Medicina e Saúde – 259
01/02/2021Sociedade
01/04/2021Novos tempos
Pesquisa aponta mudanças na linguagem e na maneira como os jovens comunicam o Evangelho
Por Ana Cleide Pacheco
Evangelizar”, “testemunhar”, “ganhar almas”, “converter pessoas”, “fazer discípulos”. Eis algumas expressões que, por décadas, têm sido utilizadas amplamente nas igrejas quando o assunto é cumprir a ordem deixada por Jesus em Marcos 16.15: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Mas a língua é viva, como diria o poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918), e, portanto, está em constante transformação. Dessa forma, é comum que palavras e expressões caiam em desuso e sejam substituídas por outras. Uma sondagem realizada nos Estados Unidos mostrou que, para os jovens de 14 a 34 anos, a linguagem religiosa está ultrapassada no que se refere à evangelização. Segundo o estudo O futuro das missões, do instituto de pesquisas Barna Group, em vez de lançar mão do termo “evangelizar” e dos demais citados anteriormente, esses representantes das gerações Y e Z preferem utilizar a expressão “compartilhar a fé”.
Esse tipo de mudança, porém, reflete mais do que uma simples questão linguística. Afinal, cada geração tem uma forma de ver e de se relacionar com o que está ao seu redor [Leia o quadro Três gerações no fim desta reportagem]. E a modificação na linguagem é apenas uma entre muitas manifestações desse fenômeno. Assim, as novas gerações não apenas tendem a escolher seu vocabulário, mas também encontram fórmulas mais adequadas para enfrentar os desafios do próprio tempo.
Com relação à atividade missionária não é diferente. O mundo interconectado dos nativos do século 21 nada tem a ver com aquele em que viveram seus pais e avós. A professora de História Aryanne Faustina lembra que, em uma análise sociocultural das gerações, é possível perceber transformações profundas. “Nossos pais eram totalmente diferentes de nós. Tenho 29 anos e, com certeza, fui uma adolescente distinta de quem tem 40 anos hoje. Uma geração jamais é igual à outra”, reitera a docente, líder de juventude na Igreja Congregacional em Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
Aryanne ressalta que o ser humano é influenciado por diversos aspectos, inclusive o tempo no qual ele vive. “Dessa forma, os adolescentes e jovens atuais constituem a primeira geração que podemos considerar como ‘nativa digital’. Só isso já é o suficiente para que o seu modo de agir seja completamente diferenciado do das gerações anteriores. O mundo digital influenciou e vai continuar exercendo influência sobre essa juventude.” Segundo ela, outra disparidade dessa nova geração para as antigas é estar mais aberta a debates relevantes da atualidade, tais como racismo e questões ligadas à política. “Isso é muito bom, pois é uma juventude que tem buscado refletir mais sobre o que ocorre na sociedade.”
Indagada por nossa reportagem se as novas gerações estariam promovendo novas formas de proclamar a Palavra de Deus, a professora observou que não só isso como também as ações dos jovens estão impactando o evangelismo relacional. “Percebo que, ao longo dos anos, os adolescentes têm trazido menos amigos à igreja e as relações estão mais baseadas no meio digital.”
“Quantidade de informações” – Para o Pr. Carlos Roberto de Castro Dalcin, 40 anos, ministro dos jovens da Primeira Igreja Batista de Irajá, zona norte carioca, as novas gerações se mostram muito dependentes da aprovação da sociedade, e esse seria um dos fatores determinantes para mudanças na prática evangelística. Na opinião do líder, os jovens não desejam promover qualquer tipo de constrangimento aos amigos e familiares que não professam a fé cristã. Por isso, evitam compartilhar a mensagem usando expressões que estariam se tornando obsoletas.
Dalcin percebe também o que chama de aumento do “ministério da iniquidade”, o qual tem ceifado muitas vidas. “O comportamento do jovem desta geração é extremamente influenciado pela quantidade de informações recebidas por meio da internet, especialmente de suas redes sociais. E, apesar de tão informados, não se aprofundam em nada, sendo presas fáceis para a manipulação de movimentos antagônicos aos valores do cristianismo”, critica ele, o qual está há 14 anos à frente do ministério jovem de sua congregação.
