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MEC orienta escolas da rede pública a criar ambientes em que as diferenças sejam respeitadas
Por Ana Cleide Pacheco
A escola, por definição, é um lugar de formação, informação e desenvolvimento intelectual. Além de promover a socialização, ela oferece a crianças, adolescentes e jovens conteúdos formais, e lhes dá suporte para organizar e explorar o pensamento. Apesar disso, é comum ouvir casos de alunos que sofreram algum tipo de perseguição, pela crença religiosa deles, por seus posicionamentos político-partidários, por raça ou outras características pessoais. Notícias que relacionam esse espaço ao bullying e até mesmo ao suicídio não são incomuns.
Com o intuito de a instituição ser um local voltado ao livre pensar, onde as diferenças sejam respeitadas, o Ministério da Educação (MEC) enviou um ofício às secretarias de Educação dos estados, municípios e do Distrito Federal. Nele, há algumas diretrizes para a convivência entre os estudantes ser mais pacífica. Denominado Escola de todos, o documento visa garantir aos estudantes da rede pública de ensino do país um ambiente educacional mais igualitário, capaz de criar a próxima geração de forma sadia, humana e civilizada.
De acordo com o responsável pela pasta, ministro Abraham Weintraub, o ofício não é uma ordem, e sim um convite às instituições públicas de ensino a fim de adotarem as medidas sugeridas, uma vez que elas já estão previstas na legislação vigente, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Constituição Federal. “Estamos falando de crianças, adolescentes e jovens, por isso a tentativa de achar um caminho democrático, com as secretarias municipais e estaduais. Pedimos a cada secretaria, com a participação dos pais e das comunidades, que busquem o bom senso. Não queremos cercear o direito de ninguém”, afirmou o ministro, por meio de sua assessoria de comunicação.
Segundo Weintraub, o objetivo da ação é reforçar o direito de todos, principalmente o das crianças, para que tenham um ambiente sadio, evitando, assim, a prática do bullying e episódios de automutilação ou, em casos mais extremos, suicídios. O ministro evidencia que o ideal é a escola ser um lugar de paz e não de cerceamento ou vigilância. “Por isso, a tentativa de buscar um meio termo, um local harmônico e civilizado, esvaziando as tensões. Lembro a todos que o papel da escola é criar uma geração de forma sadia, humana, cível e potencializar ao máximo o futuro das crianças que estão lá.”
Convicções respeitadas – O texto aborda determinados pontos, entre os quais, a necessidade de se criar ações que assegurem padrões educacionais que promovam a paz, a educação emocional, o desenvolvimento intelectual para o exercício da cidadania, além da qualificação para o trabalho. O Escola de todos ainda ressalta outros direitos dos alunos: Ter um ensino ministrado com base no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; ter resguardada a liberdade de expressão, a tolerância de opiniões e o acesso, em sala de aula, às diversas versões, teorias e perspectivas sociais, culturais, econômicas e históricas; não ser prejudicado por sua história, identidades, crenças e convicções políticas ou ideológicas; não ser submetido a propagandas político-partidárias no ambiente escolar; seguir a religião que esteja de acordo com suas convicções; ter suas crenças e convicções respeitadas por professores e outros indivíduos, desde que não incitem a violência.
A Profª Aline Macena da Rocha, que tem 20 anos de magistério, vê a importância desses registros, porque o ambiente escolar, para ela, ainda está longe de ser totalmente inclusivo. Porém, em sua opinião, todos os direitos dos alunos devem ser discutidos com toda a comunidade escolar, incluindo os próprios alunos e a família deles. “À medida que essas informações forem divulgadas entre os pais – os quais devem ser chamados para receber orientações sobre a existência desses direitos e como garanti-los –, começaremos a vislumbrar essa escola para todos”, defende Aline da Rocha, membro da Primeira Igreja Batista de Duque de Caxias (RJ), na Baixada Fluminense.
A pedagoga e pastora Michele de Souza Porto do Tabernáculo Apostólico Semeando Avivamento, no Fonseca, em Niterói (RJ), pensa que uma escola voltada a todos é um grande desafio. “São muitas situações pessoais, coletivas e vários conflitos. Isso envolve a direção do colégio, professores, alunos e os pais. Mas é fundamental refletir sobre a escola ser, por excelência, um dos principais espaços de formação do indivíduo, por isso o bom senso e o equilíbrio devem prevalecer.”
Tecnologia e transformação – Por sua vez, a Profª Lúcia Cristina de Paula Pereira, no magistério há 24 anos, lembra que o respeito às diferenças é um conceito que precisa ser trabalhado pela comunidade escolar. “Respeito ao próximo e às suas escolhas é algo que deveria ser difundido aos quatro cantos do mundo. Ninguém muda ninguém, contudo um debate saudável pode ajudar um adolescente, por exemplo, a repensar suas decisões. Essa é uma proposta a ser observada dentro das escolas”, defende a docente, membro da Assembleia de Deus em Paciência, no bairro Rio do Ouro, em Niterói (RJ).
Foto: Arquivo pessoal
A pedagoga Vanessa Goulart: “O ambiente escolar precisa acompanhar essas mudanças”
Foto: Arquivo pessoal
A pedagoga Vanessa Goulart faz coro com Lúcia Pereira, frisando que escola e sociedade vêm mudando ao longo dos anos e que o avanço da tecnologia tem transformado o cotidiano das pessoas. “O ambiente escolar precisa acompanhar essas mudanças, com base no princípio do respeito e com bastante diálogo, sempre incluindo e integrando os alunos para que, realmente, tenhamos uma escola para todos”, diz Goulart, a qual atua na área da educação há 15 anos.
Para a Profª Gisela Paula da Silva Faitanin, a orientação do MEC é pertinente e pode auxiliar na construção de um país mais humano e uma sociedade mais justa. “Penso que vivemos um momento cultural favorável à diversidade. Em contrapartida, existem atitudes preconceituosas e desrespeitosas a ela”, constata, ressaltando que essas posturas preconceituosas não são inatas ao indivíduo, e sim desenvolvidas culturalmente e, portanto, passíveis de serem modificadas. “A implementação dessa cultura de paz e de respeito à diversidade contribuirá, em longo prazo, para uma sociedade mais humana e pacífica”, defende Gisela, que trabalha há 18 anos no setor educacional.
A Profª Flávia Nascimento de Aguiar concorda com Gisela Faitanin. “Creio que seja possível, mas se trata de uma construção coletiva, que vai acontecer paulatinamente, de forma crítica e democrática e, sobretudo, respeitando a identidade dos educandos.” Por isso, ela acredita que a iniciativa do MEC seja um passo relevante a fim de a multiplicidade de opiniões no ambiente educacional ser garantida. A fala da profissional está em consonância, portanto, com a do próprio ministro Abraham Weintraub por ocasião da assinatura do ofício: Qual é o papel da escola? É preparar e ensinar a próxima geração a serem brasileiros melhores do que a atual geração. Este é um país que sempre foi tolerante e que deve manter esta característica.