Vida cristã
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Segundo a Bíblia, os alcançados pela misericórdia divina devem demonstrar compaixão por seus semelhantes
Por Patrícia Scott
No Dicionário Houaiss, uma das definições para misericórdia se remete a sentir dor e solidariedade com relação a quem sofre uma tragédia pessoal. É também sinônimo de dó, compaixão, perdão, graça ou clemência. Em sua origem latina, a palavra é formada pela junção de miserere (ter piedade) e cordis (coração). Utilizado diversas vezes nas Escrituras Sagradas, o termo expressa a compaixão de Deus para com a humanidade perdida e enfatiza a necessidade de os seres humanos demonstrarem piedade.
Aplicada ao Criador, essa palavra se refere a um favor concedido ao homem apesar de suas falhas e está intimamente ligada ao conceito bíblico de redenção. Em Êxodo 34.6, após a libertação dos israelitas, Deus é descrito como misericordioso e piedoso. No Novo Testamento, a misericórdia divina é personificada em Jesus Cristo, o Deus encarnado que morreu na cruz em lugar dos pecadores, a fim de lhes garantir a vida eterna. O apóstolo Paulo assim resume tal feito em Efésios 2, versículos 4 e 5: Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos).
O Pr. Daniel Bahiano, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus em Sorocaba (SP), sublinha que o Messias é a própria misericórdia do Senhor em benefício da humanidade (Jo 3.16). “Semelhantemente ao Criador, Jesus exprimia esse atributo com atitudes: curando os enfermos, alimentando os famintos, defendendo os injustiçados e, principalmente, perdoando”, enumera o ministro, lembrando que quem é alvo da bondade de Deus deve demonstrá-la: Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso (Lc 6.36). “Podemos fazer as mesmas obras de Cristo e outras maiores se crermos [João 14.12]”, assegura o pastor, advertindo que isso envolve amar e ajudar quem precisa, independentemente do comportamento alheio.
Natureza caída – A Pra. Patrícia Andrade, da Comunidade Evangélica Projeto de Deus, em Anchieta, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), reforça que o ministério terreno de Jesus foi a expressão máxima da misericórdia. A líder religiosa ressalta que o Mestre nunca desprezou ninguém nem mesmo aquele que O trairia. “Ele caminhou com Judas, tornou-o um discípulo e entregou-lhe um ministério, pois era tesoureiro. Cristo demonstrava misericórdia salvando, curando, libertando e apresentando o Reino de Deus.”
De acordo com a pastora, atitudes compassivas precisam ser acompanhadas de demonstrações de alegria e força, esperança e fé. Sem isso, a mente e o coração do crente estarão em desalinho com os mandamentos do Altíssimo. “Quanto menos formos parecidos com Ele, mais similares ao mundo ficaremos, o que nos torna inimigos do Senhor. Dessa maneira, seremos destituídos dos benefícios de um legítimo filho de Deus, podendo cair espiritualmente”, alerta. Patrícia Andrade ensina que o pecado da queda tirou dos seres humanos a bondade espontânea. Então, é mais fácil sentir apenas as próprias mazelas e ignorar as do próximo. “Quando o grito é do outro, enxergamos as coisas por um ângulo diferente. Ao sermos reconciliados com o Pai, a regeneração proporcionada pelo Espírito Santo nos habilita a manifestarmos misericórdia, mesmo que não o tempo todo.”
No entendimento do Pr. Marildo Ribeiro, líder regional da IIGD em Chapecó (SC), é essencial saber a diferença entre graça e misericórdia. “A primeira representa o bem proporcionado pelo Senhor mesmo sem o merecimento humano”, destaca ele, citando João 4.4-42, que fala do encontro do Mestre com a mulher samaritana. “Jesus a alcançou com amor, apresentando-lhe a salvação”, explica Ribeiro.
