Cultura da urgência

O mundo de hoje impõe uma rotina frenética, que causa adoecimento e interfere nas amizades e na comunhão com Deus

Por Evandro Teixeira

Demandas no trabalho, correria e tentativas frustradas de dar conta de todas as atividades diárias. O resultado de tamanha sobrecarga pode vir em forma de sintomas, como humor instável, insônia, angústia e fadiga. Outros sinais, relacionados à ansiedade e à depressão, também aparecem em alguns casos, como problemas estomacais e dores musculares.

Devido a esse ritmo de vida acelerado e frenético, muita gente se vê perdida e sobrecarregada por uma rotina que, frequentemente, não só faz adoecer o corpo, como também dificulta a relação familiar, prejudica amizades e atrapalha a comunhão com Deus. “As pessoas acabam produzindo vínculos superficiais e descartáveis”, afirma a teóloga e psicopedagoga Mirian Alves Maurício.

Desse modo, mesmo alguém que tenha um ótimo emprego, bons amigos e uma família amorosa pode não ter tempo para desfrutar de suas conquistas. “O indivíduo sentirá um vazio e uma insatisfação profunda. Mas, na maioria dos casos, dificilmente terá a percepção de que esses sentimentos estão relacionados à sua vida acelerada”, comenta a teóloga.

Falta de conexão – Na opinião da psicóloga Ana Lídia Fleury Agel, é possível perceber a influência da cultura da urgência na maneira como as pessoas usam as novas tecnologias. Os aparelhos eletrônicos, sobretudo os celulares, ocasionam uma superestimulação da mente, devido às inúmeras informações disponibilizadas em tempo real. Uma das consequências negativas desse fenômeno é a falta de conexão que a pessoa sente com o mundo externo.

A especialista chama a atenção para o fato de que os indivíduos “tecnológicos” tendem a ser muito impacientes – um comportamento condicionado pelo imediatismo. Ainda opina que esse contexto fez surgir uma geração marcada por uma saúde mental frágil. Além disso, vê o aumento de casos de síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, como um reflexo desse cenário de grande estresse.

A profissional destaca que a pressa e a preocupação são outros elementos marcantes da cultura da urgência. No entanto, tais fatores geram outro problema: a comparação. Segundo Ana Lídia, isso ocorre porque a sociedade impõe um padrão comportamental que, a cada dia, assume níveis mais elevados. A fim de alcançá-los, as pessoas agem como se fossem máquinas. “Nessa caminhada frenética, elas se esquecem de si mesmas, dos limites e da própria vida.”

Pressa e preocupação – Ultrapassar todos os limites foi o que aconteceu com a jornalista norte-americana Judy Pace Christie, autora do livro Corra menos e aproveite mais a vida (Editora Palavra). Depois de 25 anos imersa em uma rotina agitada e cansativa, ela entendeu que era o momento de desacelerar. Deixou o trabalho no jornalismo diário e abriu uma empresa de consultoria que oferece soluções e estratégias para quem deseja alcançar uma vida profissional e pessoal mais equilibrada.

Na introdução da obra, a jornalista testemunha: Minha vida estava tão frenética, tão corrida, tão turbulenta que não sabia por onde começar. As exigências do trabalho, do lar e de 1 milhão de atividades pesavam sobre mim. Judy, que é cristã, lembra que buscar a presença do Altíssimo foi essencial naquele momento de crise: Uma parte inesperada da jornada foi quando Deus começou a falar comigo, ajudando-me a crescer, lembrando-me regularmente de que a pressa e a preocupação não estavam em Seus planos para mim.

Gerenciar bem o tempo também tem sido um desafio para a pastora e técnica em Enfermagem Luana Karen dos Santos Barbosa, 31 anos, da Igreja do Evangelho Quadrangular no Conjunto Tom Jobim, Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). A rotina sempre corrida a fez desenvolver ansiedade. “Era muito agitada. Chegava a tremer de tanta preocupação.”

A fim de minimizar o problema, Luana Karen começou a praticar atividades físicas. No entanto, reconhece que a decisão mais importante que tomou foi ter confiado em Deus, deixando-O guiar seus passos, após vivenciar uma experiência marcante. Ela relata que se encontrava diante de um problema que não conseguia resolver por mais que se empenhasse. Naquele momento, o Senhor falou ao coração dela que tudo ocorreria no tempo e do jeito dEle.

A pastora reconhece que, no caso dos cristãos, a cultura da urgência pode afetar a vida espiritual. “Na correria do dia a dia, mesmo separando um tempo para a leitura bíblica, dificilmente conseguimos nos concentrar na mensagem. Afinal, não temos que apenas ler, mas também meditar na Palavra”, afirma ela, citando o Salmo 1.2 (Antes, tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite). Para a pregadora, descansar é sempre necessário, pois é na calmaria que Deus fala com os Seus filhos. “O equilíbrio faz parte da vida cristã. Quando temos intimidade com o Pai celestial, entendemos quando o Espírito Santo quer que mudemos nossas ações.”

Desintoxicação – O Pr. Elber Paixão da Conceição, da Igreja Batista Herança da Graça no bairro Lindo Parque, em São Gonçalo (RJ), concorda com Luana Karen. Segundo ele, a falta de tempo faz o cristão se afastar, aos poucos, das disciplinas espirituais, tornando-o frio na fé. Mencionando Êxodo 18.21a: E tu, dentre todo o povo, procura homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, o ministro destaca que Moisés é orientado por seu sogro, Jetro, a dividir suas responsabilidades com outras pessoas, a fim de não se sentir tão sobrecarregado. “A Bíblia apresenta alguns ensinamentos a respeito do bom uso de nossas horas, para que tenhamos uma vida mais saudável e plena com o Criador”, observa o líder. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Remindo o tempo]

Pensamento semelhante tem o Rev. Sandro Veiga da Silva, da Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil em Bombinhas (SC). Ele aponta que nesse processo de desaceleração é necessário guardar tempo para a leitura bíblica, a oração e a frequência aos cultos. Sandro reconhece que diminuir o ritmo não é fácil e exige muita paciência, comparável a uma desintoxicação. Ele aponta também que, para ser bem-sucedido nesse período de transformação, é preciso haver planejamento, tendo em mente o modelo da Palavra e a boa administração do tempo, a exemplo dos feitos do Senhor durante a criação do mundo. “Como uma espécie de cronograma, o Altíssimo dividiu suas tarefas em seis dias, podendo descansar no sétimo.”

Por sua vez, o Pr. Eric Costa Dias, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Roraima, salienta que, em tudo que o cristão fizer, a prioridade deve ser o Senhor, conforme Mateus 6.33 orienta: Mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Ele alerta, entretanto, para a necessidade de agir com sabedoria até mesmo na hora de priorizar o Reino. “Há quem sacrifique a própria saúde acreditando estar agradando ao Onipotente. O Pai celestial não quer que Seus obreiros fiquem doentes nem percam suas famílias”, observa o líder, destacando que o servo de Deus deve desacelerar, a fim de separar tempo para o trabalho secular, para a obra divina e para desfrutar de suas conquistas. “Algumas delas foram fruto de muita oração”, conclui.

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