Paradeiro desconhecido
12/09/2024Por todo o mundo
12/09/2024Crescimento histórico
Apesar da perseguição religiosa, aumenta o número de cristãos e de igrejas secretas no Irã
Por Patrícia Scott
Única nação do mundo governada por um líder religioso muçulmano, o Irã é considerado uma teocracia. Desde 1979, quando uma revolução capitaneada por muçulmanos xiitas derrubou a monarquia, o país – de 88 milhões de habitantes, situado no Sudoeste da Ásia – vive sob um regime ditatorial. Hoje, o poder supremo é exercido pelo aiatolá Ali Khamenei, líder muçulmano encarregado de manter o caráter religioso do Estado e tido como um representante de Deus na Terra.
Dentro da estrutura política do Irã, existe um presidente, cargo, agora, ocupado pelo médico e ex-parlamentar Masoud Pezeshkian. Ele exerce o poder executivo do Estado, devendo satisfações ao Guardião Supremo, o aiatolá. Além disso, não há espaço para a liberdade de opinião e, muito menos, de crença em território iraniano: os direitos dos cidadãos são bastante limitados pelo controle rígido do aiatolá, e o Islã é a única religião autorizada a ser exercida livremente.
Por outro lado, a fé cristã é perseguida: crentes em Jesus e líderes de igrejas secretas, quando descobertos, são presos e torturados, podendo até ser executados. Para o regime de Teerã, a propagação de uma crença além do islamismo seria uma tentativa deliberada do Ocidente de minar o governo “divino” iraniano. Não sem motivo, o Irã ocupa a 9ª posição na Lista Mundial da Perseguição (LMP) 2024, elaborada pela Missão Portas Abertas, que elenca as 50 nações mais difíceis para um cristão viver.
Crescimento – No entanto, mesmo com tantas restrições e perseguições, o número de cristãos vem aumentando no país. Segundo uma pesquisa realizada em 2020, por uma empresa holandesa, existiam cerca de 800 mil crentes em Jesus no Irã. Destes, 80 mil eram de etnia assíria ou de estrangeiros, que têm o direito legal de expressar sua fé. Ainda de acordo com o relatório do estudo, a maior parte (720 mil) é formada por ex-muçulmanos convertidos ao Evangelho pela ação de igrejas clandestinas.
Todavia, como a maioria não pode manifestar publicamente sua fé, o número dos seguidores de Cristo são imprecisos. “A quantidade de cristãos aumentou nos últimos anos, pois mais pessoas estão sendo evangelizadas”, relata o pastor iraniano A. K., assim identificado por questões de segurança. Ele observa que o país precisa de mais missionários e que, para tentar preencher esse vácuo, “crentes nativos têm sido treinados” para fazer a obra de Deus.
A. K. esclarece que é difícil fazer parte de uma igreja cristã dentro do território iraniano. “Um crente precisa conhecer de antemão os integrantes ou os líderes da comunidade de fé para poder frequentá-la”, informa o pregador. Para A. K., essa regra é adotada porque as forças de segurança, as quais buscam identificar igrejas domésticas secretas e fechá-las, tentam infiltrar seus agentes nessas comunidades. Passando-se por recém-convertidos, os agentes do Estado reúnem informações sobre os cristãos para, em seguida, prendê-los.
O ministro lembra que as autoridades de Teerã não podem prender as pessoas apenas por se tornarem cristãs. Mas ele explica que elas são detidas, julgadas e condenadas sob o pretexto de atentarem contra a segurança nacional ou por corrupção – crime considerado muito mais grave e tendo como penas a prisão de longa duração ou prisão perpétua. Em alguns casos, explica A. K., a punição é a pena capital. “Se uma pessoa realiza alguma atividade religiosa não islâmica, as autoridades tentarão prendê-la sob um pretexto qualquer e a acusarão de algum crime”, informa, destacando que, no Irã, “a perseguição é terrível e injusta”.
A. K. relata que, se um cristão é preso, a família não é sequer informada sobre em qual presídio o parente está sendo mantido sob custódia. Por dias ou semanas, as autoridades interrogam, agridem e torturam o servo de Deus até obterem a confissão de um crime que ele não cometeu. Desse modo, a própria sociedade iraniana passou a entender que ser cristão é um crime, e, por isso, os crentes em Jesus são impuros. “Se alguém de uma família muçulmana passar a crer em Cristo, será rejeitado”, ratifica o ministro.
O pastor ressalta a necessidade de o povo de Deus, em todo o mundo, clamar por quem prega em território iraniano – apesar dos riscos – e de pedir ao Senhor que ocorram discipulados cotidianos. “Ore para os novos crentes continuarem a ser inspirados por aqueles que morreram por Cristo, para os mulás [os clérigos islâmicos] se renderem à fé no Altíssimo, encontrando Jesus por meio de sonhos e visões, para os estudantes muçulmanos se achegarem ao Senhor, e os cristãos compartilharem, cada vez mais, o Evangelho com eles.”
