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Bendita entre as mulheres

Apesar de ser vista sob perspectivas divergentes entre católicos e evangélicos, Maria, mãe de Jesus, é um exemplo de obediência e fé

Por Marcelo Santos

Por muito pouco, Maria José Carmassi teria se chamado Nilda, em homenagem à avó paterna. No entanto, uma série de complicações durante o parto fez sua mãe, uma fiel católica, mudar de ideia. A criança quase morreu, devido ao cordão umbilical estar enrolado no pescoço, e, por ter sobrevivido, a devota senhora decidiu dar à filha o nome da mãe de Jesus.

Porém, hoje, Maria José, pastora e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Peruíbe (SP), não é devota à mãe de Cristo, mesmo reconhecendo a importância dessa mulher no plano divino para a redenção da humanidade. “Embora Maria tenha muitas virtudes e lições para nos ensinar, ao examinar a Bíblia, vemos que Jesus é o centro de toda a mensagem. Portanto, Ele é o tema principal da nossa pregação”, afirma a ministra, lembrando que, à luz da teologia bíblica, Maria, distintamente do Salvador, não possuía dupla natureza: divina e humana. “Somente o Senhor cumpria tal requisito e tinha a prerrogativa para ser adorado. O capítulo 1 do evangelho de Lucas, em seu versículo 38, registra as palavras de Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra. Essa frase diz tudo.”

A Pra. Maria José Carmassi explica: “Embora Maria tenha muitas virtudes e lições para nos ensinar, ao examinar a Bíblia, vemos que Jesus é o centro de toda a mensagem. Portanto, Ele é o tema principal da nossa pregação”
Foto: Marcelo Santos

Entretanto, no contexto da cristandade, a mãe de Jesus vem dividindo opiniões ao longo dos séculos. As principais divergências ocorrem entre católicos e evangélicos. A devoção do primeiro grupo suscita repulsa entre os protestantes, que, por sua vez, tendem a relegar Maria quase ao esquecimento. Na opinião de estudiosos, pesquisadores e teólogos, nenhuma dessas visões extremadas reflete o equilíbrio e a verdade sobre o que a Bíblia diz a respeito daquela em cujo ventre o Verbo se fez carne (Jo 1.14).

O fato é que a Sagrada Escritura fala pouco sobre Maria. Provavelmente, era oriunda de uma família pobre, como todas em Nazaré − a insignificante vila onde vivia, na Galileia, distante 157km ao Norte de Jerusalém. Historicamente, a cidade era um pequeno povoado com poucos habitantes, os quais se dedicavam à produção de azeite de oliva e vinho. Desse modo, José, noivo de Maria, exercia uma profissão bastante incomum naquela região, a de carpinteiro (Mt 13.55).

Alguns pesquisadores afirmam que, no primeiro século, em torno de 400 pessoas habitavam o vilarejo. Outros dizem que não mais de 20 famílias residiam naquela região, cujas escavações arqueológicas revelaram a extensão limitada. O docente Rodrigo Silva, um dos mais renomados pesquisadores em Arqueologia Bíblica, área na qual possui um pós-doutorado pela Universidade Andrews, nos Estados Unidos, partilha da mesma opinião.

O arqueólogo Rodrigo Silva, pesquisador e especialista em Arqueologia Bíblica, acredita que, no primeiro século, não mais de 20 famílias residiam na região de Nazaré
Foto: Facebook / Rodrigo Silva Arqueologia

Em um vídeo postado em seu canal no YouTube, Silva, também autor de diversos livros, inclusive um sobre a historicidade da mãe de Cristo, conta que deveria haver um parentesco grande entre as pessoas de Nazaré. Para comprovar sua tese, ele cita as escavações iniciadas em 1955 pelo pesquisador Bellarmino Bagatti (1905-1990), um dos principais nomes da Arqueologia Bíblica no século 20. Bagatti supervisionou diversas explorações na Terra Santa, de 1950 a 1978, e suas descobertas ajudaram a moldar a compreensão sobre como era o cristianismo primitivo. Alguns dos mais importantes achados dele foram 23 sepulturas encontradas ao Norte, Oeste e Sul de Nazaré. Ao Leste, porém, havia um declive. Como os cemitérios ficavam fora da cidade naquela época, logo estariam ali demarcados os limites do povoado: não mais que 900m de extensão.

