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Pesquisa aponta que o número de evangélicos cresce rapidamente na América Central e ultrapassa a soma de católicos em alguns países
Por Patrícia Scott*
Devido à colonização espanhola, a América Central sempre teve maioria de católicos. No entanto, essa tradição secular tem mudado nas últimas décadas. De acordo com a segunda edição do levantamento Afiliação, participação e práticas religiosas, realizado em 2023 pela agência M&R Consultores, a fé evangélica tem se tornado majoritária em diversos países da região: 42% dos entrevistados se identificam como protestantes, e 39,9%, católicos romanos.
A Nicarágua é um dos casos mais representativos dessa mudança religiosa: desde 1950, a Igreja Católica perdeu 60% de fiéis no país, representando apenas 34,2% da população hoje. Por outro lado, os evangélicos totalizam 47,5% dos nicaraguenses. De acordo com a pesquisa, Honduras segue o mesmo caminho – 47,3% de protestantes contra 35,1% de católicos –, assim como a Guatemala (45,2% de evangélicos e 40,3% de católicos) e El Salvador (43,5% de crentes e 36,2% de adeptos do catolicismo).
Entretanto, os dados mostram que a Igreja Católica ainda predomina em dois países: Costa Rica e Panamá, com 43,6% contra 35,1% de evangélicos, e 49,9% contra 33,2%, respectivamente. Segundo a M&R Consultores, o objetivo da pesquisa – feita com 3 mil entrevistados e com nível de confiança de 95% – era avaliar e medir a evolução da religião na América Central.
De acordo com o Pr. Ruy Oliveira, coordenador para as Américas da Junta de Missões Mundiais (JMM), órgão ligado à Convenção Batista Brasileira, o Evangelho está avançando na América Central. “Existe celebração, mas também preocupação, pois o número dos sem religião tem aumentado, como em Cuba”, salienta o pastor, que aponta para outro desafio. “Percebe-se que os trabalhos de missões internacionais diminuíram em alguns países, especialmente naqueles que enfrentam dificuldades sociopolíticas”, destaca Oliveira, citando a Nicarágua, onde as portas foram fechadas para missionários estrangeiros graças à ditadura de orientação socialista do presidente Daniel Ortega. Segundo ele, tanto na Nicarágua quanto em Cuba, onde o trabalho missionário estrangeiro também é proibido, tem havido mobilização das igrejas locais em campanhas evangelísticas.
Por outro lado, de acordo com Ruy Oliveira, em vários países da região, existe um despertamento das igrejas locais, empenhadas em levar ao povo a mensagem da cruz. Entretanto, ele reforça a necessidade de treinar pessoas para que preguem a Palavra e, ao mesmo tempo, transformem a realidade daquelas comunidades. “Deve haver o discipulado e o treinamento de líderes, fortalecendo o protagonismo das igrejas locais. Muitas têm boas estruturas, mas faltam visão missionária e educação missiológica quanto ao engajamento na Grande Comissão.”
Oliveira sinaliza que, nas nações onde cresce o número de evangélicos, o avanço é consequência de fatores que passam despercebidos. “Alguns deles não remetem à força da evangelização missionária, mas à decepção com a religião majoritária [o catolicismo]”, enfatiza Oliveira, destacando o que vem ocorrendo em Honduras, na Costa Rica, em Cuba e na Guatemala.
Transformações da sociedade – O Prof. Arão Alves, mestre em História Social, acrescenta que o crescimento do protestantismo na América Central acontece em linha com o estabelecimento de Estados laicos, responsáveis por acabar com o monopólio do catolicismo romano. De acordo com ele, houve abertura de espaço para o cidadão conhecer outra fé e para os missionários evangélicos pregarem a Palavra com liberdade. Além disso, o estudioso frisa que o grupo evangélico, por ter uma liderança descentralizada, tem maior facilidade de adaptação às transformações sociais. “O centralismo católico torna a Igreja Romana mais pesada, hermética e com dificuldade de se modificar e se adaptar aos novos tempos”, analisa Alves, reforçando que a inexistência de uma administração central, de uma unidade evangélica mundial, permite maior flexibilidade e variadas adequações, respeitando as especificidades de cada localidade. “Isso faz com que o indivíduo se identifique com a igreja que se adaptou à sua realidade.”