Monitoramento – A situação das mulheres cristãs no Irã é ainda mais delicada, segundo Marco Cruz, secretário-geral da Missão Portas Abertas no Brasil. “Há diversos relatos de agentes secretos que invadem igrejas domésticas, e, durante o interrogatório e dentro da prisão, assediam sexualmente as líderes dessas reuniões”, conta Cruz. Segundo ele, a mulher islâmica convertida ao cristianismo pode ser forçada a se casar com um muçulmano ou enfrentar o divórcio e a perda da guarda dos filhos. “Também pode ser colocada em prisão domiciliar pela família muçulmana e ser afastada da comunidade de fé”, acrescenta.
O secretário-geral da filial brasileira da Portas Abertas informa que a maior parte dos crentes iranianos se reúne em casas ou recebe mensagens de fé por meio de mídias, como a televisão via satélite e internet. E, mesmo com tantas proibições, assevera Cruz, a Igreja no Irã cresce devido à força e à perseverança dos crentes. “Até mesmo os filhos de líderes políticos e clérigos muçulmanos têm deixado o islamismo e se convertido ao cristianismo.” Entretanto, ele alerta que a perseguição aos seguidores de Jesus no país e ao redor do mundo tende a aumentar. “É uma realidade bíblica: todo crente que viver piedosamente, em santidade, será perseguido.”
O Pr. Amauri Costa de Oliveira, presidente da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT), mantém contato com cristãos que vivem no Irã. Ele relata que têm havido conversões – inclusive entre membros da polícia. Para o pastor, o crescimento da fé cristã tem chamado tanto a atenção que as autoridades estão fechando o cerco, usando até monitoramento de celulares. “Mesmo com o aparelho desligado, o Serviço de Inteligência Iraniana [MOIS, a sigla em inglês] consegue descobrir as conversas. Há um intenso crescimento da igreja cristã no Irã, maior do que em qualquer outro momento da história. Então, a reação do governo também aumenta”, relata Oliveira. Ele informa que os cristãos do Irã carecem das orações dos irmãos da igreja livre, para que se mantenham firmes na fé em Jesus. “E é preciso orar para que o Senhor guarde os missionários em segurança apesar do alto risco que correm.”
Prisão e condenação – A jovem E. S. [não identificada por questões de segurança] cresceu em uma família muçulmana, mas se converteu a Cristo, por influência do irmão. Assim como ele, E. S. vivencia as dificuldades de manter a fé em segredo: integra uma pequena comunidade de cristãos clandestinos. “Em todo o tempo, temos de ter cuidado”, afirma a moça, esclarecendo que não pode ir a igrejas oficiais. “Elas são destinadas a estrangeiros. Então, nós nos reunimos em casas. Louvamos e adoramos ao Senhor, cantando baixo, para os vizinhos não escutarem ou saberem que ali funciona uma igreja doméstica.”
E. S. conheceu o marido nessa comunidade. Os dois tiveram de manter a fé escondida das autoridades para conseguirem se casar. Isso porque o governo de Teerã controla todas as áreas da vida pública, e, portanto, os casamentos devem ser feitos sob a autoridade islâmica. “É muito difícil, mas devemos manter a fé em segredo, ou mais problemas podem surgir”, lamenta-se a jovem.
Porém, às vezes, as autoridades descobrem aqueles que abandonaram o islamismo. O casal M. S. e S. N. [cujas identidades não são reveladas nesta reportagem por razões de segurança] vem sofrendo muita perseguição devido a isso. Depois de conhecerem o Evangelho, os dois se sentiram chamados por Deus para transformar a própria casa em uma igreja. “Preocupados com os vizinhos, fazíamos as reuniões na sala, com cuidado, tendo a certeza de que todas as portas e janelas estavam fechadas. E também controlávamos o volume das vozes.”
No entanto, uma família descobriu a conversão do filho e denunciou à polícia aquelas atividades. A casa foi vasculhada, e o casal, preso. Após 18 dias de detenção, tortura emocional e interrogatórios, M. S. e S. N. foram soltos sob fiança, até o julgamento. Os dois foram condenados por fazerem propaganda contra o regime e por aceitarem o cristianismo sionista. O marido foi sentenciado a um ano de prisão com trabalhos pesados e acabou sendo banido da cidade onde vivia. Já a esposa recebeu uma multa e perdeu seu emprego de enfermeira. “Na minha jornada, experimentei muita perseguição, mas sempre testemunhei o agir de Deus”, conclui ela.