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Foto: Vetre Antanaviciute-Meskauskiene / 123RF

A favor da vida

Maioria nas cinco regiões do país é contrária à descriminalização do aborto

Por Ana Cleide Pacheco

Quando o assunto é a interrupção voluntária da gestação, as opiniões se dividem: de um lado, os defensores do direito de escolha das mulheres; do outro, os que advogam o direito à vida dos não nascidos. Aqueles que são favoráveis ao nascituro acreditam que essa é uma prerrogativa indispensável. Quem defende o contrário afirma que a mãe deve ser livre para decidir tirar a vida do próprio filho ainda no ventre. Essas pessoas apregoam a formulação de políticas públicas para assegurar que as mulheres tenham acesso a abortos “seguros”, que lhes resguardem a integridade física. 

Para esse grupo, não se leva em conta a integridade física do ser humano em formação, o qual será “envenenado” por medicamentos, terá o corpo desmembrado ou será aspirado para fora do útero – dependendo da técnica a ser empregada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o aborto uma boa prática de saúde pública desde que os métodos utilizados estejam dentro de protocolos sanitários estabelecidos pela entidade. 

Lenise Aparecida Martins Garcia: “Se passarem a ter isso claro, mesmo que o aborto seja aprovado, não irão praticá-lo, pois a própria consciência indicará não ser conveniente”
Foto: Divulgação / UnB

Na contramão da recomendação da OMS, a maioria da população brasileira é contrária à ação. Um levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, de 16 a 19 de janeiro deste ano, apontou que 79% dos brasileiros são contrários à legalização do aborto. O índice de rejeição é bastante similar em todas as regiões: no Centro-Oeste e no Norte (79,7%); no Sul (79,2%); no Nordeste (79,1%) e no Sudeste (78,7%). 

No Brasil, o aborto é crime, e, portanto, ao praticá-lo, estão sujeitos à punição tanto a mulher como aqueles que a auxiliam no procedimento. Segundo o Código Penal Brasileiro, o abortamento é permitido em três casos: quando a gravidez representa risco à vida da mãe, se for decorrente de estupro ou no caso de bebês anencéfalos, aqueles que não apresentam parte ou toda a calota craniana – condição que compromete suas chances de sobrevivência ao nascer. 

A teóloga Rose Santiago informa que a Ciência provou que a vida começa desde o ato da concepção
Foto: Arquivo pessoal

No entanto, apesar da grande rejeição à prática abortiva, somente em 2020 foram apresentados mais de 20 projetos de lei na Câmara dos Deputados que visam ampliar a permissão ao aborto. Além disso, uma rápida busca na internet apresenta uma infinidade de artigos acadêmicos, matérias jornalísticas e textos de variadas fontes sobre os “benefícios” dessa legalização. Toda essa campanha midiática e universitária, entretanto, não tem sido suficiente para mudar a opinião dos brasileiros. 

A presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, Lenise Aparecida Martins Garcia, 64 anos, considera improvável que haja alterações no ordenamento jurídico nesse sentido, justamente por causa do alto índice de desaprovação do tema entre os brasileiros. Ela defende a necessidade de informar aqueles que ainda são favoráveis ao ato a fim de entenderem o valor da vida desde a sua concepção. “Se passarem a ter isso claro, mesmo que o aborto seja aprovado, não irão praticá-lo, pois a própria consciência indicará não ser conveniente.”

A ginecologista Lorena Glória Sílvia Aguirre Zambrano Velho afirma: “Em minha experiência, toda decisão em relação a um aborto é complicada, e trata-se de um processo doloroso”
Foto: Arquivo pessoal

Lenise Garcia cita o exemplo dos Estados Unidos, onde o aborto foi legalizado pela Suprema Corte em 1973. Lá, existem dezenas de organizações que militam a favor da vida há décadas, e, como resultado desse esforço de conscientização, a quantidade de abortos tem caído. De 1984 a 2018, o número de procedimentos para interrupção da gestação diminuiu em torno de 40% nessa nação. “Trata-se de uma questão cultural, portanto precisamos nos empenhar para que se desenvolva em nosso país. É necessário falar sobre o tema e chamar à atenção para a valorização da vida que existe desde o início e deve ser preservada.”

