendem a ser mais severos, pois incluem leis que restringem o direito de culto e de reunião, preveem a aplicação de multas, prisões, castigos públicos, trabalhos forçados e até pena de morte. Nessas nações, controladas por regimes autoritários, as políticas repressivas, via de regra, limitam os direitos femininos. Sendo assim, o que já é ruim para a mulher se torna muito pior quando ela se converte ao cristianismo.

O secretário-geral da Missão Portas Abertas, Marco Cruz, esclarece que as “mulheres, abandonadas pela família, participam de um projeto de geração de renda que lhes proporcione uma nova oportunidade de vida”
Foto: Divulgação / Missão Portas Abertas

Esse quadro opressor está registrado no relatório que acompanha a Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2025, compilada pela Missão Portas Abertas, um ranking dos países onde os servos de Deus são mais perseguidos por causa da fé em Jesus. O documento revela os diversos tipos de violência contra as cristãs nas nações em que não existe liberdade religiosa: casamentos forçados e atos de violência sexual são comuns em mais de 80% dos 50 países elencados. Em muitas situações, algumas mulheres são obrigadas a se casarem com homens idosos e muçulmanos, como ocorre no Paquistão, país do Sul da Ásia de 247,5 milhões de habitantes e de maioria islâmica (96,28%).

A missionária Ironi Isabel Ribeiro Sumary, que criou, em 2014, na Tanzânia, o centro de acolhimento feminino Nyumba ya Bibi Sebastiana: mais de 300 mulheres recebidas no abrigo
Foto: Arquivo pessoal

No decorrer dos anos, Portas Abertas tem constatado que, nas nações em guerras e conflitos civis constantes, as servas de Cristo ficam expostas a uma dupla vulnerabilidade: da violência dos combatentes e da cultura local – especialmente em países do Oriente Médio e do Norte da África. O secretário-geral da missão no Brasil, Marco Cruz, aponta que a desvantagem da condição feminina fica nítida no anúncio da gestação e se agrava quando é descoberto o sexo da criança. “O desejo dessas sociedades é de que o bebê seja menino. Muitas vezes, as meninas escutam que deveriam se envergonhar por não serem do sexo masculino”, informa Cruz, acrescentando que, em determinadas áreas muçulmanas, elas nem sequer são criadas pelos pais, e sim por outro membro da família. Em razão desse cenário, a agência missionária, por meio de centros de apoio, busca ajudar essas mulheres, disponibilizando atendimento médico, amparo psicológico e auxílio espiritual. Devido à perseguição religiosa enfrentada pelas cristãs, Portas Abertas também oferece treinamento para que elas se tornem empreendedoras e evangelistas. “Essas mulheres, abandonadas pela família, participam de um projeto de geração de renda que lhes proporcione uma nova oportunidade de vida”, esclarece Cruz.

Dorca Moina, que, ao ser obrigada pelos pais a se casar com um idoso que já tinha outras esposas, fugiu e conseguiu abrigo no centro de acolhimento
Foto: Arquivo pessoal

Acolhimento feminino – Atentos ao tema da violência contra mulheres cristãs, o casal de missionários Ironi Isabel Ribeiro Sumary, 66 anos, e o Bispo Yona Sumary, 70 anos, criou, em 2014, na cidade de Arusha, na Tanzânia, África Oriental, o centro de acolhimento feminino Nyumba ya Bibi Sebastiana (Casa da Vovó Sebastiana, em tradução livre) – uma homenagem à mãe da missionária. Membros da Igreja Visão Profética, com sede em Rondonópolis (MT), e apoiados pela Aliança Ministerial Global (AMG), instituição que treina, envia e apoia missões em várias partes do Brasil e do mundo, Ironi e Yona ajudam meninas que fogem de casa para não serem vítimas de casamentos forçados, uma prática comum na Tanzânia.

Ao longo de mais de uma década, o abrigo já recebeu mais de 300 mulheres. “Durante o período em que estão na casa, elas aprendem corte e costura, que é o carro-chefe de nosso programa, são capacitadas em outras profissões e estudam outros idiomas”, ressalta a missionária, que também é pastora e formada em História e Missiologia.

Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, cumprimentando o líder russo Vladimir Putin em encontro na Ilha Russky, em Vladivostok
Foto: Divulgação / Kremlin

Um dos casos marcantes aconteceu com Dorca Moina, que pertencia a uma aldeia local. Obrigada pelos pais a se casar com um idoso que já tinha outras esposas, a adolescente de apenas 16 anos na época, fugiu e conseguiu abrigo no centro de acolhimento. Hoje, aos 18, ela ainda vive no espaço, sabendo que seus familiares a tratam como se tivesse morrido. A jovem conta que, sendo a única cristã de sua aldeia, foi pressionada, em diferentes ocasiões, a negar a sua fé. Dorca continua estudando e sonha reencontrar a família após se profissionalizar.

Para a missionária Ironi Ribeiro, é necessário criar mais organizações para resgatar outras moças, dando a elas a oportunidade de aprender uma profissão a fim de desenvolverem um trabalho que possa sustentá-las. “Não basta acolhê-las, precisamos capacitá-las. Ao conquistar independência, elas terão liberdade para tomar as próprias decisões. Entre elas, poder escolher com quem se casar”, enfatiza a pregadora, lembrando que o local acolhe também viúvas, mulheres vítimas de violência doméstica, que saem de casa com filhos pequenos, e crianças abandonadas pelos pais.

