Na prateleira – 302
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Salomão L. Ginsburg foi um dos grandes responsáveis por espalhar o Evangelho em terras brasileiras entre o final do século 19 e o início do século 20
Por Élidi Miranda*
O salão no Recife (PE) estava cheio de ouvintes atentos – entre eles, um certo Herculano, cidadão que se destacava entre os demais por sua grande estatura. O orador proclamava a plenos pulmões: O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo pecado. Após o culto, Herculano expressou interesse naquela mensagem, e o pregador, comprometido com sua missão, dispôs-se a visitá-lo. Logo, o servo de Cristo soube que tal pessoa era, na verdade, um conhecido ladrão e assassino.
No entanto, o mensageiro do Senhor não costumava se intimidar e foi à casa do homem assim mesmo. Após algum tempo de conversa e de explanação das Escrituras Sagradas, Herculano, de joelhos, rendeu-se ao poder do Evangelho, clamando pelo perdão no sangue purificador de Jesus sobre seus pecados. O pregador era Salomão Luiz Ginsburg (1867-1927), um dos mais atuantes missionários estrangeiros em terras brasileiras: de São Paulo ao Amazonas, dezenas de cidades do país foram alvo de seu ministério.
Nascido em uma família judia na Polônia, Ginsburg era filho de um rabino ortodoxo, e seu destino já havia sido traçado: seria o sucessor do pai em seu ofício religioso. Porém, ele preferiu seguir para Londres, na Inglaterra, onde encontrou abrigo na casa de um tio. Na capital britânica, Salomão conheceu o Evangelho quando um missionário judeu o convidou a participar de um culto no qual a ministração foi sobre Isaías 53. Convencido, naquela noite, de que Jesus era o Messias, Ginsburg começou a ler avidamente o Novo Testamento e a participar dos cultos, até que, finalmente, recebeu Cristo como Salvador.
Tempos depois, ainda na Inglaterra, Ginsburg sentiu o chamado para trabalhar em missões transculturais. Começou a orar pelas necessidades da Índia, da Jamaica, da América do Sul e de outros campos missionários que chegaram ao seu conhecimento. Enquanto pedia a direção do Espírito Santo, o povo negligenciado do Brasil parecia surgir com os braços estendidos apelando por ajuda. Deixando sua noiva em Londres, a enfermeira Carrie Bishop, que também se sentia vocacionada para atuar como missionária, ele se mudou para Portugal a fim de estudar a língua local. Com uma inteligência fora do comum, Ginsburg aprendeu rapidamente o português e embarcou em um navio para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 10 de junho de 1890.
Ele se sustentava vendendo bíblias e livros cristãos. Um dia, vendeu cem exemplares do evangelho de João para pessoas que saíam de uma igreja católica situada na rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro. Seu ministério teve início com pregações ao ar livre, nas quais, frequentemente, era rechaçado por populares, porém isso jamais o intimidou. Em 1891, a jovem Carrie chegou ao Brasil, e eles se casaram. Entretanto, ela contraiu febre amarela e faleceu quatro meses depois.
Conspiração frustrada – Deixando o Rio de Janeiro, Ginsburg se instalou no Recife e viajou por diversos rincões do Nordeste, pregando o Evangelho, sempre enfrentando perseguições e até tentativas de assassinato. Em 1893, casou-se com Emma Morton, que já era missionária no Brasil, e, com ela, teve três filhos.
Pouco depois, iniciaram o trabalho missionário em Campos (RJ). Naquela época, havia cerca de 30 crentes nessa localidade. O pregador decidiu, então, estender sua missão às cidades vizinhas de São Fidélis e de Macaé. Nesses locais, enfrentou grande oposição. Em São Fidélis, em 1894, chegou a ser preso e transferido para Niterói, sendo solto por ordem do governador do estado.
Ele retornou a Pernambuco por volta de 1900, onde ficou até 1909, plantando novas igrejas. Uma das histórias mais peculiares dessa época ocorreu em Nazaré da Mata (PE), situada no interior, mas a menos de 70 km de Recife. O padre local havia contratado um conhecido cangaceiro, Antônio Silvino, para matar Ginsburg enquanto este pregava ao ar livre. Informado da conspiração, o missionário se manteve firme e pregou durante duas horas. Mais tarde, soube que o assassino havia ingerido uma quantidade significativa de álcool antes de ir ao seu encontro e caíra no sono.
O matador profissional foi atrás dele em outra cidade. No entanto, em vez de executar o plano, teve uma longa conversa acerca do Evangelho com o pregador. Aquele indivíduo, que já havia cometido 66 assassinatos, terminou a noite convertido. Tempos depois, Antônio Silvino foi preso. Na cadeia, recebeu a visita de Graciliano Ramos (1892-1953), à época, um jovem jornalista, que descreveu assim seu encontro com o cangaceiro convertido: Tudo que se consegue arrancar de Antônio Silvino é sobre os batistas e a Bíblia.
Diante do crescimento do trabalho e percebendo a grande necessidade de formar líderes evangélicos brasileiros, Ginsburg organizou uma turma de dez alunos para ministrar aulas de Teologia e História no Recife. Assim, foi lançado o embrião do que viria a se tornar o Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBNB), que existe até hoje. Ele também ajudou a fundar a primeira casa publicadora ligada à Igreja Batista, no Rio de Janeiro, traduziu vários hinos para o português e editou, em 1901, o Cantor cristão, hinário das igrejas batistas do Brasil.
Salomão Ginsburg faleceu em São Paulo, no dia 1º de abril de 1927, antes de completar 60 anos, deixando escrita sua biografia, Um judeu errante no Brasil (JUERP), obra na qual relata suas muitas aventuras e realizações a serviço do Reino de Deus. (Élidi Miranda com informações de Wholesome Words e Museu Batista do Sertão)