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Foto: Priscilla du Preez / Unsplash

Mão dupla

Líderes e especialistas falam sobre a importância e os desafios do aconselhamento cristão

Por Evandro Teixeira

A Bíblia é clara com relação à relevância dos conselhos. No Texto Sagrado, há várias referências ao valor desse recurso, como registra Provérbios 20.18: Cada pensamento com conselho se confirma; e com conselhos prudentes faz a guerra. Um exemplo de boa direção está registrado no livro de Êxodo, quando Jetro, sogro de Moisés, aconselha-o a descentralizar a tarefa de julgar e orientar o povo de Deus, elegendo um time de auxiliares. O sogro de Moisés, porém, lhe disse: Não é bom o que fazes. Totalmente desfalecerás, assim tu como este povo que está contigo; porque este negócio é mui difícil para ti; tu só não o podes fazer (Êx 18.17,18). Moisés, porém, não apenas ouviu as palavras do sogro como também seguiu as orientações de Jetro (conforme registram os versículos seguintes) e foi bem-sucedido. 

O campo do aconselhamento envolve, pelo menos, dois personagens: o conselheiro e o aconselhado, que atuam em conjunto. “Um dos motivos que levam uma pessoa a procurar esse tipo de ajuda é a dúvida sobre uma decisão a ser tomada”, observa Pr. Elber Paixão da Conceição, líder da Igreja Batista Herança da Graça de Lindo Parque, em São Gonçalo (RJ). Em termos espirituais, o pastor entende que, ao buscar esse tipo orientação, o cristão deve compreender que a vontade do Senhor deve prevalecer sobre qualquer interesse. “Agindo assim, não haverá risco de seguir conselhos equivocados”, salienta o líder, o qual cita o exemplo do rei Roboão, filho de Salomão: o novo monarca deixara de seguir os anciãos, mais experientes na condução do país, para se orientar pelos conselhos dos jovens, o que levou à divisão de seu reino (1 Rs 12).

O Pr. Elber Paixão da Conceição observa: “Um dos motivos que levam uma pessoa a procurar esse tipo de ajuda é a dúvida sobre uma decisão a ser tomada” – Foto: Arquivo pessoal

Na visão de Elber Conceição, todo crente deveria estar apto para aconselhar. Isso porque, de acordo com ele, a boa orientação não tem origem em quem aconselha, mas na fonte de onde vêm suas palavras: o próprio Deus. O pastor reconhece que não é fácil encontrar gente disposta para essa atribuição, porém, para os pastores, essa é uma das principais atividades ministeriais, além da pregação e do ensino. “Torna-se imprescindível ter em sua formação o preparo para essa tarefa, que é uma das mais difíceis.”

Caráter cristão – A importância de buscar a diretriz de Deus é reforçada pelo Pr. Salomão Dutra Melo, líder da Igreja Metodista do Brasil em Itanhomi (MG). Ele lembra que o rei Davi, quando levou a Arca do Senhor de Quiriate-Jearim para Jerusalém, ele o fez sem respeitar as orientações já determinadas pelo Altíssimo. Isso resultou em morte (2 Sm 6.6,7), pois, segundo a Palavra, ela só poderia ser carregada nos ombros dos levitas descendentes de Coate (Nm 4.15) e nunca em carruagem. Entretanto, mesmo agindo de maneira equivocada, o rei pôde rever essa decisão, e, algum tempo depois, ele retomou o projeto. Desta vez, no entanto, seguiu as determinações do Senhor e obteve sucesso. “Não há como tomar decisões fora da direção de Deus. O guia do cristão deve ser sempre as Escrituras.”

O Pr. Salomão Dutra Melo lembra: “Não há como tomar decisões fora da direção de Deus. O guia do cristão deve ser sempre as Escrituras” – Foto: Arquivo pessoal

O mesmo princípio de submissão ao Senhor, frisa o pastor, vale tanto para o conselheiro quanto para o aconselhado. Para o líder, antes de procurar ajuda de alguém mais experimentado, seja um líder seja outro membro da igreja, devem-se levar em conta o caráter cristão e o fruto (Gl 5.22, 23) produzido pela pessoa que dará o aconselhamento. “Jamais devemos pedir conselhos àquele que vive de forma desregrada, sem integridade.”

