Jornal das Boas-Novas – 294
30/01/2024Heróis da Fé | Reinhard Bonnke
31/01/2024Em meio à opressão
Igreja iraniana está entre as que mais crescem no mundo, apesar das violações de direitos humanos praticadas pelo governo de Teerã
Por Élidi Miranda*
A jovem iraniana Armita Garawand, 16 anos, morreu depois de passar cerca de um mês em coma. Ela foi espancada por agentes da Polícia de Moralidade por não usar o hijab (véu ou lenço) corretamente sobre a cabeça. A garota fazia parte do Movimento pela Liberdade Feminina, que teve início em setembro de 2022, após a morte da curda Mahsa Amini, 22 anos, outra vítima da polícia iraniana por supostamente violar a lei que determina que as mulheres cubram os cabelos com o lenço. Casos como esses são recorrentes no Irã, país da Ásia Ocidental de 88 milhões de habitantes, que possui um longo histórico de violações de direitos humanos, sobretudo de mulheres e integrantes de minorias religiosas, como os cristãos.
O assassinato de Amini, em 2022, desencadeou uma série de protestos contra a tirania do regime islâmico, controlado pelo líder supremo para os mulçumos xiitas, o aiatolá Sayyid Ali Hosseini Khamenei (no cargo desde 1989), e seu preposto, o presidente ultraconservador Sayyid Ebrahim Raisol-Sadati, conhecido como Ebrahim Raisi (no poder desde 2021). Entretanto, a onda de manifestações teve um efeito contrário: levou as autoridades de Teerã a aumentar a pressão sobre os grupos minoritários, especialmente os cristãos protestantes, considerados inimigos do Estado iraniano. No Irã, todo evangélico é visto como terrorista e defensor de Israel e dos Estados Unidos.
Nova classe – Por lei, a religião oficial iraniana é o islamismo xiita, portanto todo cidadão deve seguir o islã. Os que se convertem ao cristianismo passam a integrar uma nova classe social, a dos najis (impuros), e são considerados cidadãos de segunda classe, sendo privados de uma série de direitos. Os cristãos não podem se reunir livremente em igrejas, e a Bíblia é proibida em território iraniano. Quando são presos, os servos de Deus são torturados fisicamente e obrigados a frequentar aulas sobre o islamismo, a fim de serem reconvertidos à religião nacional. Além disso, seus filhos são rejeitados nas instituições de ensino.
O Estado iraniano veda qualquer tipo de atividade evangelística, uma vez que, segundo a legislação, o proselitismo cristão equivale a ameaça à segurança nacional. As punições previstas em lei podem variar de multa exorbitante, prisão e até pena de morte.
Em julho de 2023, mais de 50 cristãos de origem muçulmana foram presos em uma nova onda de repressão em cinco cidades do Irã – Karaj, Rasht, Orumiyeh, Aligoudarz e a capital, Teerã. Não há informações sobre os motivos das detenções, mas sabe-se que alguns foram libertos mediante pagamento de fiança.
No mesmo mês, o pastor Yousef Nadarkhani foi obrigado a comparecer mais uma vez diante da Justiça para responder a falsas acusações de ameaça à segurança nacional por abrir igrejas domésticas e difundir o Evangelho. Em 2017, o pregador fora sentenciado a dez anos de prisão e a dois anos de exílio no Sul do Irã. Em fevereiro de 2023, ele foi um dos sete cristãos a receber o perdão do governo durante as celebrações do aniversário da Revolução Iraniana. Entretanto, Nadarkhani obteve uma anistia parcial: deixou a prisão, mas recebeu os 30 açoites que lhe foram impostos e terá de cumprir a pena de exílio.
Em maio, Sara Ahmadi e Homayoun Zhaveh, que frequentavam cultos em igrejas domésticas, foram libertados da prisão de Evin após nove meses de detenção. O casal foi preso por participação em reuniões proibidas e por, supostamente, ameaçar a segurança nacional.
Estado totalitário – Em 2023, o Departamento de Estado norte-americano recolocou o Irã na condição de país de particular preocupação, atendendo aos relatórios da Comissão Para a Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF, a sigla em inglês). O órgão governamental sugeriu que as contínuas violações dos direitos humanos por parte do Irã deveriam ser denunciadas ao Tribunal Penal Internacional.
Por sua vez, a Missão Portas Abertas pôs o Irã na 8ª posição da Lista Mundial da Perseguição – ranking elaborado anualmente pela agência missionária, que elenca os 50 países mais intolerantes à fé cristã. A alteração e o endurecimento do código penal em 2021, que também é usado para condenar cristãos, fazem parte de um desenvolvimento mais amplo no qual o Irã está se tornando um Estado totalitário. A vigilância do Estado está aumentando, e as autoridades exercem um domínio crescente nas atividades e na vida diária, uma atitude refletida nas respostas severas aos protestos que se seguiram após a morte de Mahsa Amini, em 16 de setembro de 2022, diz um comunicado da instituição, em seu site.
