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Projeto de lei que pretende impor limites sonoros a celebrações religiosas divide opiniões
Por Evandro Teixeira
Diversos estados e municípios brasileiros possuem leis que impõem limites para o volume de som produzido durante cultos evangélicos e outros eventos religiosos. Porém, desde o ano passado, tramita, no Congresso Nacional, uma proposta que pretende unificar esse regramento em todo o território nacional. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 5.100/2019, o qual prevê, além de restrições para a emissão sonora, uma série de punições aos infratores [Leia o quadro Sanções previstas]. Caso o texto seja aprovado e sancionado como está, a propagação do som no ambiente externo das igrejas não poderá ultrapassar 85 decibéis (dB) nas zonas industriais, 80dB nas áreas comerciais e 75dB nas residenciais. Em shows ou em apresentações com trios elétricos, o volume do som somente poderá chegar a 130dB, mas, entre 22h e 6h, o vazamento sonoro não poderá ultrapassar 10dB. De acordo com a proposta, as limitações buscam estabelecer uma harmonia entre a proteção à saúde e o exercício da liberdade de crença, sendo assim assegurar uma condição razoável para a realização das programações religiosas e proteger a vizinhança de possíveis excessos.
Diferença de tratamento – O Rev. Eber Cocareli, diretor e apresentador do programa Vejam Só!, exibido pela Rede Internacional de Televisão ( RIT), reconhece que o excesso sonoro é um problema. “O barulho é um som que incomoda. Por isso, deve ser evitado”, opina o pastor, observando que, embora o projeto inclua todos os credos religiosos – e não apenas as igrejas evangélicas –, deveria contemplar igualmente os conhecidos bailes funk e assemelhados, em que o som sempre passa do limite humanamente suportável. Sob esse ponto de vista, frisa ele, essa diferença de tratamento pode soar como perseguição religiosa. “Infelizmente, alguns poderão questionar: Por que só os templos religiosos terão esse controle?“
Porém, Cocareli acredita que muitas igrejas não terão problema em se adequar à norma, como é o caso da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD). Devido à sua forma litúrgica, a IIGD, que possui milhares de templos no Brasil e dezenas no mundo, não é alvo de reclamações nos espaços físicos onde está instalada. “Além disso, os pastores da Igreja da Graça são fortemente orientados a cativar a simpatia da população que vive no entorno das igrejas.”
O Pr. Alex Pacheco Fonseca, líder da IIGD no Parque Piauí, em Teresina (PI), tem opinião semelhante à do Rev. Eber Cocareli. Ele tem consciência dos inconvenientes gerados pelos excessos sonoros e faz um adendo dizendo que, em comparação com outras denominações, a duração dos cultos na IIGD, geralmente, é mais curta, por determinação do próprio Missionário R. R. Soares. Fonseca crê que as mudanças propostas na lei não atrapalharão as atividades eclesiásticas. Do seu ponto de vista, ao estabelecer um regramento em nível nacional será mais fácil identificar estados e municípios que, eventualmente, estejam se excedendo nesse controle. “Trará uma harmonia entre o poder público e as igrejas.”
O advogado Flávio Paulo de Souza, da Assembleia de Deus no Carmary, em Nova Iguaçu (RJ), concorda com o Pr. Alex Fonseca. Segundo o especialista, um dos fatores que levaram a apresentação dessa proposta ao Senado foram exatamente as reduções arbitrárias de limites sonoros aplicados em algumas cidades. “Assim, será possível evitar que interesses locais indevidos possam prejudicar ou beneficiar qualquer grupo religioso.” Para Souza, a proposição visa assegurar razoáveis condições de exercício da religiosidade e proteger a vizinhança, o que favorece uma rápida e pacífica solução de possíveis conflitos.
Afronta à Constituição – Já o advogado Thiago Rafael Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), lembra que o PL está amparado no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil (Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações), mas que o texto sugere marcações sonoras muito baixas para uma reunião religiosa. “Qualquer conversa entre três pessoas ultrapassa facilmente 75dB”, explicita Vieira.
Na opinião do presidente do IBDR, é afrontado outro princípio constitucional, constante no inciso VI do Artigo 5º da Constituição Federal: É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. “Com os limites de decibéis propostos, estamos diante de uma violação da liberdade de culto”, acrescenta Vieira, salientando que esses termos precisam ser revistos a fim de que a lei não coloque em risco essa liberdade tão cara a todos os brasileiros.
Membro da Igreja Batista Filadélfia, em Canoas (RS), o advogado pensa ser necessário observar as particularidades da localização de cada congregação. Ele diz que, apesar de o PL delimitar os níveis de emissão sonora permitidos de acordo com o zoneamento urbano, outros pontos deveriam ser considerados, como o fluxo de pessoas e o perfil da vizinhança. No entendimento de Thiago Vieira, essa padronização pode ser ruim para as comunidades cristãs situadas em espaços onde a quantidade de moradores nos arredores não justificaria o controle sonoro previsto no projeto.
Por sua vez, a cientista social Rosângela Paes Romanoel, membro da Igreja Evangélica Renovar Vidas, em Uberaba (MG), enxerga a proposta como algo desnecessário. Ela evidencia que já existe legislação que trata do tema, como a Lei Federal das Contravenções Penais, que, em seu artigo 42, penaliza qualquer indivíduo que perturbar o sossego alheio. A cientista social considera grave que o PL 5.100/2019 preveja punição apenas para o segmento religioso. Para Romanoel, se a proposta for aprovada com esse teor, poderá ser usada por pessoas que não têm apreço pelos evangélicos, dando margem a denúncias infundadas e reiteradas. Isso, segundo ela, poderia desmotivar vários líderes evangélicos a realizar cultos. “Já que não existem leis que forcem um cristão a negar sua crença, tenta-se, valendo-se de um documento legal, atrapalhar o exercício da fé.” E, embora a abrangência da lei contemple todos os credos, a profissional compreende que esse é apenas um disfarce. “Seria uma forma de não denotar que a perseguição é mais voltada para o povo evangélico.”
Mesmo não vendo nessa proposta uma tentativa direta e imediata de limitar a liberdade de culto, o Pr. João Gonçalves da Silva, auxiliar na Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), percebe indícios sutis de uma futura perseguição. Pessoas mal-intencionadas, enfatiza ele, podem utilizar esse dispositivo legal fora de sua finalidade para atingir as igrejas. E, ao prestar atenção ao que diz a Palavra, sobretudo em relação aos prenúncios da volta de Jesus, ressalta que os cristãos terão de enfrentar essas situações. “Vivemos os sinais dos últimos tempos”, conclui.
ONDE DENUNCIAR
O PL 5.100/2019 prevê que as medições da propagação sonora sejam feitas pelas autoridades ambientais, acompanhadas por representantes indicados pela direção do local. Segundo o escrito, a punição para os templos que extrapolarem os limites previstos na lei não deve ser imediata. Para constatar o excesso, será usada a média aritmética de três aferições feitas com intervalo de 15 minutos entre elas. Se o barulho for, de fato, excessivo, será dado prazo de até 180 dias para adoção das providências de adequação sonora.
Caso o problema não seja resolvido nesse prazo, serão aplicadas as sanções previstas no artigo 14 da Lei 6.938/1981: multa de 10 a 1.000 ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional); perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento nos estabelecimentos oficiais de crédito; e até suspensão da atividade. O projeto de lei também prevê indenização ou reparo a danos causados ao meio ambiente e a terceiros.
(Fonte: Agência Senado)