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Líderes evangélicos comentam a utilização de aplicativos espiões que visam ajudar os cristãos a escapar de práticas pecaminosas
Por Patrícia Scott
A Bíblia incentiva os seguidores de Jesus a fugir do pecado e a não dar lugar aos desejos da natureza humana: Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça (Rm 6.12,13). Portanto, distanciar-se de práticas pecaminosas deve ser uma decisão do cristão.
Contudo, nem sempre é fácil deixar hábitos antigos, especialmente com as facilidades do universo virtual. Dentro dessa perspectiva, alguns líderes evangélicos norte-americanos estão incentivando os membros de suas igrejas a instalar aplicativos de espionagem em seus smartphones, a fim de que outras pessoas acompanhem tudo o que fazem na internet. A ideia é de que a ovelha, sob a permanente vigilância de terceiros, refreie suas más ações on-line.
A Igreja Gracepoint em Berkeley, na Califórnia (EUA), liderada pelo Pr. Ed Kang, é uma das comunidades evangélicas que vem indicando o uso de aplicativos como o Covenant Eyes. O programa tira prints da tela do celular da pessoa a cada minuto e, periodicamente, analisa esse material por meio de inteligência artificial. Em seguida, envia tais informações a um parceiro de responsabilidade indicado previamente pelo usuário, que pode ser um cristão mais experiente, uma espécie de discipulador ou mentor. Segundo Kang, embora haja o incentivo a que todos usem o app, cada um pode escolher a quem prestará contas, não precisando indicar, necessariamente, um membro da Gracepoint.
A reportagem de Graça/Show da Fé decidiu ir a campo para saber o que os evangélicos brasileiros acham desse tipo de aplicativo. Na opinião do Pr. Calebe Ribeiro, da Igreja Batista Água Viva em Jardim América, na cidade de Vinhedo (SP), sob a perspectiva bíblica, a figura do discipulador ou mentor sugere, em sua essência, a ideia de alguém mais maduro na fé, que acompanha outra pessoa nesse processo de amadurecimento. De acordo com o líder, a Palavra diz que devemos fazer a confissão mútua de tentações e pecados, conforme ensina Tiago 5.16: Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para que sareis; a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos. “Usar essa ferramenta tecnológica necessita de consentimento mútuo e deve partir de um princípio de caminhada conjunta, e não de espionagem ou tentativa de manter algum tipo de controle sobre o outro.”
O pastor batista destaca ainda que a vigilância proposta por softwares dessa natureza pode dificultar o acesso a tentações, mas não eliminará o pecado. “O ponto inicial é a mente, o coração, onde surge o desejo”, ressalta Ribeiro, citando o exemplo da experiência do povo de Israel no deserto, que, mesmo tendo a Lei, os mandamentos e a constante presença de Deus no Tabernáculo, não só continuou praticando ações pecaminosas, como também se aprofundou nelas. “A questão central não era a fiscalização da conduta, e sim o coração de pedra de parte daquelas pessoas.” Ele acrescenta que, na luta contra o pecado, o que prevalece é a oração, a comunhão, o jejum, a leitura da Palavra e a submissão ao Altíssimo. “Quanto mais andamos e vivemos no Espírito, menos espaço para o pecado damos. Assim, a mente, o olhar, as ações e os desejos serão tomados pelo Senhor”, conclui, citando as palavras de Paulo ao Gálatas: Digo, porém: Andai em Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne (Gl 5.16).
“Bons frutos” – Por sua vez, o Rev. Jailson Gomes, líder da Igreja Presbiteriana do Brasil em Lago Sul, Brasília (DF), acredita que o uso desse tipo de aplicativo é um retrato desta geração de cristãos que, de modo geral, tarda a amadurecer na fé. Ele defende a ideia de que o Evangelho não é um convite para viver debaixo da fiscalização de outras pessoas. “A Palavra de Deus nos ensina a lutar contra o pecado, que tenazmente nos assedia [Hb 12.1], e não a nos colocarmos sob uma pretensa vigilância externa”, critica.