Apesar das ações totalitárias do regime de Teerã, a Igreja cristã iraniana está entre as que mais crescem no mundo, segundo observadores internacionais. É o que indica a organização norte-americana International Christian Concern (ICC), responsável por monitorar a perseguição aos cristãos no país. Segundo a ICC, embora seja difícil frequentar um culto ou mesmo ter um exemplar da Bíblia, os convertidos recorrem às redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp, para se conectarem com outros servos do Senhor e, assim, conseguir acesso aos ensinos bíblicos.
Além disso, muitas organizações têm atuado no Irã, levando o Evangelho ao país. Entre elas, está a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), que mantém um perfil no Facebook e um canal no YouTube, os quais transmitem mensagens do Missionário R. R. Soares com legendas em persa. Outro grupo que tem se empenhado para levar as Boas-Novas àquela nação asiática é o Iran Alive Ministries, que, na primeira página de seu website, declara: Deus está transformando o Irã em uma nação cristã, uma alma de cada vez. A organização, sediada nos EUA, utiliza a TV via satélite, com transmissões 24 horas por dia, sete dias por semana, com mensagens cristãs e ensinamentos bíblicos para o povo iraniano.
Desesperança e decepção – Alguns estudiosos do Oriente Médio dizem que a história recente iraniana explica por que os cristãos têm enfrentado tantas perseguições naquela nação. Em 1979, o Irã deixou de ser uma monarquia controlada pelo xá Mohammad Reza Pahlavi (1919-1980), tornando-se a única teocracia do mundo liderada por um religioso fundamentalista islâmico, o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989). A monarquia era a forma de governo do país desde a fundação do Império Persa, por Ciro, o Grande (600-530 a.C.).
Pahlavi assumiu o trono nos anos de 1940. Progressista, ele deu início a uma série de reformas econômicas, sociais e políticas, cujo objetivo era transformar o Irã em uma nação ocidentalizada e próspera. Entretanto, suas medidas não foram bem recebidas por boa parte da população iraniana, majoritariamente muçulmana, conservadora e avessa aos costumes ocidentais.
Além disso, o padrão de vida de ostentação da Família Real e as inúmeras denúncias de corrupção também desagradavam ao povo. De 1963 a 1967, a economia iraniana cresceu consideravelmente, graças aos aumentos do preço do petróleo. Em contrapartida, a inflação teve um crescimento e fez com que o padrão de vida das classes média e baixa piorasse.
O descontentamento crescente gerou, na segunda metade da década de 1970, diversas manifestações violentas, insufladas por líderes islâmicos, em várias cidades. Símbolos considerados ocidentais, como cinemas e bares, foram incendiados. Os manifestantes pediam o fim da monarquia e o estabelecimento de um regime islâmico, o qual, teoricamente, expurgaria os valores ocidentais e acabaria com as desigualdades econômicas.
Após muitos protestos sangrentos, em 11 de fevereiro de 1979 foi proclamada a República Islâmica do Irã, sob a liderança do principal líder revolucionário, Ruhollah Khomeini, nomeado aiatolá. Uma nova constituição foi aprovada, com base na Sharia, a lei islâmica, o que prejudicou especialmente as mulheres. Sob o regime do xá, elas haviam conquistado muitos direitos, e, em alguns casos, importante participação na sociedade, inclusive no governo.
No entanto, tudo mudou após a “revolução”: a idade mínima para o casamento baixou para nove anos entre as mulheres; as roupas ocidentais foram banidas, e elas passaram a ter a obrigação de cobrir o corpo, segundo as regras islâmicas; e o uso do hijab se tornou obrigatório. O descumprimento da lei que regulamentou a utilização do hijab deu origem a casos lamentáveis, como os de Armita Garawand e Mahsa Amina, citados no início desta reportagem.
Mais de quatro décadas depois, esse regime opressor e policialesco nunca cumpriu a promessa de melhorias econômicas e sociais. Pelo contrário: os iranianos sofrem devido aos problemas sérios de infraestrutura até hoje. Um exemplo disso ocorreu no verão de 2023, quando houve vários cortes de energia elétrica e até racionamento de eletricidade por falta de capacidade de geração energética e falhas de distribuição.
O quadro econômico, cada vez mais grave, lançou o povo iraniano em um mar de desesperança e decepção com os políticos e em relação ao próprio islã. As taxas de suicídio dispararam nos últimos anos, assim como o número de dependentes químicos. Segundo informações da Missão Portas Abertas, cristãos locais relatam um crescimento no número de pessoas que se dizem agnósticas e na quantidade de muçulmanos nominais, principalmente em áreas urbanas. Muitos iranianos ainda se declaram fiéis ao islã apenas por segurança, uma vez que abandonar a religião significa ser punido com uma série de limitações e discriminações.
Ainda assim, apesar da perseguição, o interesse pelo cristianismo continua a aumentar no país, e os cristãos seguem encontrando formas de resistir à opressão e de espalhar o Evangelho – estratégia que vem dando resultados. A Igreja iraniana floresce em meio a uma população predominantemente desiludida com um sistema religioso que apenas as oprime e as controla com a mão pesada do Estado. (*Com informações de BBC, Missão Portas Abertas e International Christian Concern – ICC)