Missões / Índia
01/04/2020Capa | Evangelização
01/05/2020Entendes tu o que lês?
Compreender a Palavra de Deus, além de ser perfeitamente possível, deve ser o alvo de todo cristão
Por Evandro Teixeira
A passagem que narra o encontro de Filipe com um etíope é muito conhecida: E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse (At 8.30, 31). Conforme o registro bíblico, após assimilar a mensagem bíblica, explicada pelo servo de Deus, o homem creu em Cristo: Então, Filipe, abrindo a boca e começando nesta Escritura, lhe anunciou a Jesus. E, indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? (At 8.35,36).
A Bíblia é o livro mais lido do mundo. No entanto, tal como o personagem anteriormente citado, existem pessoas que não a compreendem. A Sociedade Bíblica Britânica fez, recentemente, um levantamento para saber o interesse dos cristãos ingleses pela leitura das Escrituras. Embora a sondagem tenha constatado um percentual pequeno de desinteressados (18%), chamou a atenção dos pesquisadores a justificativa apresentada por essa parcela: a dificuldade de entender o Texto Sagrado.
Entretanto, não é verdade que a Bíblia seja incompreensível – ainda que, para alguns, ela possa parecer um obstáculo instransponível. A pedagoga Lilian Bragança dos Santos, 33 anos, diz que, mesmo tendo lido algumas vezes a Palavra, antes e depois de sua conversão, sentiu dificuldade para apreender seu conteúdo. Hoje, Lilian, que é membro da Igreja do Evangelho Quadrangular em Santa Eugênia, na cidade de Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense, conta que precisou da ajuda de seus pastores para vencer esse impasse. “Assim que me converti, senti a necessidade de me aprofundar no conhecimento das Escrituras. Contudo, não fazia o principal: pedir ao Espírito Santo que me desse o entendimento”, relata ela, a qual agora lê a Palavra diariamente. A serva fiel conta que já teve a oportunidade de falar das Sagradas Letras para amigos e que, sempre que tem uma chance, testemunha como é importante se dedicar a essa leitura. “A Bíblia nos alimenta, responde a nossos questionamentos e nos dá base para uma vida de comunhão com Jesus.”
O professor de Teologia, Ezequiel Pereira da Silva, da Assembleia de Deus do Ouro Fino, em Comendador Soares, Nova Iguaçu (RJ), frisa que, para obter a compreensão plena do Livro Sagrado, o indivíduo precisa passar pelo processo da regeneração. Ezequiel defende que os não salvos estão desprovidos da capacidade espiritual de assimilar as verdades contidas nas Escrituras. Para fazer tal afirmação, ele se baseia no texto: Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente (1 Coríntios 2.14). “Os não convertidos encontrarão barreiras para absorver as verdades bíblicas, porque elas atingem a natureza pecaminosa deles. Por isso, tendem a rejeitá-la”, completa o educador.
“Graça e conhecimento” – O Rev. José Paulo Brocco, da Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, no bairro Bela Vista, em São Paulo (SP), reconhece que há trechos bíblicos de difícil compreensão. Mas explica que isso se deve, em parte, à falta de expositores fiéis ao Texto Santo e de ouvintes interessados em aprofundar o conhecimento. Ele acrescenta que muita gente prefere apenas ouvir, não investindo seu tempo na meditação da Palavra, como orienta o salmista: Antes, tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite (Sl 1.2). “A dificuldade para entender a Bíblia não deve ser motivo para deixar de estudá-la”, adverte.
Para Brocco, convém esclarecer que não captar, de imediato, determinadas doutrinas bíblicas não significa que o problema está no Texto Sagrado nem em seu Autor final, o Altíssimo: trata-se de uma limitação humana que precisa ser superada. “Sem esse entendimento, o cristão não crescerá na graça e no conhecimento”, afirma o líder presbiteriano, que faz o seguinte questionamento: “Se não houver uma verdadeira compreensão da Palavra, como o cristão alcançará a motivação correta para adorar a Deus?”.
O Pr. Gunar de Andrade: “As tradicionais usam uma linguagem mais distante do nosso dia a dia. No entanto, são mais fiéis aos originais”
Fotos: arquivo pessoal
Ser enganado por ensinamentos heréticos transmitidos por oportunistas é outro risco para aqueles que não buscam o entendimento correto das Escrituras. É o que observa o Pr. Gunar Berg Doreto de Andrade, diretor da Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus (EETAD), em Campinas (SP). Ele alerta, inclusive, para o Texto Sagrado nas versões mais modernas. “As tradicionais usam uma linguagem mais distante do nosso dia a dia. No entanto, são mais fiéis aos originais”, ressalta.
Nas edições mais antigas, segundo Doreto de Andrade, os primeiros tradutores tiveram o cuidado de se aproximar dos textos em hebraico, grego e aramaico, pondo as palavras em português na mesma sequência dos originais e mantendo uma equivalência formal. Embora o resultado possa, às vezes, soar estranho, o líder garante ser essa a melhor forma de manter os escritos puros. De acordo com Andrade, o caminho para superar a barreira da compreensão das Escrituras não passa pela adoção de versões simplificadas. “A saída é desenvolver o hábito regular da leitura. Caso a Palavra ofereça alguma dificuldade, uma das opções é recorrer aos comentários bíblicos.”
