Minha Resposta – 287
01/06/2023Cultura & Cristianismo
15/06/2023Preparo necessário
Pesquisa aponta: pastores não estariam capacitados para lidar com pessoas que apresentam traumas emocionais
Por Evandro Teixeira
Eventos estressantes, marcados por forte carga emocional, podem desencadear o que os especialistas chamam de trauma psicológico. Trata-se de uma experiência dolorosa, difícil de ser esquecida. A lembrança desses fatos se caracteriza pela presença de imagens, sons, emoções e sentimentos vivenciados a partir da ocorrência deles. Tais experiências podem levar ao surgimento de problemas psicológicos graves, como a depressão. Por isso, é recomendável que o indivíduo busque ajuda especializada de um psicólogo ou, em alguns casos, de um psiquiatra. Além disso, o acompanhamento adequado é indispensável para que a pessoa traumatizada possa superar o acontecimento ruim e recuperar a vontade de viver novas experiências.
A fé no Senhor desempenha papel central na recuperação do sujeito em sofrimento psíquico, e, nesse aspecto, os pastores podem auxiliar aqueles que desejam aconselhamento à luz da Palavra de Deus para vencer os traumas e outros problemas emocionais. Afinal, o próprio Jesus afirmou: Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma (Mt 11.28,29).
Entretanto, uma pesquisa realizada pela Universidade Baylor, nos Estados Unidos, mostrou que muitos líderes cristãos não estão preparados para lidar com algumas questões emocionais de suas ovelhas. O inquérito ouviu mais de 300 pastores estadunidenses e constatou que a maioria deles não se sente apta para aconselhar os membros da igreja que passam por situações psicológicas complicadas. Metade dos entrevistados afirmou ter recebido treinamento para lidar com o luto, mas não tem qualquer capacitação para cuidar de vítimas de abuso sexual, por exemplo.
A assistente social Erin Albin Hill, coordenadora da pesquisa, declarou ao portal de notícias norte-americano Baptist News Global: Ao todo, interpreto os dados como muito reveladores: os pastores estão conversando sobre diferentes tipos de trauma regularmente, mas não estão, necessariamente, preparados para lidar com eles. Segundo Hill, é necessário que os seminários teológicos incluam, em seus cursos, conteúdos que ensinem aos futuros pregadores como aconselhar indivíduos que sofreram algum tipo de impacto emocional. Da pregação ao cuidado pastoral, os ministros precisam saber como responder de maneira apropriada e honrosa quando alguém estiver discutindo as experiências traumáticas de sua vida. Até que isso aconteça, os pastores precisam aprender sobre esses tópicos por meio de estudos independentes ou participando de treinamentos para estarem bem-preparados, orientou a especialista.
Resposta individual – O psicólogo Ageu Heringer Lisboa destaca que ninguém está livre de viver uma experiência traumática. E, por isso, há essa necessidade de os líderes estarem prontos para enfrentar tais questões. “Todos podemos conhecer períodos de calmaria e bem-estar, mas também vivemos momentos de angústia e privações”, observa o especialista, salientando que a reação das pessoas aos fatores traumáticos dependerá de alguns aspectos, como saúde física e maturidade emocional.
No entanto, Lisboa ressalta que muitos sofrimentos decorrem de negligências pessoais e, portanto, poderiam ser evitados. Ele faz uma analogia com alguém que leva uma vida desregrada, fumando e consumindo bebidas alcoólicas, hábitos nocivos que aumentam o risco do desenvolvimento de determinadas doenças. “A pessoa precisa ser humilde, reconhecer seus erros e se submeter a uma nova rotina, com disciplina inteligente e supervisão médica, psicológica e pastoral.”
Por sua vez, o psicólogo Leonardo Luís Távora da Silva defende a necessidade de os líderes buscarem conhecer as abordagens terapêuticas existentes. Para ele, o tratamento prescrito para cada pessoa é diferente, pois varia de acordo com o evento traumático e a forma que ele foi assimilado por aquele sujeito. Além disso, não existe uma fórmula única que valha igualmente para todos. “O motivo do trauma pode ser o mesmo, mas os efeitos podem ser diferentes em cada um devido à singularidade dos indivíduos”, explica Távora, assinalando que o histórico pessoal e familiar conta muito no tipo de resposta de cada pessoa.
