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Foto: Arte sobre foto de Brian Wangenheim / Unsplash

Espiral do silêncio

Pesquisa mostra que muitos cristãos não dizem o que pensam por medo de sofrer retaliações

Por Evandro Teixeira

A expressão “politicamente correto”, embora amplamente utilizada, é controversa, a começar pela dificuldade de defini-la. Geralmente, é usada para classificar comportamentos e discursos públicos que fujam de estereótipos e preconceitos. Mas, paradoxalmente, fomenta também intolerância e discriminação. Esta reportagem de Graça/Show da Fé se debruçou sobre esse aspecto, buscando explicar por que muitos cristãos sucumbiram à espiral do silêncio e optaram pela autocensura, evitando expor sua visão acerca de temas controversos na atualidade. É o que mostra uma pesquisa realizada neste ano em dois países da Europa e em dois da América Latina.

De acordo com o estudo, em nome do “politicamente correto”, crentes em Jesus Cristo – dos mais diversos segmentos – frequentemente deixam de falar o que pensam, em especial quando se trata de pautas ligadas à defesa da vida desde à concepção, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e às novas configurações familiares. Para não entrar em atrito com amigos e familiares, preferem permanecer em silêncio, deixando de lado a defesa de uma postura conservadora fundamentada na Palavra de Deus.

Madeleine Enzlberger, diretora-executiva do Observatório de Intolerância e Discriminação contra Cristãos da Europa (OIDAC), questionou o fato de as pessoas terem medo de falar abertamente o que pensam em um contexto democrático
Foto: Divulgação

Os pesquisadores ouviram habitantes da França, Alemanha, Colômbia e do México e revelam que muitos entrevistados disseram preferir se calar por temerem sofrer discriminação e processos judiciais sob a alegação de preconceito. Patrocinado por três organizações cristãs, entre elas, o Observatório de Intolerância e Discriminação contra Cristãos da Europa (OIDAC, a sigla em inglês), o relatório do estudo revela que, atualmente, os cristãos sofrem violações do direito de liberdade de religião, que podem causar o desaparecimento da religião [cristã] em determinados contextos. Em entrevista ao portal de notícias britânico Christian Today, Madeleine Enzlberger, diretora-executiva da OIDAC Europa, questionou: Como é possível, em uma sociedade democrática, liberal e madura, que se posiciona pela tolerância, diversidade, inclusão e discurso aberto, as pes-soas terem medo de falar abertamente o que pensam?

O Pr. Uelinton Gomes, da Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil, em Navegantes (SC), declara que essa autocensura ocorre porque a sociedade está cada vez mais distante da moralidade cristã, a qual, por dois milênios, moldou o pensamento ocidental. Dessa forma, as opiniões com base em orientações bíblicas tendem a ser banalizadas e tratadas como discurso de ódio. Diante disso, o pregador, que também é professor de História, acredita ser necessário encontrar uma estratégia adequada para falar da fé cristã.

O Pr. Uelinton Gomes observa que o apóstolo Paulo sempre procurou falar do Evangelho de maneira respeitosa: “Apesar disso, inevitavelmente, em algum momento, as pessoas se sentiram ofendidas”
Foto: Arquivo pessoal

Gomes destaca que, mesmo vivendo em um ambiente hostil, o cristão deve agir de forma pacífica, como ensinou Paulo: Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens (Rm 12.18). Ele nos lembra de que o apóstolo viveu nos dias de domínio do Império Romano e enfrentou um contexto de grande intolerância religiosa. “Sempre procurou falar do Evangelho de maneira respeitosa. Apesar disso, inevitavelmente, em algum momento, as pessoas se sentiram ofendidas”, observa, citando o que aconteceu nas cidades de Antioquia da Pisídia (At 13.14,50,51) e de Icônio (At 14.1-7).

Reação pública – A autocensura consiste na reprovação imposta por uma pessoa aos próprios comportamentos ou expressões, define o psicólogo Flávio Alves da Silva. Segundo ele, essa atitude acontece porque existe uma preocupação com a percepção de terceiros. Para o especialista, esse cuidado tem a ver com a expectativa de aceitação do indivíduo por parte do grupo em que ele se insere, ao longo do processo de socialização. “Nos tempos atuais, o medo faz parte da vida dos sujeitos, contribuindo ainda mais para o silêncio daqueles que temem a reação pública às suas opiniões, caso elas contrariem o senso comum”, ressalta Flávio, membro da Primeira Igreja Batista em Itaúna, São Gonçalo (RJ).

O psicólogo Flávio Alves da Silva lembra: “Nos tempos atuais, o medo faz parte da vida dos sujeitos, contribuindo ainda mais para o silêncio daqueles que temem a reação pública às suas opiniões, caso elas contrariem o senso comum”
Foto: Arquivo pessoal

No entender do psicólogo, essas circunstâncias intimidadoras podem levar as pessoas a mascararem comportamentos. Em seu consultório, ele recebe pacientes cansados de lutar para serem o que não são. “Eles acabam se violentando para se mostrar politicamente corretos, indo contra a sua natureza, opinião e personalidade”, analisa, ressaltando que tal fenômeno acontece com inúmeros cristãos.