Em sua opinião, cada dia que passa, tem sido um desafio para os líderes manterem uma comunicação eficaz nas igrejas, principalmente junto aos adolescentes. “É essencial haver uma atualização e até uma imersão no ‘mundo’ deles. Novas estratégias precisam surgir, mas não podemos perder a essência da apresentação da simples e profunda mensagem do Evangelho, que, segundo o apóstolo Paulo em seus escritos aos Romanos [1.16], é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê.”
“Espontânea e dinâmica” – O Pr. Wellington Sodré Alves de Oliveira, 40 anos, dedica-se ao ministério pastoral desde 1998. De lá para cá, testemunhou boa parte da transição da linguagem analógica para a digital e compreende bem as diferenças geracionais. “Qual jovem ainda possui o Dicionário Aurélio impresso, ou exibe em sua estante uma Enciclopédia Barsa? Acredito que boa parte nem saberá o que é isso”, indaga o pregador, que está à frente da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Blumenau (SC).
Para Wellington Sodré, o ambiente cibernético gerou profundas transformações no modo de os cristãos propagarem sua fé, o que, para a juventude, “em essência, espontânea e dinâmica”, tem sido proveitoso. Por outro lado, ele chama a atenção para o conteúdo poder ser apresentado com uma nova roupagem, sem deixar de lado a seriedade. “Usar palavras simples do cotidiano, a fim de falar de Cristo, é comum para aqueles que vão evangelizar. Isso torna mais real ainda o discurso do apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 9.19: Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais. Ou seja, fazer-se de um deles para ganhá-los ou usar uma linguagem mais adequada para poder ser ouvido.”
Comunicar a Verdade do Evangelho, segundo Sodré, pode acontecer por meio da música, do teatro ou, até mesmo, de uma conversa informal. “Mas a tecnologia, da qual sou um entusiasta, é umas das áreas responsáveis por essa mudança na forma de falar de Cristo. Em um mundo conectado, como ficar de fora? Impossível”, constata, destacando que atuar de maneira relevante no universo digital é um desafio para as lideranças. “Os jovens são bastante ágeis quando se trata do virtual, e a velocidade dessa transformação exigirá de nós uma metanoia, ou seja, uma mudança de mentalidade. Isso já tem acontecido, porque vemos, na web, várias ações relacionadas à propagação do Reino de Deus, o que considero ser uma bênção.”
O Pr. Fábio Lage, 41 anos, da Filadélfia Church em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), aponta outra estratégia de disseminação da fé. “Antes, evangelismo significava ir para a rua entregar um folheto. Hoje, os jovens entendem que viver uma vida integral, que expressa Cristo pode ser mais eficaz. Sendo assim, usando outra linguagem, mas apresentando o mesmo conteúdo, que são as Boas-Novas do Evangelho de Jesus.”
Para Lage, é necessário compreender que a Era Digital é um novo tempo, o qual, obviamente, apresenta demandas particulares. Apesar disso, ele lembra que a experiência dos cristãos mais velhos não deve ser desprezada. “É importante que a geração mais nova aprenda com a mais antiga e que esta se conecte com novos aprendizados. Se isso acontecer, teremos ganhos para o Evangelho.”
Alcance maior – Saber a melhor forma de se dirigir aos não cristãos é fundamental nesses novos tempos, segundo o Pr. Adriano José Alves, 36 anos, ministro da juventude da Igreja da Esperança em Campo Grande, zona oeste carioca. Ele evidencia que as pessoas a serem alcançadas não têm qualquer vivência cristã, por isso é indispensável estar atento a alguns termos usados no ambiente evangélico que fazem pouco ou nenhum sentido entre os não convertidos. “Em minha opinião, a maior dificuldade talvez seja justamente a falta de contextualização da Mensagem. Houve um tempo em que levar os equipamentos da igreja local para uma praça era uma novidade. E, diga-se, milhares foram atraídos para Cristo com essas estratégias”, recorda-se Alves, assinalando, porém, que os tempos são outros.