De acordo com a presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, aqueles que defendem a legalização do aborto no Brasil – além das três situações já permitidas no Código Penal – querem caracterizá-lo como um direito. Em outras palavras, buscam emplacar o discurso de que, se, em três condições, a mulher pode abortar, por que não estendê-lo a todos os casos? Ela responde ao questionamento com uma constatação: “O aborto não é tratado no Brasil como direito em nenhuma situação”. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Por que não abortar]

A teóloga Rose Santiago reitera que o aborto não é legal no Brasil e só há três exceções no Código Penal para ser permitido. Presidente de Honra do Centro de Reestruturação para a Vida (CERVI) e mestra em Ciências da Religião, ela acredita que a legalização interessa somente àqueles que atuam nesse “mercado”. Na contramão desse sistema mortal, a CERVI oferece assistência a mulheres e familiares que enfrentam gravidez inesperada, vítimas de abuso sexual ou de violência doméstica, e àquelas que passaram pela experiência do aborto. “No passado, existia uma discussão de que a vida não começava antes da concepção, mas a ciência provou que isso não é verdade”, informa a teóloga, destacando que a vida é um direito dado pelo próprio Deus a todo ser humano. “Como cristã, acredito que o Senhor nos criou para gerar vida, e não morte. Um dos mandamentos é não matarás [Êx 20.13]”, destaca Santiago, ressaltando que a defesa da vida vai além da religião. “Independentemente da crença, nosso posicionamento está baseado no amor, uma questão que está no cerne do ser humano.”

Integridade física – Para a ginecologista Lorena Glória Sílvia Aguirre Zambrano Velho, 53 anos,após um aborto pode haver consequências devastadoras para a saúde da mulher, como inflamações graves, hemorragias e outras complicações que podem levar a pessoa a óbito. A médica enfatiza que, mesmo em lugares onde é legalizado e realizado com todo o aparato de segurança, o aborto apresenta o mesmo risco que qualquer procedimento cirúrgico. “Pessoalmente, fiquei chocada quando soube que, na Califórnia [nos Estados Unidos], uma menina tem o ‘direito’ de ir absolutamente sozinha até a clínica para fazer o procedimento, sem avisar ninguém. Imagine a dor e o desespero dos pais ao saberem que a pior das complicações aconteceu, ou seja, a morte da paciente.”

A obstetra e ginecologista Ana Berquo Peleja Eller assinala: “Creio que essa discussão está no âmbito da saúde coletiva, mas o tema é muito mais abrangente e complexo”
Foto: Arquivo pessoal

Além de representar uma ameaça ao físico da mãe, o aborto provoca consequências emocionais. Lorena Zambrano frisa que já atendeu mulheres que abortaram e conhece muitas que entraram em depressão e, em alguns casos, chegaram ao suicídio. “Em minha experiência, toda decisão em relação a um aborto é complicada, e trata-se de um processo doloroso. Por isso, percebo que há problemas mais profundos a serem discutidos do que apenas definir se é crime ou não”, ressalta a profissional, membro da Igreja Viva, em Campinas (SP).

A obstetra e ginecologista Ana Berquo Peleja Eller, 33 anos, salienta que ser contrário à descriminalização do aborto – para além dos termos previstos na lei – não significa deixar de ajudar as mulheres que procuram os serviços de saúde com uma gravidez indesejada. Em seu ponto de vista, os profissionais devem acolher, informar, acalmar e oferecer outras perspectivas e opções para essas pessoas. “Creio que essa discussão está no âmbito da saúde coletiva, mas o tema é muito mais abrangente e complexo. Entramos no campo da bioética, da religião, da sociedade e da nossa própria identidade enquanto seres humanos.” Ana Eller pensa que tentar excluir esses aspectos e enxergar a situação apenas sob a ótica da saúde coletiva é perigoso e restringe o diálogo acerca do assunto. “É preciso debater, com consciência e responsabilidade. Afinal, estamos falando de vidas, o que é mais importante”, alerta a médica, membro da Igreja Presbiteriana Paulistana em Jardim Paulista, em São Paulo (SP).