Caráter e humildade Na Palavra de Deus, não há detalhes da biografia de Maria nem registros, por exemplo, acerca da idade em que ficou grávida. Contudo, é possível presumir que fosse uma adolescente de, aproximadamente, 14 anos quando o anjo Gabriel lhe apareceu para anunciar a mensagem divina. O que se sabe, a partir de documentos históricos, é que as moças judias do primeiro século se casavam muito jovens. Eram prometidas como noivas logo no começo da puberdade, a partir de 12 anos e meio. “Quando Maria deu à luz, não tinha, provavelmente, mais do que 14 anos”, defende a teóloga e historiadora Rute Salviano, também escritora e autora de diversos títulos que retratam as mulheres nas Escrituras Sagradas. “Certamente, Maria, mãe de Jesus, é a personagem feminina mais relevante na Bíblia e na História. Foi a mulher a quem Deus honrou mais do que qualquer outra. Apesar de pecadora como todas, foi considerada digna, por seu caráter e sua humildade, para ser a mãe do Messias”, descreve.

Ao anunciar a Maria a respeito do milagre que viria, o anjo também falou para jovem sobre a prima dela, Isabel (Lc 1.36), a qual já era idosa e, ainda assim, estava grávida. Então, Maria partiu para encontrar sua parenta, que morava em uma região montanhosa da Judeia. Na visita, pôde confirmar as palavras do mensageiro de Deus e entoou um dos cânticos mais sublimes do Texto Santo, que ficou conhecido como Magnificat: A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque atentou na humildade de sua serva; pois eis que, desde agora, todas as gerações me chamarão bem-aventurada […](Lc 1.46-48ss).

A teóloga e historiadora Rute Salviano descreve: “Certamente, Maria, mãe de Jesus, é a personagem feminina mais relevante na Bíblia e na História. Foi a mulher a quem Deus honrou mais do que qualquer outra”
Foto: Arquivo pessoal

Três meses depois, Maria retornou a Nazaré para se encontrar com o noivo. O evangelho de Mateus descreve José como seu marido quando ele descobriu a gravidez dela (Mt 1.19). No entanto, eles ainda não haviam consumado o matrimônio e viviam separadamente, de acordo com o costume da época. Isso porque, na cultura judaica daquele tempo, o noivado era um contrato formal que precedia o casamento. Durante esse período, que poderia durar até um ano, o casal era considerado legalmente ligado, mesmo que ainda não vivesse na mesma casa ou tivesse relações sexuais. “A Lei judaica reconhecia os direitos e as obrigações durante o noivado, os quais eram semelhantes aos do casamento”, informa Rute Salviano.

Sendo assim, em caso de suspeita de infidelidade, a mulher – fosse noiva, fosse esposa – tinha de passar pela prova da água amarga, conforme descrito em Números 5.11-31. Levada diante do sacerdote, ela passava por um ritual em que era obrigada a ingerir água amarga (misturada com terra do chão do Tabernáculo): E o sacerdote a conjurará e dirá àquela mulher: Se ninguém contigo se deitou e se não te apartaste de teu marido pela imundícia, destas águas amargas, amaldiçoantes, serás livre. Mas, se te apartaste de teu marido e te contaminaste, e algum homem, fora de teu marido, se deitou contigo; então, o sacerdote conjurará a mulher com a conjuração da maldição; e o sacerdote dirá à mulher: O Senhor te ponha por maldição e por conjuração no meio do teu povo (Nm 5.19-21). “Desse modo, mediante a intervenção divina, acompanhada pelo fator psicológico, a mulher que fosse culpada cairia doente, apresentando inchação no ventre, infecção no útero e dificuldade para andar. Comprovando-se, assim, sua infidelidade”, esclarece Salviano, assinalando que, dessa maneira, a Lei mantinha a pureza conjugal, a fidelidade da esposa em sua sujeição ao amor do marido. “Também de acordo com a Lei, a noiva, assim como a esposa adúltera, seria apedrejada”, completa, citando Levítico 20.10.