Já a misericórdia, lembra o ministro, ocorre quando o Senhor não pune o homem como ele mereceria. Foi o que aconteceu em Nínive, para onde o profeta Jonas fora enviado por Deus para pregar arrependimento àqueles moradores antes que o Todo-Poderoso destruísse a referida localidade (Jn 3). “Não importa o pecado ou o deslize. O importante é se voltar para o Criador com o coração arrependido.” Curiosamente, recorda-se Ribeiro, o profeta não tinha desejo de levar a misericórdia de Deus aos ninivitas pelo fato de eles serem inimigos de Israel. Isso aconteceu de tal forma que, para escapar do chamado divino de pregar à cidade, o mensageiro do Senhor embarcou em um navio destinado a outro lugar (Jn 1.3), mas acabou no ventre de um grande peixe (Jn 1.17), onde finalmente teve de cumprir a vontade do Altíssimo. No entanto, observa o pastor, diante do arrependimento dos ninivitas, Jonas ficou irado ao constatar que a misericórdia divina havia sido manifestada em favor daqueles que ele próprio julgava não serem merecedores do favor de Deus (Jn 4).
Outro exemplo bíblico da dificuldade que os homens têm de exercer misericórdia está em Mateus 12.7. Nesse texto, Jesus repreende os fariseus, citando Oseias: Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes (Os 6.6). “Nesse trecho, Deus diz ao Seu povo que não adianta oferecer adoração a Ele e não ser misericordioso”, esclarece o Pr. Silas Daniel, da Assembleia de Deus no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). Segundo Silas, na passagem de Mateus, a razão da crítica de Jesus aos legalistas é o fato de eles serem rígidos quanto à norma mosaica de guardar o sábado, mas negligenciarem a necessidade dos discípulos de se alimentarem. “A misericórdia vem antes do sacrifício de não trabalhar no sétimo dia da semana”, explica o pastor.
Compaixão e perdão – O Pr. Mazi Cunha Macedo, ministro auxiliar da Primeira Igreja Batista de Irajá, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), afirma que, para o cristão, a misericórdia é digna de admiração quando embasada em intenções genuínas. “Nosso propósito é servir a Deus, mas também ao próximo”, pontua o líder, assinalando que o mundo precisa conhecer Jesus a partir da Igreja e de suas obras, seja distribuindo pão aos necessitados, seja pregando aos perdidos o Pão da Vida. “Dessa forma, exalamos o suave perfume de Cristo. Os sermões podem alcançar alguns, porém nossos atos misericordiosos arrastam uma multidão para perto do Jesus encarnado”, ensina ele, destacando que misericórdia e perdão andam de mãos dadas e são dois elementos centrais da doutrina cristã.
O ministro pondera que todo ser humano merece uma segunda chance, apesar de seu passado. “Não existiriam salvação, regeneração e transformação sem misericórdia e perdão. Precisamos aprender a perdoar, assim como devemos pedir perdão quando necessário. Isso é exercer misericórdia.”
Essa atitude é fundamental, como defende o Pr. Elton Eduardo Paz de Araújo, líder regional da IIGD em Tancredo Neves (AM), ao citar a advertência do apóstolo Tiago: Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa sobre o juízo (Tg 2.13). Essa palavra, observa Araújo, confirma o quanto o Senhor a valoriza. “As pessoas que demonstram compaixão e perdão estão alinhadas com a vontade de Deus.”
Doutorando em Ciências da Religião, o ministro ressalta, no entanto, que muitos desejam ser alvo de misericórdia, mas sem oferecer contrapartida. Não querem ser misericordiosos: “Talvez devido ao egoísmo ou medo de serem enganados”, aponta ele, avaliando que há quem sinta dificuldade de ter empatia ou não consiga perdoar por falta de compreensão da dor alheia ou de humildade.
Entretanto, para o salvo em Jesus, não existem desculpas: “A capacidade de ser misericordioso é um exercício contínuo de aprendizado e crescimento pessoal. Na visão do nosso Deus, a misericórdia é um aspecto indispensável do caráter cristão e da vida em comunidade. É um atributo ilimitado do Senhor até o último suspiro do homem na Terra”, conclui o pastor.