O especialista enfatiza que a fé é um elemento importante nesse processo de aconselhamento, pois, por meio dela, a pessoa pode encontrar esperança para viver uma nova fase, ajudando-a na superação do passado traumático. Entretanto, quando estiver acompanhando alguém, o pastor deverá estabelecer uma distinção entre aspectos espirituais e naturais, tratando cada um dentro de sua esfera, a fim de não cometer equívocos. “Por falta de conhecimento e até de apoio de um profissional especializado, alguns líderes religiosos acabam demonizando questões de saúde mental”, pondera.
O objetivo da abordagem pastoral deverá ser sempre a superação do trauma. É o que pensa a psicóloga Ana Lídia Fleury Agel, ressaltando que a pessoa nunca será a mesma novamente. Isso porque, sob o olhar da Psicologia, superar um choque não significa esquecer o que aconteceu, e sim adquirir resiliência emocional – capacidade de enfrentar aquela dificuldade e aprender com ela, não se apegar ao evento negativo e seguir adiante. “Trata-se de inteligência emocional, que funciona como um mecanismo de defesa para a pessoa se proteger de possíveis traumas que possam ressurgir.”
A terapeuta observa que, na caminhada pela superação do trauma, as recaídas são perfeitamente possíveis. “Em geral, esses momentos ficam evidenciados, principalmente, pela mudança de humor. Por vezes, as pessoas também ficam mais caladas, chorosas e questionadoras”, observa Ana Agel, apontando que esse processo pode ser comparado à conversão cristã, fruto de uma caminhada gradativa e contínua, conforme escreve o apóstolo Paulo em 2 Coríntios 3.18: Mas todos nós […] somos transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.
“Recursos necessários” – Pensamento semelhante tem o Rev. Eliandro da Costa Cordeiro, da Segunda Igreja Presbiteriana do Brasil em Maringá (PR). Para ele, superar um trauma não significa dizer que aquela ferida foi curada. “As terapias visam oferecer às pessoas uma melhor resposta à angústia vivenciada”, explica o ministro, que também é psicólogo. No entendimento dele, por mais empenho que tenham, nem pastores nem terapeutas estão preparados para lidar com todos os tipos de situações devido às particularidades da vivência de cada indivíduo.
Para Cordeiro, o principal papel dos líderes cristãos é aplicar aos corações das pessoas o que Deus quer falar a elas, por meio das Sagradas Escrituras. Contudo, lembra que, se o pregador perceber que tem vocação para cuidar de saúde mental, é importante que busque a preparação adequada. “Consequentemente, esse líder terá mais recursos para lidar com muitos de seus membros”, diz ele, ressaltando que o gabinete pastoral não deve ser confundido com um espaço terapêutico. “Cabe ao pastor ter empatia, acolher a dor das pessoas e aplicar os recursos necessários para aliviar o sofrimento delas.”
O Pr. Fernando Ferreira, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Paraná, destaca que o preparo do ministro deve começar pelo conhecimento da Palavra. Afinal, a Escritura cura tanto as doenças do corpo quanto as da alma, conforme registra o Salmo 103.3: É ele que perdoa todas as tuas iniquidades e sara todas as tuas enfermidades. Segundo Ferreira, é importante buscar suporte científico a fim de entender melhor as questões emocionais, mas ressalva que “esses conhecimentos não podem ser contrários ao ensino bíblico”.
Visão semelhante tem o Pr. Níger Silva Martins, líder da Igreja Nova Vida Ministério É de Deus, em Cascadura, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). De acordo com ele, algumas questões emocionais podem ser tratadas mediante acompanhamento pastoral, mas há a necessidade de os líderes estarem preparados teologicamente para cumprir essa missão. Para Martins, todo líder evangélico deve ser capaz de avaliar quando o indivíduo em busca de aconselhamento necessita de ajuda profissional. “Admitir que é preciso lançar mão do apoio de um terapeuta pode até salvar uma vida. E, em nada, essa atitude nos diminui. Pelo contrário: demonstra a grandeza de quem realmente quer o melhor para nossas ovelhas.”
Por outro lado, embora reconheça que possa haver limitações de alguns pastores no trato com questões emocionais e admita o valor do trabalho dos especialistas no tema, o ministro reafirma que é fundamental a aplicação das lições e dos conselhos da Palavra de Deus no processo terapêutico. “Até mesmo os mais céticos são obrigados a reconhecer a eficácia da fé na recuperação emocional”, conclui.