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Foto: Divulgação / Human Rights Watch

Perseguição sangrenta

Ataques recorrentes de extremistas muçulmanos já mataram milhares de cristãos neste ano

Por Patrícia Scott

Nem mesmo a pandemia foi capaz de diminuir os ataques de extremistas islâmicos aos cristãos da Nigéria, país de 212,7 milhões de habitantes situado na região da África Ocidental. Somente nos primeiros 200 dias de 2021, pelo menos, 3.462 cristãos foram assassinados no país, segundo informações da organização não governamental International Society for Civil Liberties & the Rule of Law (Sociedade Internacional para as Liberdades Civis e o Estado de Direito), a qual pesquisa e monitora a perseguição religiosa nessa nação desde 2010.

A Nigéria ocupa atualmente o 9º lugar na Lista Mundial da Perseguição, ranking elaborado pela Missão Portas Abertas (MPA), que elenca as 50 nações onde é mais perigoso seguir o Evangelho. Lá, a violência contra os seguidores de Cristo é perpetrada principalmente pelo grupo terrorista Boko Haram. Além deste, outras milícias islamitas aterrorizam os cristãos, destacando-se aquelas formadas por pastores de cabra da etnia fulani e a dos militantes do Estado Islâmico da África Ocidental.

O atual presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, um muçulmano hausa-falani Foto: Bayo Omoboriowo / Wikimedia

A perseguição é mais acentuada no Norte, mas tem se espalhado por todo o território nigeriano. E, para piorar esse quadro, esses grupos agem com a anuência das autoridades em diversas áreas do país. Em seu relatório mais recente, a International Society for Civil Liberties & the Rule of Law lembra que os sobreviventes e familiares das vítimas de assassinato estão abandonadas pelo governo nigeriano. O registro acusa as forças de segurança de serem negligentes na proteção dos cidadãos vulneráveis e adverte que as mesmas autoridades que deveriam proteger os cidadãos contra os insurgentes só aparecem após os ataques, não raramente para prender e incriminar as pessoas que estão sendo ameaçadas ou que sofreram violência. O documento aponta que, no Norte, os jihadistas operam livremente sob a cobertura e proteção das forças de segurança. Assim, têm plena liberdade para sequestrar, matar, saquear, destruir patrimônio e promover conversões forçadas ao islamismo entre os cristãos que são capturados. 

A Nigéria é a nação mais populosa do continente africano e dividida de maneira religiosa e politica: 53,5% da população é islâmica; 45,9% é cristã e 0,6% professa outras religiões, e, historicamente, os muçulmanos hausa-falani são dominantes na política nigeriana.

“Direitos dos cidadãos” A cientista social Norma Sueli Batista de Santana explica que várias regiões do globo são marcadas pela ocorrência de conflitos, em sua maioria fruto de disputas por controle territorial e recursos naturais. No caso da Nigéria, os terroristas do Boko Haram e seus pares desejam dominar todos os setores do país, especialmente a religião, a política e a economia. Norma Santana salienta que se trata de uma nação rica em recursos naturais – principalmente petróleo e gás – com um cenário de miséria ocasionado pela má gestão governamental e por questões sociais herdadas do período colonial. “A pobreza e o desemprego também podem ser entendidos como catalisadores das atividades do Boko Haram, que tem disseminado o terror contra cristãos. Possivelmente, a piora dos indicadores sociais deve acirrar ainda mais esses conflitos.”

A cientista social Norma Sueli Batista de Santana explica: “A pobreza e o desemprego também podem ser entendidos como catalisadores das atividades do Boko Haram, que tem disseminado o terror contra cristãos”
Foto: Arquivo pessoal

Marco Cruz, secretário-geral da Missão Portas Abertas (MPA) no Brasil, revela que a agência missionária tem conscientizado os cristãos de todo o mundo sobre os graves problemas que a Igreja enfrenta na Nigéria, além de chamar a atenção das autoridades nigerianas. “O governo [de Abuja] deve assegurar os direitos dos cidadãos. Apelamos às autoridades nigerianas que garantam o respeito e a proteção às famílias, investiguem os ataques e responsabilizem os culpados, e prestem apoio às vítimas de sequestro e aos familiares.”