Foto: Arte com auxílio de IA sobre imagem de Choat / Adobe Stock

Fonte de inspiração Por essa razão, está registrado em Mateus 1.18-24 que José pensou em deixar Maria, evitando, assim, a obrigação de denunciá-la por adultério, o que a levaria ao apedrejamento em praça pública. No entanto, antes que partisse, o Senhor tratou de dissuadi-lo: E, projetando ele isso, eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo (Mt 1.20). E prosseguiu: Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (Mt 1.22,23).

Na opinião da Pra. Thaís Benevente, líder do ministério Mulheres que Vencem (MQV) em São Paulo, Maria é um exemplo de renúncia e fé porque priorizou a vontade de Deus, a despeito das consequências, entregando sua vida para o cumprimento do soberano e eterno propósito do Altíssimo. “Ela entendeu aquela gravidez como um privilégio. Fazer a vontade do Senhor é uma honra e um caminho de bênçãos. Sempre que aceitamos o Seu querer, somos bem-sucedidos.”

A ministra acrescenta que o exemplo de Maria não se restringe à sua obediência ao ser escolhida para conceber o Filho de Deus e recorda outros momentos da biografia dessa agraciada, os quais carregam ensinamentos valiosos. “Muitas mulheres criam filhos pensando que são propriedade delas. Mas eles são herança do Senhor. Maria deixa um precioso ensinamento na passagem sobre a festa de Caná, na qual ela chegou como mãe e saiu como serva”, destaca a pregadora, referindo-se ao texto de João 2, o qual descreve o ocorrido do vinho que acabou durante uma festa de casamento. Maria, que estava presente, ao perceber a situação, foi falar com o Filho de Deus. A orientação dada por ela aos servos que trabalhavam na celebração foi: Fazei tudo quanto ele vos disser (Jo 2.5). “Naquele momento, ela demonstrou seu reconhecimento à autoridade de Jesus”, aponta Benevente.

A Pra. Thaís Benevente lembra que Maria é um exemplo de renúncia e fé: “Ela entendeu aquela gravidez como um privilégio”
Foto: Marcelo Santos

Por outro lado, há quem ressalte o fato de que, no versículo anterior, ao falar com Sua mãe, o Salvador profere palavras aparentemente ríspidas e frias, as quais poderiam até gerar algum desconforto e estranhamento em novos leitores da Bíblia: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora (Jo 2.4). Entretanto, segundo o arqueólogo Rodrigo Silva, quando se faz uma análise mais profunda da cultura da época, descobre-se que a palavra mulher, no original grego antigo, é gynai, e não tinha conotação negativa ou grosseira. Em um de seus vídeos no YouTube, o especialista explica que essa era até uma forma de tratamento carinhosa. Além disso, Silva esclarece que a pergunta que tenho eu contigo? tratava-se de uma expressão idiomática muito utilizada pelos hebreus. Inclusive, aparece em outras passagens bíblicas, como 2 Samuel 16.10, quando Davi tenta impedir Absai de matar Simei. Para o arqueólogo, uma adaptação dessa frase para o português nos dias atuais seria: O que podemos fazer?

A Bíblia registra ainda que Maria seguiu Jesus em todo o ministério dEle. Sua última aparição é aos pés da cruz, onde viveu a profecia que ouvira de Simeão, quando o Filho fora apresentado no templo, em Jerusalém: e uma espada traspassará também a tua própria alma (Lc 2.35). Cristo, ao ver a aflição de Maria, olhou para João, o discípulo amado, e lhe fez uma recomendação: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa (Jo 19.27). A tradição cristã diz que Maria continuou convivendo também com os outros seguidores do Mestre depois desse momento. E, apesar de a Bíblia silenciar a esse respeito, o fato é que o exemplo de abnegação e fidelidade dela permanece como fonte de inspiração, século após século, para todos os cristãos.

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