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01/02/2020Jornal das Boas-Novas – 247
01/02/2020Remédio eficaz
Pela primeira vez, é recomendado aos cardiologistas que abordem o tema “espiritualidade” com seus pacientes
Por Ana Cleide Pacheco
Há algum tempo, a espiritualidade deixou de ser uma questão relacionada apenas ao universo religioso. O assunto tem sido tratado em diversos ambientes e, agora, até nos consultórios médicos. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) recomendou aos profissionais dessa especialidade que abordem o tema com seus pacientes. Isso ocorreu durante o último congresso da SBC, realizado em Porto Alegre (RS) no segundo semestre de 2019. O objetivo não é dizer ao paciente qual religião seguir, mas criar oportunidades para ele expressar sua fé durante a consulta médica. A iniciativa é inédita e visa prevenir doenças do coração ou ajudar no tratamento delas.
A indicação da SBC acompanha o que pesquisas mundo afora têm demonstrado nos últimos anos: crer pode ser um remédio eficaz no combate às doenças. O presidente do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da SBC, Roberto Esporcatte, esclarece que essa é apenas uma orientação e que os médicos não serão forçados a falar sobre o assunto durante as consultas. A ideia é apenas alertar os profissionais sobre a importância desse aspecto na vida das pessoas. “O objetivo desse documento não é obrigar o médico a tratar do tema espiritualidade, e sim mostrar que o paciente precisa falar não só da doença, mas também sobre sua fé e como ela o tem ajudado”, esclarece.
Esporcatte lembra que essa é uma demanda que precisa ser compreendida e atendida pelos médicos. “Para isso, eles devem estar um pouco mais capacitados e mais atentos a esse tipo de necessidade”, informa, assinalando que a recomendação também serve como um sinal para que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psiquiatras, psicólogos) voltem sua atenção para essa área porque envolve os sentimentos dos pacientes.
Muitos benefícios – Para Sylvio Provenzano, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ), a recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia é bem-vinda, já que o médico não deve estar preocupado apenas em prescrever exames e medicamentos. É interessante ele abordar questões de espiritualidade e fé porque estreita o relacionamento médico-paciente. “O que a SBC oportunamente colocou é que a crença religiosa, a prática de uma fé, ajuda, em especial, aquelas pessoas em condições crônicas. Temos, inclusive, evidências científicas relacionadas a isso.”
De acordo com o médico, nos Estados Unidos, por exemplo, existem estatísticas que demonstram o tempo médio de internação dos indivíduos praticantes de alguma religião. O período é menor do que o daqueles que não têm uma crença. “Seja pela visita do pastor, de alguém ligado à sua igreja, seja pela prática de oração, de alguma forma, as estatísticas explicitam que essas pessoas se recuperavam mais rápido”, informa ele. Provenzano salienta que, pela análise de várias evidências científicas, entende-se hoje que os médicos devem, sempre que possível, abordar a questão da religiosidade com seus pacientes.
A médica anestesiologista e acupunturista Leila Maria Chaves Ribeiro celebra a recomendação da SBC. Ela lembra que as doenças, em sua maioria, são causadas pelas emoções. “Se o paciente tiver medo, raiva, ansiedade, preocupação, euforia ou tristeza, irá adoecer. E a primeira questão desse tratamento é tentar ajudá-lo a harmonizar essas emoções, fazendo com que ele vá perdoando e buscando o equilíbrio mental e espiritual. Isso vai refletir no seu corpo”, argumenta.
Foto: Solmar Garcia
O cardiologista José Rogério da Silva concorda com a médica. Segundo ele, há vários anos, diversos artigos e estudos têm sido publicados evidenciando o impacto da espiritualidade na saúde física e nos hábitos de vida e na saúde mental. “O tema vem ganhando espaço nos congressos e na área médica em geral. Está mais do que provado que a espiritualidade acarreta muitos benefícios.”
Ciente disso já há bastante tempo, o especialista não se furta a abordar o assunto em sua prática diária, em especial com pacientes graves. “Trabalho com uma equipe de cirurgia cardíaca, e a pessoa que vai se submeter a esse tipo de intervenção geralmente sente medo. Percebo que, quando abordo o conceito de espiritualidade, ela vai para a mesa de operação mais tranquila e sai mais calma também. Sendo assim: é importante. Além disso, há quem queira falar sobre esse assunto, pois se sente bem”, afirma.
Foto: Arquivo pessoal
O urologista José Genilson Alves Ribeiro: “Raiva, desejo de não perdoar e melindres fazem o coração adoecer”
Foto: Arquivo pessoal
O urologista José Genilson Alves Ribeiro, responsável pela implementação da disciplina Medicina e Espiritualidade na Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que existe uma mobilização na sociedade médica, no mundo inteiro, a fim de fazer com que essa pauta esteja em evidência. “É fundamental levarmos em consideração o paciente, entendendo seus sintomas por meio de suas emoções, frustrações e seus desejos.” Ribeiro diz que pesquisas têm comprovado a relação de muitas doenças cardiovasculares com as emoções. “Raiva, desejo de não perdoar e melindres fazem o coração adoecer. Pessoas que não perdoam têm mais chance de enfartar do que aquelas que o fazem. Estudos comprovam isso.”
“Alívio e paz” – O Pr. João de Paula, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Magé (RJ), acredita que a recomendação da SBC é um passo adiante, embora ainda tímido, para a comunidade médica ajudar ainda mais os enfermos. Afinal, a falta de perdão, declara o pastor, equivale a “armazenar lixo na alma” e adoece o corpo. “Já foi constatado por estudos científicos e pesquisas médicas que problemas de saúde, como o câncer, estão associados à falta de perdão. Em minha opinião, essa diretriz da SBC é um grande avanço”, opina ele. O líder frisa que a fé e o perdão estão relacionados ao restabelecimento e até a cura de pacientes com quadros críticos ou mesmo desenganados pela Medicina. “É bom saber que os profissionais de saúde compreendem que o bem-estar da alma faz toda a diferença na vida cotidiana”, afirma João de Paula, que atua como capelão em hospitais do Rio de Janeiro.
Foto: Arquivo pessoal
A cardiologista Vanessa Andrade Bastos diz que esse tipo de Medicina, com domínio científico, empatia e espiritualidade, é uma arte
Foto: Arquivo pessoal
A cardiologista Vanessa Andrade Bastos ressalta que reconhecer a espiritualidade como componente essencial da saúde não é algo tão simples entre seus colegas. “Para que o médico aborde esse tema, ele mesmo precisa ter alguma crença ou, pelo menos, ter refletido sobre a própria existência alguma vez”, pondera Bastos. Ela destaca que, muitas vezes, esses profissionais são treinados para serem estritamente técnicos. “O tipo de abordagem holística exige o casamento entre três grandes esferas: o conhecimento técnico, a sensibilidade ao sofrimento do outro e o sistema de crenças e valores individuais e coletivos. Quando nos vemos em situações especiais de grande sofrimento, é quase que imperativo ter domínio científico, empatia e transcender.” Vanessa Andrade conclui que exercer esse tipo de Medicina é uma arte. “E é bom que seja feita com e por amor. Que Deus nos encha de sabedoria para sermos instrumentos de cura, alívio e paz.”