Saúde pública – Omédico Hélio Angotti Neto, 42 anos, autor de diversos livros na área da Bioética, observa que vários defensores da legalização do aborto no Brasil entendem tratar-se de uma questão de saúde pública. Neto destaca que o principal argumento usado é de que os procedimentos realizados clandestinamente – portanto, de forma inapropriada – redundam na morte de milhares de mulheres todos os anos. Essa argumentação, entretanto, é duramente questionada pelo médico. “O número de mortes causadas pelo abortamento normalmente é menor que duas centenas por ano, bastante diferente do informado por alguns trabalhos e algumas publicações que lidam com especulações, em vez de dados reais e concretos.”

O médico Hélio Angotti Neto informa: “O número de mortes causadas pelo abortamento normalmente é menor que duas centenas por ano, bastante diferente do informado por alguns trabalhos e algumas publicações que lidam com especulações, em vez de dados reais e concretos”
Foto: Arquivo pessoal

Para Neto, é necessário definir melhor o que vem a ser “problema de saúde pública” e aponta que, devido à baixa taxa de mortalidade, não é possível defender que a tese de que o aborto deva ser legalizado com base nesse argumento. “Cada morte é uma tragédia, e seria bom se não tivéssemos nenhuma por causa do aborto. Mas, na última checagem de casuística [conjunto de casos relativos a determinado assunto] que fiz, em 2012, mais pessoas haviam morrido afogadas em casa, em piscinas, por exemplo, do que por abortamento.”

O especialista, membro da Igreja Semear em Brasília (DF), não nega que existam implicações graves nos abortos realizados de forma ilegal. Contudo, afirma que a legalização não é, necessariamente, a chave para resolver esse problema. “Essa é uma questão que não tem sido discutida com a devida complexidade. O que se vê é um forte viés ideológico de alguns elementos que tentam forçar uma agenda pró-abortista, a despeito das crenças do povo brasileiro.”  Em sua visão, os argumentos pró-legalização do aborto carecem de melhor consistência científica. “Divulga-se muito pouco as complicações de procedimentos abortivos em lugares onde a prática é legalizada. Quais são essas implicações na vida da mulher? A discussão precisa sair daquela simples ‘duplicidade’: aborta ou não aborta. Arriscar a saúde da mulher em procedimentos abortivos não me parece ser a melhor solução”, pondera, sublinhando que existem opções, como a adoção, para evitar a trágica morte de um ser humano em formação ainda no útero materno. 

Por que não abortar

Em artigo intitulado Contra o aborto, postado em 2011 no site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o desembargador Roberval Casemiro Belinati já afirmava que a sociedade brasileira tem condições de sensibilizar o Congresso Nacional a não legalizar a prática do aborto no Brasil. Lembrou que o aborto não pode ser autorizado porque ofende a Deus, que fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os abençoou […] e determinou: Não matarás (Êx 20.13). No texto, recordava ainda que a inviolabilidade do direito à vida é um direito constitucional, e qualquer lei que viole esse direito é uma lei inconstitucional, é uma lei nula, que não pode ser cumprida

Naquele artigo, citava o Art. 2º do Código Civil brasileiro o qual diz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro e destaca o que assevera o parágrafo 1 do artigo 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente

Na opinião de Belinati, se alguns países liberam o aborto é porque não respeitam o entendimento científico de que a vida humana começa no primeiro instante da fecundação, de que o ser humano é o mesmo em qualquer fase de seu desenvolvimento e possui igual dignidade desde o início de sua concepção.

(Fonte: TJDFT)


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