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Por que as atuais e rápidas inovações no campo digital desafiam a humanidade
Por Ana Cleide Pacheco
Os diversos recursos tecnológicos, como a inteligência artificial (IA), estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. No transporte público utilizado nas metrópoles, por exemplo, o trabalho do cobrador foi substituído por um dispositivo que desconta o valor da passagem a partir da aproximação de um cartão magnético. Nas grandes redes de lanchonetes de fast-food, os clientes têm à disposição totens interativos e, por eles, escolhem seus lanches e fazem o pagamento dos seus pedidos. No ambiente doméstico, robôs aspiradores de pó podem ser programados para limpar a casa toda. Dispositivos são capazes de ligar as luzes ou o ar-condicionado da residência à distância com simples comando de voz. Há também os celulares usados para as mais diversas atividades, dada a infinidade de aplicativos que permitem controlar a conta bancária, checar o clima, fazer cálculos e assistir às pregações do Missionário R. R. Soares pelo YouTube.
Especialistas acreditam que a interação diária do homem com as máquinas, em atividades simples ou nas mais complexas, seja um processo irreversível. Diante desse cenário, a reportagem de Graça/Show da Fé buscou opiniões de evangélicos sobre três questões fundamentais: Até onde a humanidade pode se beneficiar com esse aparato tecnológico? A longo prazo, que mudanças significativas poderão ocorrer devido ao uso desses recursos? Quais seriam as principais implicações futuras a partir da utilização da tecnologia?
Na opinião do militar Willy Chagas da Silva, 28 anos, as tecnologias, em si mesmas, não têm o poder de prejudicar o ser humano, mas a apropriação equivocada dessas ferramentas causará problemas. “É de conhecimento dos usuários mais atentos que as redes sociais são programadas para aprender sobre nossos gostos, preferências e interações por meio de algoritmos. Tudo está sendo observado. Somos bombardeados com informações, vídeos e postagens sobre coisas de que gostamos.”
Willy Silva afirma que esse mecanismo é bem engendrado e leva as pessoas a desperdiçar um tempo precioso que poderia ser gasto em atividades infinitamente mais proveitosas. “Deixamos de nos preparar para uma prova ou nos esquecemos dos afazeres domésticos. O mau uso da tecnologia acarreta uma série de dificuldades que nem são vistas dessa maneira”, lamenta-se ele, membro do Projeto Água da Vida do Fonseca, em Niterói (RJ).
O servidor público João Vitor Santos Ferreira, 42 anos, membro da mesma igreja de Willy, reforça que as tecnologias trazem consigo vantagens e desvantagens. João recorda, por exemplo, que o domínio do fogo deu à humanidade mais conforto e qualidade de vida. Com ele, tornou-se possível aquecer e iluminar ambientes e cozinhar alimentos. Entretanto, o ser humano passou a inalar dióxido de carbono, um gás tóxico. “Se pararmos para analisar, sempre teremos pontos positivos e negativos em todas as invenções, e não seria diferente com a internet, que aproxima quem está distante fisicamente, mas, em contrapartida, distancia quem está perto. Creio que isso tudo seja fruto do desequilíbrio que o homem possui em muitas – senão em todas – as áreas”, avalia o funcionário público, citando um conhecido versículo escrito por Moisés, alguém que percebeu a importância de pedir sabedoria a Deus a fim de remir o tempo: Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio (Sl 90.12). “Essa passagem nos aponta o caminho do equilíbrio”, orienta.
“Com responsabilidade” – O teólogo e pastor Leonardo Ferreira Nascimento, 45 anos, da Comunidade Evangélica Habitar, no bairro Coelho, em São Gonçalo (RJ), ressalta a importância de as pessoas lançarem mão dos recursos da modernidade de forma equilibrada e consciente. “Tudo em excesso pode gerar malefícios”, ensina ele, destacando que a tecnologia e a inteligência artificial podem trazer avanços significativos em diversas áreas, inclusive na proclamação do Evangelho, desde que aplicadas de maneira ética e adequada. “É fundamental que nós, cristãos, usemos esses instrumentos com responsabilidade, no intuito de alcançar mais pessoas e mudar positivamente a vida delas.”
O Pr. Rubem Macedo França, 51 anos, da Assembleia de Deus do Brás em Santa Barbara d’Oeste (SP), consultor de vendas no mercado digital, concorda com o teólogo Leonardo Nascimento. “A fé cristã nos ensina a buscar o equilíbrio. O uso consciente das tecnologias é essencial para mantermos nossa conexão com Deus e nossos valores espirituais. Devemos nos lembrar de que elas são uma ferramenta, e não um fim em si mesmas”, observa França, reconhecendo que a inteligência artificial é uma inovação revolucionária que está transformando o mundo com contribuições relevantes. “Ela oferece inúmeros benefícios, como diagnósticos médicos mais precisos, automação de tarefas repetitivas e personalização de serviços”, enumera. Entretanto, ele salienta que, como em todas as grandes mudanças, a inteligência artificial envolve questões éticas e sociais. “É essencial dosar o progresso tecnológico com os princípios éticos, garantindo que a IA seja usada para o bem-estar da humanidade”, pontua.