De acordo com o Pr. Paulo Fernando Ferreira Furtado, da Igreja do Evangelho Quadrangular em Padre Miguel, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), a Palavra de Deus deve ser fonte primordial no preparo de um conselheiro. “Quem busca essa capacitação deve ter a Bíblia como regra fundamental de fé e prática. Seguir a orientação bíblica sempre será a melhor decisão. No Livro Sagrado, há orientação para as mais diversas questões”, observa o líder, ressaltando que seguir os passos apresentados pela Palavra pode significar contrariar a vontade da pessoa que está sendo aconselhada.

O Pr. Paulo Fernando Ferreira Furtado observa: “Seguir a orientação bíblica sempre será a melhor decisão. Na Bíblia, há orientação para as mais diversas questões” – Foto: Arquivo Graça / Solmar Garcia

Assim sendo, aconselhar não é uma tarefa simples. Por isso, aquele que abraça o ministério do aconselhamento pode (e deve) lançar mão de literaturas cristãs que versem sobre o assunto. O Pr. Sânio Fernandes de Belo, da Igreja Evangélica Ministério Klesis, em Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), afirma que, além de buscar embasamento bíblico e teórico, o conselheiro pode usar a própria experiência de vida para desempenhar a tarefa. Outro importante aliado é ter noções básicas sobre o comportamento humano. “Esse preparo se faz necessário, pois poderemos ter de lidar com questões as quais vão requerer uma boa base de conhecimento”, observa Belo.

O Pr. Sânio Fernandes de Belo afirma que, para aconselhar, o “preparo se faz necessário, pois poderemos ter de lidar com questões as quais vão requerer uma boa base de conhecimento” – Foto: Arquivo pessoal

De fato, aconselhar não é uma tarefa simples na opinião do Pr. Fabiano Santos de Sousa, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no bairro Buenos Aires, em Teresina (PI). Ele lembra que nem todos os líderes estão preparados para essa tarefa e afirma ser essencial estar em sintonia com o Espírito Santo nesse momento. “Devemos buscar a orientação divina, pois só a exposição da Palavra pode iluminar o entendimento”, comenta o pregador, fazendo menção ao Salmo 119.130 (A exposição das tuas palavras dá luz e dá entendimento aos símplices) e às palavras de Jesus registradas em João 12.49 (Porque eu não tenho falado de mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar). [Leia, no final desta reportagem, o quadro Sugestão de leitura, que versa sobre um título, bastante interessante sobre o tema, publicado pela Graça Editorial]

O Pr. Fabiano Santos de Sousa comenta: “Devemos buscar a orientação divina, pois só a exposição da Palavra pode iluminar o entendimento” – Foto: Arquivo pessoal

“Qualquer um” – A psicóloga Elienai do Pinho Medeiros observa que muitos, no dia a dia, assumem o papel de conselheiros uns dos outros. Contudo, ainda que bem intencionados, geralmente compartilham ideias baseadas apenas nas próprias histórias. Já no campo terapêutico, ressalva a especialista, há um aconselhamento especializado que procura acessar as percepções distorcidas do paciente, das quais ele não tem consciência, a fim de tornar suas reais necessidades mais claras. “Não orientamos a partir do nosso ponto de vista, e sim buscamos, na pessoa, suas reais carências”, contrapõe ela, membro da Igreja Metodista em Santa Cruz, na zona oeste carioca.

A psicóloga Elienai do Pinho Medeiros explica: “Não orientamos a partir do nosso ponto de vista, e sim buscamos, na pessoa, suas reais carências” – Foto: Arquivo pessoal

Sob o ponto de vista daqueles que vão atrás de conselhos, a psicóloga alerta para o risco de não saber escolher bem o conselheiro. Ela lembra que, nos momentos de sofrimento, as pessoas tendem a sentir mais necessidade de se abrirem com alguém, algo que, na sua avaliação, exige cautela. “Optando por falar com qualquer um, sem critério, apenas para aliviar um possível estresse mental, a pessoa poderá ficar ainda mais confusa.” 