Para Gomes, o abandono do pecado é uma decisão voluntária que deve ser renovada constantemente até o Dia do Senhor, quando o cristão terá o corpo corruptível revestido de incorruptibilidade (1 Co 15.54). “Até lá, o ser humano precisa se esforçar para não pecar”, sentencia o pastor, ressaltando que a renúncia aos prazeres mundanos resulta na conscientização de seus efeitos deletérios na vida de cada um. “E isso só pode ser produzido no indivíduo pelo Espírito Santo, conforme Levítico 20.8: E guardai os meus estatutos e cumpri-os. Eu sou o Senhor que vos santifica.”
Na opinião do apóstolo Thiago de Souza Pixinine, do Ministério Internacional Alfa e Ômega, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), o ponto de partida para a santificação é compreender o que é o pecado. “Muitas pessoas acreditam que seja uma lista de coisas a não serem cumpridas, quando, na verdade, está associado ao desejo, à mente.” Por isso, o líder entende que o uso desses aplicativos é mais nocivo do que benéfico. Ele pondera que, em alguns casos bem específicos, pode surtir algum efeito até que a pessoa adquira “musculatura emocional e espiritual” para lidar com os desejos da carne. Entretanto, lembra que toda padronização comportamental é perigosa, já que o ser humano é demasiadamente complexo e cada um tem as próprias singularidades. “Algo que funciona com uma pessoa não necessariamente surtirá efeito em outra. O verdadeiro discipulado precisa gerar uma reprogramação de consciência, para que o indivíduo passe a olhar a vida a partir da ótica do Evangelho, possibilitando que o Espírito Santo produza nele os bons frutos.”
Novas criaturas – O Pr. Jâmesson Santana, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no centro de Porto Velho (RO), defende que a fiscalização de práticas pecaminosas não é de competência alheia. Afinal, a Bíblia assegura que somente o Espírito de Deus é capaz de convencer o homem do pecado, do juízo e da justiça (Jo 16.8). “Uma vez que o indivíduo passa a ter entendimento de suas ações erradas, deixa de praticá-las porque haverá transformação de verdade.”
O líder acrescenta que essa modificação não se dá pela força nem pela violência, mas a partir de um processo interior que se torna evidente externamente. “Caso contrário, a pessoa pode até demonstrar mudanças, porém, com o tempo, tais posturas não serão mais sustentadas, tendo em vista que foi algo imposto por pressão fiscalizadora”, avalia Santana, destacando que a experiência com o Senhor – após um encontro real com Ele –, é o que marca e impulsiona o indivíduo a desejar agradar-Lhe. “À medida que ele entende o plano original de Deus, a visão de si mesmo e do Criador não é mais a mesma. Então, a nova criatura começa a ser forjada.”
A Pra. Rozimar Santos, da IIGD em Vargem Pequena, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), concorda com o Pr. Jâmesson e aponta que a santificação é um processo iniciado com o reconhecimento do senhorio de Jesus na vida do cristão. “Dessa forma, as ferramentas espirituais são as mais indicadas para combater o pecado. Sem contar o que a Bíblia ensina: só de pensar já houve o pecado [Mt 5.28].”
Segundo ela, as transgressões da Lei de Deus escravizam o ser humano, mas Jesus chama cada um para a liberdade por meio da conversão. “É preciso conduzir as ovelhas pela graça do Senhor, ensinando a elas que há consequências a serem enfrentadas, mediante as escolhas de cada pessoa”, salienta a pregadora, destacando que, nesse processo, o cristão conta com a ajuda do Espírito Santo, como registra Romanos 8.26: E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; […] mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.
De acordo com o Pr. Alexandre dos Anjos, da Assembleia de Deus Ministério do Belém, na Lapa, zona oeste de São Paulo (SP), nenhuma ferramenta tecnológica tem capacidade de ajudar o ser humano a se libertar do pecado. “As pessoas não pecam somente pelo celular. Quando desejam cometer um erro, buscam os mais diversos caminhos”, pontua o pregador, acentuando que, acima de qualquer aplicativo ou instrumento de vigilância, o indivíduo precisa compreender que pecar gera separação de Deus: a morte. O ministro destaca que o crente, a partir desse entendimento, deve resistir às tentações. “É uma escolha individual que independe da intervenção externa”, avalia, declarando as palavras do apóstolo Paulo em 2 Coríntios 5.17: Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. “Isso significa que é necessário estar na presença de Jesus todos os dias, buscando a face dEle. Ao assumir essa postura, o cristão não erra o alvo, que é Cristo”, conclui.