De acordo com esse espectro, é possível citar o evangelismo da Igreja Internacional da Graça de Deus. Apesar de ainda não contar com congregações nos países da América Central, a IIGD usa as redes sociais e os sites, há mais de uma década, para pregar a mensagem de Jesus naquela região. Na opinião do Pr. Anselmo Battistella, líder da Igreja da Graça na Argentina, a web tem sido fundamental para elevar o número de evangélicos naquela área. “A população centro-americana tem sede de aprender a Palavra, e, por meio da internet, os povos de países, como Panamá, República Dominicana, Costa Rica, El Salvador e Honduras, estão sendo alcançados. É surpreendente observar o quanto estão buscando a Verdade”, afirma o líder. Segundo ele, está em curso uma onda de salvação nessa área: “A partir de programas de TV e de internet, que facilitam a divulgação da Palavra, encontramos corações preparados para dar frutos”.
O Pr. León Costa, líder da IIGD no Peru, tem a mesma visão a respeito do crescimento do Evangelho na América Central: muitas pessoas buscam significado e esperança para sua existência. “A presença de comunidades cristãs comprometidas e o impacto positivo dessas crenças na vida das pessoas contribuem para o crescimento contínuo do Evangelho nesses países.” Por outro lado, o líder ressalta que a Igreja Evangélica ainda tem desafios a enfrentar naquela região: acesso difícil a áreas remotas, pobreza, diversidade cultural e religiosa e a necessidade de adaptar as mensagens e práticas às mudanças sociais. “O diálogo inter-religioso e a relação com tradições culturais locais podem representar desafios específicos”, acrescenta.
Franco crescimento – O Haiti é um exemplo de que a Igreja Evangélica está avançando na América Central. “Por muitas gerações, a religião principal foi o vodu, mas, com o passar dos anos, o Evangelho cresceu”, informa a missionária Leilcia Silva, que atua desde 2018 naquele país caribenho, vizinho da República Dominicana.
Ela é membro da Assembleia de Deus em Paracambi (RJ) e ressalta que, em 2010, a porcentagem de cristãos haitianos era de apenas 8%. No entanto, após o grande terremoto que destruiu quase todo o território, em janeiro daquele ano, houve grandes mudanças. “Diversas igrejas começaram a pregar a Palavra com afinco, e muitos missionários chegaram. Agora, 36% da população pertence a alguma denominação evangélica”, celebra.
Entretanto, a missionária reconhece que os desafios no Haiti são imensos. O país vivencia graves problemas de segurança, com alto número de sequestros. “Nesses últimos dois anos, inúmeras igrejas foram fechadas por causa do avanço das gangues”, revela Leilcia, assinalando que não é possível fazer evangelismo nas ruas e praças. A solução é realizar ações desse tipo em estacionamentos de supermercados, onde há maior sensação de segurança. “As pessoas param para ouvir a Palavra, e quase todas conhecem e cantam músicas cristãs.”
Leilcia Silva informa que a Bíblia é ensinada nas escolas haitianas e faz parte da lista de materiais escolares. “O discipulado tem sido trabalhado, assim como a realização de reuniões de grupos familiares e o uso dos meios de comunicação, como rádio e televisão, além das redes sociais”, indica a missionária, acrescentando que esse mesmo cenário pode ser constatado em países centro-americanos, como Guatemala, El Salvador e Honduras.
E, apesar dos desafios e das peculiaridades dos países da América Central (pobreza e violência, por exemplo), a Igreja do Senhor avança triunfante nessa parte do continente americano, cumprindo cabalmente as palavras de Jesus: E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim (Mt 24.14).
Fotos: Reprodução / Facebook