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01/05/2021Direito da família
Brasil apoia resolução da OEA que reafirma a importância dos pais na formação moral e religiosa dos filhos
Por Evandro Teixeira
A Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou no final de 2020 sua 50ª Assembleia Geral, cujo objetivo foi definir as resoluções anuais do órgão. Entre as muitas propostas apresentadas, uma chamou a atenção: garantir a liberdade de os pais darem aos filhos educação moral e religiosa conforme suas crenças. O adendo apresentado por Chile, Estados Unidos e Bolívia, que altera a Resolução 2.961 do órgão, contou com o apoio do Brasil.
O texto é amparado no artigo 12 de um dos mais importantes documentos da OEA, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica), e no Artigo 18 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que é parte da Carta das Nações Unidas. Ambos artigos defendem a liberdade de consciência e de religião e versam sobre a autonomia das famílias na educação dos filhos.
Porém, apesar de tratar-se de uma demanda legítima, já que encontra amparo em outros documentos, a proposta foi duramente criticada pelas delegações de Argentina, México, Canadá, Peru e Costa Rica. Com isso, o texto sofreu uma modificação, passando a ressalvar que o interesse maior das crianças em relação ao ensino tem de ser respeitado. De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, além desses países, outras organizações da sociedade civil reclamaram das possíveis repercussões que o adendo poderá ter nas políticas públicas dos países membros. Entre as consequências consideradas nefastas por seus detratores – fazendo parte deles, a organização não governamental brasileira Conectas Direitos Humanos –, está a legalização do ensino domiciliar (homeschooling), modalidade de ensino em que a família se responsabiliza por prover a formação acadêmica, uma atribuição dada apenas às escolas. Além disso, os críticos também temem que as famílias mais religiosas venham a pressionar as instituições de ensino a oferecer ensino confessional, interferindo na escolha dos professores dessa disciplina.
“Hipóteses infundadas” – Para além das especulações, o fato é que resoluções da OEA não têm efeito prático direto sobre os países-membros, pois são apenas recomendações. Observadores dizem que o apoio do Brasil à proposta se justificaria devido ao ordenamento jurídico nacional conferir grande responsabilidade à família na formação integral dos filhos, principalmente no que se refere à religião. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Proteção à criança]
Para o Pr. Niger Silva Martins, líder da Igreja de Nova Vida Ministério É de Deus, em Cascadura, zona norte carioca, a proposta é positiva. Em sua opinião, os argumentos contrários a ela são meramente especulativos e tiram o foco da temática central. “Criam-se hipóteses infundadas para tirar a credibilidade do documento. Os temas levantados pelos grupos discordantes, embora importantes, nem eram alvo do debate”, comenta o líder, acrescentando que, mesmo estando consolidado no Brasil o direito de as famílias conduzirem a formação moral e religiosa dos filhos, não existe qualquer interferência dos pais na escolha dos professores de ensino religioso nas instituições de ensino. “As escolas possuem total liberdade para escolher seus profissionais”, ressalta Martins, destacando que, por sua vez, os responsáveis têm o direito de matricular seus filhos no estabelecimento de sua preferência.
Ainda com relação ao ensino religioso confessional, o advogado e professor universitário Daniel Teixeira de Assis lembra que há uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao tema: a mais alta corte do país já julgou improcedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.439) relativa ao ensino religioso nas escolas públicas do país. Na ação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010) no que se refere ao modelo de ensino religioso nas escolas públicas do país. “Com essa decisão, as instituições escolares podem lecionar essa disciplina vinculada a uma religião específica”, explica o jurista.
Para o professor de Ensino Religioso Rondinelli Laurindo Felipe, da Igreja Metodista de Monte Castelo, em Juiz de Fora (MG), essa questão deve ser vista de forma ampla, pois, o Brasil é, de fato, predominantemente cristão, embora, ao mesmo tempo, seja um rico campo religioso. Nesse contexto, acentua ele, os adeptos de todos os segmentos devem ser contemplados e ter os mesmos direitos no que diz respeito ao ensino religioso. “No ambiente escolar, esse tipo de ensinamento é indispensável para uma formação mais ampla do educando.”
Líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Ponta Grossa (PR), o Pr. Milton Hideki Awane observa que, apesar de a educação religiosa ser um tema bastante discutido na sociedade, na prática, a disciplina não tem sido ministrada – principalmente nas escolas públicas. Apenas algumas instituições confessionais evangélicas têm dado importância a essas aulas. Milton Awane vê com bons olhos o adendo que altera a Resolução 2.961 da Assembleia Geral da Organização de Estados Americanos. “Mesmo o Brasil sendo um país laico, é positivo o apoio dado pelo governo brasileiro à proposta apresentada na OEA.”
Processo de formação – Por outro lado, muitas famílias preferem assumir todo o processo de formação escolar dos filhos – incluindo a parte religiosa: são os adeptos do ensino domiciliar (homeschooling). Conforme explana a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), existem atualmente no Brasil 7,5 mil famílias que praticam esse modelo de ensino, amplamente utilizado em países, como Estados Unidos, Inglaterra, Suíça, Finlândia e Canadá.