O professor e mestre em Ciências da Religião, Gilberto da Silva, da Igreja Pentecostal Monte da Oração, em Jardim Guarani, na cidade de São Paulo (SP), concorda que as versões em linguagem atual precisam ser lidas com cautela. Silva pensa que essa leitura deve ser feita paralelamente com o texto mais tradicional justamente por este valorizar o contexto dos escritores. “Por serem mais fiéis aos originais, as Bíblias tradicionais permitem ao leitor a oportunidade de extrair lições espirituais com pouca interferência do tradutor”, argumenta.
Foto: Arquivo pessoal / Marcelo Santos
O Pr. Orlando Eduardo Capellão Martins: “Quanto mais investimentos houver nessa área, mais cristãos terão vontade de ler o Texto Sagrado”
Fotos: Arquivo pessoal
Vontade de ler – A falta de hábito de leitura, de acordo com o professor de Teologia, Ezequiel Pereira da Silva, atrapalha bastante a compreensão do texto bíblico. “Muitos ignoram essa prática. É por meio dela que sentimos Deus falando conosco”, observa Ezequiel, acrescentando que a liturgia dos cultos, em algumas igrejas, incentiva (sobretudo junto aos jovens e novos obreiros) uma valorização maior do louvor e deixa um pouco de lado o contato com a Palavra. Esse comportamento faz o esclarecimento completo das Escrituras ser prejudicado: “Algum conhecimento até pode ser aprendido, mas eles irão desenvolver uma vida cristã superficial.”
Na opinião do pastor e professor de Teologia, Orlando Eduardo Capellão Martins, membro da Igreja Mais de Cristo, em Florianópolis (SC), além da falta de apreço pela leitura, o desinteresse pelo entendimento da Palavra é reflexo da falta de ensino de qualidade em algumas igrejas. Para Martins, várias denominações não investem em um programa de educação cristã eficaz. Por essa razão, as comunidades evangélicas deveriam promover mais estudos bíblicos, seminários, cursos e palestras, a fim de levar os membros a um conhecimento mais sólido das Escrituras. “Quanto mais investimentos houver nessa área, mais cristãos terão vontade de ler o Texto Sagrado.”
O Pr. Emerson José de Souza lembra que a Palavra “não deve ser lida como um livro comum, mas, sim, estudada com zelo”
Fotos: Arquivo pessoal
Por sua vez, leitores contumazes da Bíblia, como o Pr. Otacílio Rodrigues, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Santo Antônio da Platina (PR), evidenciam a necessidade de total empenho por parte daqueles que se dedicam ao ensino da Palavra para que as pessoas possam compreender o que é lido. Citando Romanos 12.7 (Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino), Rodrigues destaca a importância de pastores preparados para ministrar a Palavra de forma didática. Desse modo, é imprescindível buscar a inspiração do Espírito Santo para obter o entendimento da mensagem divina. “Só assim poderemos conhecer aquilo que o Senhor deseja que saibamos acerca dEle mesmo.”
O Pr. Emerson José de Souza, graduado em Teologia e líder da IIGD em Genibaú, na capital cearense, Fortaleza (CE), lembra que, há anos, a Igreja da Graça oferece diversos cursos na Academia Teológica da Graça de Deus (Agrade) justamente para ajudar os membros a crescer diariamente no conhecimento da Bíblia. Souza acredita que é relevante as Igrejas terem um bom ministério de ensino para o povo permanecer firme e forte na fé. “A Palavra, porém, não deve ser lida como um livro comum, mas, sim, estudada com zelo”, alerta ele, salientando que, em certos casos, a dificuldade de estudar a Escritura constitui uma luta espiritual e uma barreira a ser enfrentada com determinação.
Ler e crer
A Bíblia não é apenas o livro mais lido em todo o mundo como também o mais vendido. Ela já foi traduzida, aproximadamente, para três mil idiomas, e estima-se que mais de 3,9 bilhões de exemplares tenham sido vendidos em todo o globo até hoje. A invenção da imprensa, na década de 1430, e o advento da Reforma Protestante – iniciada em 1517, a qual propunha a leitura das Escrituras, por todos os fiéis, no próprio idioma – foram fundamentais para a popularização da Palavra.
Contudo, a plena compreensão bíblica não é tão simples. Por isso, o leitor carece de alguns cuidados, entre eles:
– entender que a Bíblia não é um livro, e sim uma coleção de 66 livros, todos escritos em períodos diferentes;
– ter em mente, ao ler o Texto Sagrado, que ele jamais se contradiz; ao contrário, complementa-se;
– saber que os livros nem sempre estão dispostos na ordem cronológica dos acontecimentos. Assim, buscar comentários e outros recursos, com o intuito de situar cada obra no tempo, pode ser necessário para melhor compreensão do texto;
– começar a leitura, por exemplo, pelos evangelhos e pelas cartas de Paulo, pois são mais simples de assimilar do que os livros dos profetas;
– recorrer a livros ou comentários bíblicos pode ser valioso para internalizar aquilo que se está lendo;
– entender que os 66 livros foram redigidos por homens tementes a Deus e inspirados por Ele. Assim, acima de tudo, a Bíblia somente pode ser compreendida com a ajuda do próprio Autor, o Espírito Santo. Pedir ajuda ao Senhor, a fim de compreendê-la, será sempre indispensável. (Élidi Miranda)