Já a Profª Anna Lucia Spear King, coordenadora do Instituto Delete, ligado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), ressalta que as sociedades nem tiveram tempo de avaliar os riscos e benefícios dos recentes avanços tecnológicos. “A inteligência artificial está surgindo de forma descontrolada: as pessoas não entendem como usá-la, e a sociedade ainda não tem leis que possam punir por seu uso indevido”, adverte a especialista, pós-doutora em Dependência Digital.
Ao analisar a questão, Anna King alertou para um fato ocorrido recentemente em um colégio particular do Rio de Janeiro, onde alguns alunos alteraram digitalmente fotos de meninas de biquíni, fazendo parecer que elas estavam nuas, e postaram as imagens falsas na internet. “Esse crime abalou o emocional das adolescentes, que ficaram vulneráveis a críticas e julgamentos alheios.” A especialista citou outro exemplo de mau uso da inteligência artificial que tem afetado a realização de tarefas no ambiente escolar: a utilização de ferramentas de produção textual para fazer trabalhos. “Obviamente, o professor percebe que um pensamento tão adiantado não corresponde ao daquele jovem”, assegura King, alertando para o fato de que milhares de textos e fotos podem ser manipulados por inteligência artificial – algo que gera consequências. “A sociedade precisa estar atenta, porque estamos falando do equilíbrio e do bem-estar social nesse caso.”
Novos desafios – Países como os Estados Unidos e os que integram a União Europeia estão trabalhando para que a questão seja avaliada com muito critério e rigor científico. A ideia é criar fundamentos éticos e normativos para a utilização da inteligência artificial, sem que sejam tolhidas as inovações. No fim de 2023, representantes dos países membros do G7 (grupo das sete maiores economias mundiais) estiveram reunidos na cidade de Hiroshima, no Japão, e esboçaram um documento com políticas e princípios gerais que orientem o uso da IA. No Brasil, pelo menos quatro projetos de lei que versam sobre o tema tramitam nas casas legislativas federais desde 2019. Contudo, as autoridades no assunto reconhecem que são inúmeros os desafios dessa nova tecnologia. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Difícil tarefa]
Para o teólogo Sandro Raphael da Silva Soares, 48 anos, um dos maiores problemas a superar, por causa das inovações tecnológicas, é a substituição do serviço do homem por robôs em diversas atividades – algo que impacta diretamente o mercado de trabalho. “Hoje, temos as cirurgias feitas por meio de máquinas. Mas precisamos estar atentos, pois, aos poucos, a IA vai ganhando espaço a ponto de, daqui a alguns anos, substituir a figura do médico”, acredita Sandro Soares, membro da Igreja Mananciais, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
O empresário Marco Moreira, 48 anos, especialista em Tecnologia, concorda com Sandro Soares. Ele menciona que desapareceram muitas profissões e que, há alguns casos, os profissionais tiveram suas rotinas laborais alteradas, especialmente em tarefas repetitivas, como acontece em linhas de produção, análise de dados, cálculos e projeções. Para Moreira, existe mesmo o risco de as máquinas dominarem aspectos da vida humana, a ponto de se tornarem incontroláveis. No entanto, segundo ele, isso só acontecerá se o homem deliberadamente conceder essa capacidade à parafernália tecnológica, tal como é descrito em incontáveis filmes que retratam o desenvolvimento de inteligências artificiais dispostas a iniciar um plano de extermínio da raça humana. O empresário acredita que estamos longe do fatalismo pregado nessas obras de ficção, mas faz um alerta: “Recursos e métodos de segurança precisam ser garantidos e implementados porque o avanço da IA pode acarretar riscos para a sociedade. Felizmente, figuras centrais, como líderes governamentais e executivos de grandes corporações, estão defendendo a imposição de limites antes que as ideias ficcionais se tornem realidade”, pondera.
DIFÍCIL TAREFA
Os desafios de criar uma regulamentação para a inteligência artificial são diversos. Dentre eles, destacam-se:
:: A velocidade de inovação em IA, que avança em ritmo vertiginoso, gerando a necessidade de uma regulamentação que se mantenha atual com o passar do tempo, de modo a não se tornar rapidamente obsoleta.
:: A diversidade e a complexidade da IA – um conjunto de tecnologias com incontáveis variações e aplicações. Cada modelo tem características próprias, assim como distintas implicações éticas e técnicas.
:: A necessidade de haver um consenso internacional, capaz de estabelecer padrões globais para o uso ético e seguro da IA. Tal “alinhamento” está longe de existir: é preciso que representantes de diferentes nações se esforcem para encontrar um caminho em comum, apesar dos diferentes contextos culturais, econômicos e políticos.
:: A questão da complexidade regulatória: a IA é um processo complexo, multifacetado, com implicações de ordem técnica, ética, social e econômica. A regulamentação precisaria contemplar tanto a segurança e a ética quanto assegurar liberdade de inovação aos desenvolvedores.
(Fonte: Publish News)