Na pós-modernidade, conforme o pastor explica, o uso de outros recursos que terão uma abrangência muito maior – como as redes sociais e outros aparatos proporcionados pela tecnologia – são de suma relevância. “A essência nunca poderá ser substituída, entretanto o método deve ser aplicado ao seu tempo e público-alvo”, explica, destacando que Jesus falou de peixes, sementes, lamparinas e ovelhas, e chegou perto de outros recursos para Se identificar com o povo de sua época: camponeses, pastores (de ovelhas) e pescadores. “A técnica de contação de histórias prendia a atenção e os levava a ponderar sobre a vida e o Reino dos Céus de uma forma bem simplificada”, assinala. Para Adriano Alves, a maneira de falar do Evangelho deve ser adaptada às necessidades de cada época. “Vamos ‘contar a história’ utilizando táticas diferentes, porém sem mudar a base: apenas nos apropriando de uma linguagem mais coloquial que alcance a todos.”
Para o missionário Luís Tinoco, 49 anos, o trato com jovens abrange duas esferas principais: a visão secular e a de Cristo. E, em sua opinião, nas duas áreas, é possível perceber que moços e moças, por terem habilidade com as plataformas digitais, recebem informações de todos os lados. Segundo Tinoco, isso é bom, já que a juventude passou a interagir mais, emitir opiniões sobre tudo e a se posicionar diante de questões delicadas.
Ao fazer uma retrospectiva do meio evangélico brasileiro nos últimos anos, Luís Tinoco relata que, na década de 1980, era comum ver muitos jovens nas igrejas, independentemente da denominação. “Com o passar dos anos, gradativamente, a igreja foi envelhecendo. E, porque a juventude passou a não se identificar mais com a fala tradicional, as músicas se tornaram nostálgicas e cansativas. E não me refiro à Palavra e à sua essência, que não mudou.”
Essa transformação de cenário, salienta o missionário, obrigou líderes a reformular os trabalhos voltados para a juventude já naquela época. “Resolveram buscar novas formas de se comunicarem com a mocidade, e deu certo.” Hoje, de acordo com Tinoco, fundador da Missão Paz e Resgate, voltada para dependentes químicos, mudar a comunicação é a chave. Para tanto, em sua opinião, é imprescindível ter em mente as palavras de Paulo aos Romanos 12.2: E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. “Sabemos tratar-se de um tempo diferente e investimos nisso. No entanto, não podemos perder a visão”, alerta.
Três gerações
A teoria geracional foi desenvolvida pelos escritores norte-americanos William Strauss e Neil Howe e apresentada em 1991. Por meio dela, os autores postulam que, a cada ciclo de cerca de 20 anos, surge uma nova geração com características bem particulares. A teoria de Strauss e Howe não é inédita e tem sido revista constantemente, mas, com algumas variações, os cientistas sociais classificam assim os três grupos etários mais estudados na atualidade:
Geração X (nascidos de 1965 a 1978): individualistas; buscam a recompensa pelo mérito; respeitam hierarquia; estão dispostos a trabalhar duro para conquistar desafios; influenciados pelo clima dos anos 1960, começaram a abandonar o conservadorismo.
Geração Y ou do Milênio (nascidos de 1979 a 1993): veem menos valor na rigidez de normas e procedimentos e pouco sentido na hierarquia inflexível; pensam mais de que maneira podem alcançar seus sonhos de uma forma individual em vez de conquistá-los por meio de uma empresa, como ocorreu na Geração X; possuem um desejo constante pela busca de novas experiências e são ávidos por mudança, movimento, liberdade, inovação e informalidade.
Geração Z (nascidos de 1994 a 2009): preferem se autorrealizar a ter altos salários; acreditam que podem mudar o mundo; entendem o poder da tecnologia e da coletividade para apoiar causas sociais e ambientais; acreditam que a pluralidade é fundamental, pois, para eles, o estranho é ser igual; desprezam rótulos; vivem tranquilamente em ambientes mais fluidos e lidam bem com incertezas e indefinições.
(Fonte: Projeto Draft)