No entanto, a educação em casa não é uma prática respaldada pela legislação brasileira vigente, que demanda a matrícula de crianças em uma instituição de ensino pública ou privada a partir dos quatro anos. Em 2018, o plenário do STF negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) 888.815 sobre a possibilidade de o homeschooling ser considerado um meio lícito de prover educação formal. O pedido não foi acolhido pelos ministros, que alegaram a falta de uma legislação que regulamente preceitos e regras aplicáveis a essa modalidade. Porém, a Corte não considerou o modeloinconstitucional, pavimentando, assim, o caminho para sua legalização por meio dos sete projetos de lei sobre o tema que tramitam no Congresso Nacional.
Sobre o ensino domiciliar, a pedagoga Quezia Smatavicius Braga Herzog, membro da Assembleia de Deus em Petrópolis (RJ), evidencia que a prática requer um grande comprometimento das famílias. Segundo ela, se por um lado, os pais podem proteger seus filhos, resguardando-os de abordagens que contrariem os ensinamentos familiares, por outro, o desenvolvimento dos pequenos poderá ser comprometido por deixarem de estar em um ambiente coletivo. “Educar não é uma tarefa simples, pois exige amplos esforços para alcançar o bom desempenho dos estudantes.”
Quanto à questão central da discussão levada à OEA (o direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos filhos), Quezia destaca a relevância do tema e lembra que a família como instituição divina precisa ser compreendida e respeitada no seu papel de ensinar o valor moral e religioso para os filhos. “Aos pais, compete dar-lhes uma orientação conforme suas crenças e seus valores; e ao Estado cabe promover e incentivar o respeito à diversidade religiosa.”
Caráter cristão – A psicopedagoga Evanize Rodrigues Flôres de Oliveira, da Assembleia de Deus de Cabuçu, em Nova Iguaçu (RJ), também acredita que os pais devem ser os principais agentes na educação moral e religiosa dos filhos. No entanto, ela alerta para o fato de que necessitam estar bem preparados, sobretudo emocionalmente, e acrescenta que, uma vez estando conscientes da importância desse tipo de orientação para a vida espiritual dos filhos, algumas famílias se empenham na tarefa de forjar neles o caráter cristão. Assim, mesmo sem muita didática, salienta a especialista, valem-se dos exemplos e das práticas cristãs para instruí-los conforme a Palavra. “Em seu convívio familiar, as crianças conseguem processar o modelo que lhes é apresentado, por meio de atos e falas, como parâmetro de comportamento.”
O Pr. Jeferson Barbosa Vieira, 52 anos, pai de quatro crianças que estão no Ensino Fundamental, sabe de sua responsabilidade na educação religiosa dos filhos. Porém, acredita que essa não precisa ser uma tarefa exclusiva das famílias, já que as escolas confessionais podem atuar dando suporte aos pais, reforçando o que é ensinado em casa. Contudo, de acordo com ele, que dirige uma congregação da Igreja do Evangelho Quadrangular, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), é possível estabelecer uma parceria entre a família e a direção escolar, desde que cada um desses agentes tenha consciência de seu papel no processo. “Aos pais, por exemplo, cabe estar atentos a tudo o que acontece com os filhos, dentro e fora de casa. Devemos estar com nossos olhos e ouvidos espirituais sensíveis a qualquer mudança de comportamento em nossos pequenos.”
A Pra. Eristélia Bernardo Martins, líder da IIGD em Caratinga (MG), sublinha que a própria Constituição brasileira garante aos pais o direito de transmitir aos filhos seus valores e suas crenças. “O Estado não tem poder de interferir na nossa liberdade de cultuar”, pontua a pastora, reconhecendo, entretanto, que há indícios de intolerância à moral e à religião cristã (que prevalecem na maioria dos países americanos) nas críticas feitas à proposta apresentada na OEA. Segundo ela, a inexistência de perseguição religiosa explícita no Brasil e em outros países do continente não significa que os servos de Deus deixarão de ser alvo de críticas e de ações contrárias aos ensinamentos bíblicos. “Podemos enfrentar dificuldades para defender nossa fé, porém precisamos nos manter firmes naquilo em que acreditamos”, conclui.
Proteção à criança
Todo o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a família como base dasociedade. A própria Constituição Federal diz que ao Estado cabe assegurar à criança e ao adolescente direitos fundamentais, entre eles, o direito à liberdade, inclusive religiosa (Artigo 227). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, prevê que todas as oportunidades devem ser dadas aos seus destinatários para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (Artigo 3º). O parágrafo único acrescido pela Lei nº 13.257/2016 ao Artigo 22 do ECA confere ao pai, à mãe ou aos responsáveis o direito de transmitir suas crenças, desde que respeitada a legislação vigente. Além disso, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, a sigla em inglês), ratificada pelo Brasil, reconhece o direito à liberdade de religião, sujeitando-o às diretrizes dos pais ou responsável e à legislação nacional (Artigo 14).
(Fonte: OAB Paraná)