A situação em território nigeriano é gravíssima. Homens e meninos são alvos específicos de assassinatos, mas muitos igualmente são sequestrados e forçados a lutar ao lado dos muçulmanos contra os “infiéis” [maneira como os islamitas chamam quem não segue sua religião]. Essa estratégia é usada para forçar retirá-los de suas respectivas famílias, prejudicando o sustento da casa, e, assim, reduzir sua taxa de natalidade. Além disso, a violência sexual é frequentemente utilizada como arma de perseguição. Mulheres e meninas são raptadas e forçadas a servir de escravas sexuais ou são coagidas a se casarem com muçulmanos. Se forem libertas, costumam ser rejeitadas pelas comunidades ou famílias de origem. “Seguir vivendo, apesar das perdas e dos iminentes ataques de grupos extremistas, é uma questão de fé para 95,3 milhões de cristãos na Nigéria”, resume Marco Cruz.

Marco Cruz, secretário-geral da MPA no Brasil: “Apelamos às autoridades nigerianas que garantam o respeito e a proteção às famílias, investiguem os ataques e responsabilizem os culpados, e prestem apoio às vítimas de sequestro e aos familiares”
Foto: Divulgação / Missão Portas Abertas Brasil

“Grande obra” – No entanto, apesar dos riscos e da violência, a Igreja e as atividades missionárias seguem crescendo no país. Na aldeia de Uvbe, no estado do Edo, no Sul, funciona a base da Missão Somente Pela Fé, ligada à Assembleia de Deus de Alvorada (RS), a qual mantém uma escola, um posto de saúde, uma padaria e uma igreja no local. “Assistimos diariamente mais de 200 pessoas, entre crianças e adultos. A assistência social abre portas para a evangelização”, informa o Pr. Luiz Pithan, secretário-executivo da missão. “O Senhor tem realizado uma grande obra”, assevera, acrescentando que o combustível para os missionários é o amor pelas vidas, que supera qualquer obstáculo. 

A Missão Somente Pela Fé também está presente em outras cidades da região, tais como Benin e Sapele, e nas aldeias Ugonoba, Owa e Abudu. Nessas localidades, onde há igrejas estabelecidas, as crianças são o principal foco do trabalho porque, indiretamente, alcança seus pais. “Investimos muito na educação dos menores nigerianos para mostrar que existe a possibilidade de um futuro melhor na pessoa bendita de Jesus”, conta o pregador, o qual informa que a missão tem agora três objetivos em Uvbe: equipar o posto de saúde, manter a padaria com insumos e adquirir uniformes e material escolar para os pequeninos. “Assim, mostramos aos nossos irmãos nigerianos que somente o Evangelho pode mudar a sua realidade de vida.”

O missionário Gito Wendel, filiado à agência Way to the Nations (Caminho para as Nações), da Inglaterra, testemunha o que viveu quando trabalhou, de 2013 a 2016, na Nigéria: “imitar Jesus”
Foto: Arquivo pessoal

O missionário Gito Wendel, filiado à agência Way to the Nations (Caminho para as Nações), da Inglaterra, testemunha o que viveu quando trabalhou, de 2013 a 2016, na Nigéria. “Distribuíamos alimentos às comunidades e viajávamos aos povoados anunciando o Evangelho. Também havia atendimento médico e odontológico à população”, enumera Wendel, o qual verificou que crianças em situação de vulnerabilidade eram resgatadas sob a supervisão de policiais federais e de assistentes sociais. “Eram enviadas a abrigos.”

Wendel frisa que o principal no processo de evangelização é uma vida pautada pelo amor. “É preciso mostrar ao povo nigeriano, barbaramente assolado por guerras locais, que servimos ao Príncipe da Paz e estamos dispostos a imitar Jesus”, ensina Wendel, sublinhando que os missionários atuantes na Nigéria, a despeito de toda perseguição, seguem firmes em sua missão. “Nós, sendo forasteiros, nos tornamos nigerianos. Com eles, vivemos e, se for o caso, morremos.”

Raios X da Nigéria

Foto: Emmanuel Ikwuegbu / Unsplash

Localização: África Ocidental (Golfo da Guiné)

Área: 923.768 km² (pouco maior que o estado do Mato Grosso)

Presidente: Muhammadu Buhari (desde 2015)

População: 212,7 milhões de habitantes

Grupos étnicos (estimativa de 2018):
Hausa-Falani (30%), Ioruba (15,5%), Igbo (15,2%), Fulani (6%), Tiv (2,4%), Kanuri/Beriberi (2,4%), Ibibio (1,8%), Ijaw/Izon (1,8%) e outros (24,7%)

Religiões (est. 2018): Muçulmanos (53,5%), cristãos (45,9%) e outras (0,6%),

Taxa anual de crescimento da população (est. 2021): 2,53%

Taxa de nascimento: 34,38 nascimentos para cada 1.000 habitantes

Taxa de óbitos: 8,89 mortes para cada 1.000 habitantes

Expectativa de vida: 60,87 anos

Alfabetização: 62%

(Fonte: CIA World Factbook)


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