O advogado André Manoel Amaral Oliveira explica: “A ONU não pode intervir em questões internas de uma nação sem a permissão do Conselho de Segurança”
Foto: Arquivo pessoal

Intervenções externas – Indagado por nossa reportagem sobre o motivo pelo qual a Organização das Nações Unidas (ONU) – estabelecida em 1945 e formada por 193 países-membros para promover a paz, a segurança e os direitos humanos – não toma atitudes práticas contra nações que permitem a violência contra mulheres, o advogado André Manoel Amaral Oliveira ressaltou que a organização está obrigada a respeitar o princípio da soberania dos Estados. Tal postulado, próprio do direito internacional, garante que um país não seja obrigado a se submeter à autoridade de outro. “Por causa disso, a ONU não pode intervir em questões internas de uma nação sem a permissão do Conselho de Segurança”, explica Oliveira, referindo-se ao órgão responsável por tomar decisões mais delicadas, como autorizar intervenções militares, enviar missões de paz e impor sanções.

O Rev. Amauri Costa de Oliveira lembra que existe uma característica comum a todos os países fechados ao Evangelho que, consequentemente, faz das mulheres suas principais vítimas: a visão de seus governantes de que existe uma superioridade masculina
Foto: Arquivo pessoal

Segundo o advogado, muitos países assinam tratados internacionais por conveniência diplomática, sem compromisso de implementá-los. Ele faz menção, por exemplo, à Resolução 36/55, de 1981, estabelecida na Assembleia Geral da ONU, que trata da Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções. Além disso, observa André, o documento é inócuo, porque não estabelece mecanismos coercitivos e muito menos algum tipo de comprometimento genuíno. “Nas nações em que normas culturais e religiosas se opõem aos valores ocidentais de igualdade, essas declarações são ignoradas ou aplicadas de modo raso”, afirma o jurista, o qual pondera ainda que, em muitos países fechados ao cristianismo, há um grande distanciamento do verdadeiro entendimento da expressão “dignidade humana”, que se tornou uma das bases da sociedade ocidental. André cita o caso da Coreia do Norte, que se mantém na liderança do ranking das nações mais fechadas ao Evangelho na Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2025. “Por causa de uma visão autocentrada e desumanizadora, o líder político desse país [Kim Jong-un] é praticamente idolatrado, mesmo sendo alguém capaz de permitir o cometimento das piores atrocidades.”

O Pr. Felipe Valeriano Menezes confirma que as mulheres são vítimas de violência e discriminação em ambiente privado. Dessa maneira, é comum haver a subnotificação dos casos, visto que elas não registram a queixa nas delegacias
Foto: Arquivo pessoal

Superioridade masculina – Na opinião do Rev. Amauri Costa de Oliveira, presidente da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT), existe uma característica comum a todos os países fechados ao Evangelho que, consequentemente, faz das mulheres suas principais vítimas: a visão de seus governantes, influenciados por aspectos culturais e religiosos, de que existe uma superioridade masculina. “Na prática, essa condição acaba se refletindo em restrição de direitos, como o acesso à educação, vedado à população feminina em algumas nações. Nesses lugares, inclusive, algumas mulheres concordam com a absurda ideia de que são inferiores.”

Mestre em Ciências da Religião, Amauri Costa ressalta que nem sempre a violência surge em função de orientações religiosas, mas salienta que, mesmo não pregando atos violentos, há religiões que se mostram coniventes com tais práticas. Por isso, na opinião do pastor, em uma análise mais ampla, o fator cultural tende a exercer influência maior no modo de agir e de pensar dos indivíduos. “Esse comportamento está impregnado nas gerações formadas ao longo da consolidação dessa cultura e tem sido perpetuado”, afirma.

Foto: Domingo / Gerado com IA / Adobe Stock

Visão semelhante tem o Pr. Felipe Valeriano Menezes, que, desde 2022, é líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) na Armênia, uma antiga república soviética localizada na montanhosa região do Cáucaso, entre a Ásia e a Europa. Nessa nação, de quase 3 milhões de habitantes, a violência contra as mulheres não é algo comum, mas há ocorrência de casos pontuais. “Na maioria das vezes, elas não têm a quem recorrer. Esse cenário faz a situação delas parecer insolúvel”, anuncia o ministro, assinalando que já ouviu relatos de esposas que foram agredidas por seus maridos e que, mesmo tendo acionado a polícia, a questão não foi resolvida. Nesse tipo de agressão, as autoridades armênias alegam que não podem interferir em assuntos do casal.

O relato do Pr. Felipe Menezes confirma outro dado trazido pelo relatório da Missão Portas Abertas: as mulheres são vítimas de violência e discriminação em ambiente privado. Dessa maneira, é comum haver a subnotificação dos casos, visto que elas não registram a queixa nas delegacias. O pastor defende que o caminho para amenizar esse problema seria alterar a legislação, criando leis mais rígidas contra esses crimes e oferecendo programas educativos que busquem transformar comportamentos. Além disso, ele acredita que deve ser reforçado o papel espiritual da Igreja. “Precisamos orar para que haja mudanças que favoreçam essas mulheres, assegurando-lhes dignidade e o direito de professar sua fé livremente”, conclui.


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