Segundo a profissional, dependendo do interlocutor eleito, as consequências podem ser devastadoras. E mais: diante de uma escolha errada que gere resultados ruins, ela entende ser bom o aconselhado reconhecer que compartilhou suas queixas com quem não estava apto para ouvi-las, mas não deve se culpar ou culpar o outro pela orientação equivocada. “A situação precisa estar resolvida, com autoperdão, por exemplo, a fim de que a busca pelo conselho certo tenha continuidade.”

A psicóloga Margarete de Lourdes Bonuccelli Heringer Lisboa diz: “Deve–se prosseguir na jornada até encontrar pessoas saudáveis emocional, social e espiritualmente dispostas a ajudar. Isso será fundamental para a retomada da vida” – Foto: Arquivo pessoal

A psicóloga Margarete de Lourdes Bonuccelli Heringer Lisboa reafirma que, ao constatar que a orientação recebida não foi proveitosa, é preciso insistir na busca. “Deve-se prosseguir na jornada até encontrar pessoas saudáveis emocional, social e espiritualmente dispostas a ajudar. Isso será fundamental para a retomada da vida”, diz ela, destacando que um conselheiro apto para a tarefa deve ter maturidade, ser ético e sabidamente reservado. “Se o indivíduo estiver dentro desse perfil, terá a ponderação necessária para auxiliar aqueles que o procuram a aclarar questões sobre as quais ainda têm dúvidas. As decisões a serem tomadas, porém, devem ficar por conta do aconselhado”, explica Margarete Lisboa. Ela frisa que o aconselhamento vai muito além de falar e ser ouvido: é como uma via de mão dupla, em que orientador e orientado trabalham juntos a fim de promover mudanças. 

Sugestão de leitura

No Guia bíblico para o aconselhamento de compulsivos por sexo (Graça Editorial), entre outras lições, o pastor norte-americano Steve Gallagher explica as regras do aconselhamento bíblico e sua relação com o pecado sexual. O compulsivo precisa da ministração de alguém que esteja alimentado diariamente das riquezas de Deus. A doutrina do sábio é uma fonte de vida para desviar dos laços da morte (Pv 13.14).

Além disso, Gallagher compartilha algumas aplicações específicas desses princípios para lidar com as tentações que afligem os jovens; ajudar esposas traídas que descobriram a infidelidade do cônjuge; ministrar aos homossexuais e, ainda, confrontar pastores que lutam contra a pornografia e outros pecados sexuais. Para a execução de tal tarefa, ele diz que a aplicação consistente de todas as ferramentas disponíveis permite que o conselheiro seja usado por Deus para ajudar aqueles que estão esperando mudança. O autor lembra, entretanto, que o aconselhamento requer cuidados e pode ser imprevisível. Em uma sociedade tão mergulhada em imagens pornográficas e saturada em perversão, o cristão que se propõe a auxiliar os outros deve preparar-se para lidar com uma variedade de questões, explica o pastor.

Steve Gallagher destaca que o conselheiro deve seguir dois passos para iniciar uma sessão de aconselhamento. Primeiro, ele deve orar. Essa é uma oportunidade para pedir a Deus, diante do aconselhado, que alguns pontos importantes sejam atingidos. Adicionalmente, ele pode solicitar àquele que está sendo acompanhado que faça uma oração de compromisso em cumprir tudo o que for necessário para alcançar a vitória esperada. A outra coisa que deve fazer é perguntar ao homem duas coisas simples: “Você está disposto a aceitar a Bíblia como Fonte de toda autoridade para o aconselhamento que vai iniciar?” e “Está disposto a obedecer à Palavra de Deus com todas as suas forças?”.

Na parte final, Gallagher mostra como começar um ministério de apoio para aqueles que caíram na idolatria sexual. E conclui o livro com uma convocação: Você tem apenas uma vida para investir na causa de Cristo. Minha esperança e oração é que este livro o encoraje a se tornar um amigo de pecadores (Lc 7.34). Assim, poderá apoiá-los, discipliná-los, interceder por eles e amá-los. Se fizer isso de todo o seu coração, Deus usará os seus esforços para produzir muitos frutos para o Seu Reino. Que Ele possa abençoar ricamente o seu trabalho na vida daqueles que estão necessitados! (Evandro Teixeira, com colaboração de Cleber Nadalutti)


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