Embora Flávio reconheça que o medo seja um dos fatores por trás da autocensura, ele aponta que esse silêncio forçado pode ser causado pela falta de uma conversão verdadeira, algo que daria ao indivíduo a segurança necessária para sustentar suas ideias. Segundo ele, ao se calar para evitar atritos, muitos crentes se tornam omissos diante das práticas de uma sociedade corrompida pelo pecado. “Ao ser silenciado pelo politicamente correto, o cristão abandona sua missão de anunciar a verdade bíblica”, assinala o especialista, citando Romanos 12.2: E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

A psicóloga Larissa Nunes de Oliveira Santos afirma que o cristão precisa encontrar caminhos para lidar com cada situação: “Mantendo a comunhão com Deus, conseguirá confrontar melhor as concepções contrárias às suas”
Foto: Arquivo pessoal

Pensamento semelhante tem a psicóloga Larissa Nunes de Oliveira Santos. Ela afirma que o cristão precisa encontrar caminhos para lidar com cada situação. “Com essa certeza e mantendo a comunhão com Deus, conseguirá confrontar melhor as concepções contrárias às suas”, argumenta. Mesmo reconhecendo que todos os indivíduos têm receio de debates, a especialista pontua ser preciso lutar contra esse sentimento caso ele tenha o poder de paralisá-los.

O missionário Alessandro Santos Maciel, membro do Ministério Apostólico Zoe, em Guarapari (ES), admite que pode haver perseguição aos cristãos por suas posturas e seus entendimentos, mas defende que eles não podem se calar. “Nunca será a melhor saída, pois significaria negar a fé. Se estamos dispostos a viver por Deus, também devemos estar prontos a morrer por Ele.”

O missionário Alessandro Santos Maciel admite que pode haver perseguição aos cristãos por suas posturas e seus entendimentos, mas defende que eles não podem se calar: “Nunca será a melhor saída, pois significaria negar a fé”
Foto: Arquivo pessoal

Religião ultrapassada – Na opinião do Pr. Leandro José Machado, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus na Europa, é preciso entender as características de cada região. O ministro, que reside atualmente em Lisboa – Portugal e pastoreia a sede local da IIGD, informa que, em solo europeu, onde vigora uma cultura pós-cristã, Deus e a Bíblia têm sido excluídos do cotidiano da população, em um contexto favorável ao secularismo. “Na sociedade europeia, a ideia de seguir uma religião é considerada ultrapassada.” 

Nesse sentido, de acordo com Machado, compartilhar uma experiência religiosa tende a ser uma ação mal compreendida. “Aqui a situação é tão complicada que é comum os pais que frequentam a igreja não falarem muito sobre a própria fé com os filhos. Eles dizem que a decisão de ir a um culto, por exemplo, não deve vir de um convite”, relata o líder, assinalando, porém, que os cristãos precisam se posicionar sobre o Evangelho. “Em toda a História, a fé cristã sempre enfrentou desafios e, com muita luta, chegou até nós. Se nos calarmos, correremos o risco de desaparecer. Se formos firmes, o Senhor será conosco.”

O Pr. Leandro José Machado, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus na Europa, informa que, em solo europeu, vigora uma cultura pós-cristã: “Na sociedade europeia, a ideia de seguir uma religião é considerada ultrapassada”
Foto: Arquivo pessoal

O Pr. André Luiz Galvão e Silva, da Assembleia de Deus no bairro Capim Macio, em Natal (RN), entende que a realidade brasileira não está muito distante da apresentada na pesquisa feita com habitantes da França, Alemanha, Colômbia e do México. “É como se a simples abordagem de temáticas estruturais da fé cristã gerasse instantaneamente o preconceito”, lamenta ele.

Segundo o pastor, é curioso o fato de o Brasil ser conhecido como uma nação tolerante e pacífica no trato com as diversas religiões – um traço próprio do cristianismo bíblico. No entanto, segundo ele, a perseguição acontece mesmo nesse cenário, podendo minar o ânimo dos cristãos. “Isso se evidencia em alguns relatos que ouço de jovens que se sentem preteridos por colegas, professores e patrões por causa da fé que professam.”

O Pr. André Luiz Galvão e Silva afirma ser curioso o fato de o Brasil ser conhecido como uma nação tolerante e pacífica no trato com as diversas religiões, uma vez que a perseguição acontece mesmo nesse cenário, podendo minar o ânimo dos cristãos
Foto: Arquivo pessoal

Para André Silva, embora tais manifestações de intolerância nem sempre sejam explícitas, nenhuma violação de liberdade, por menor que seja, deve ser ignorada. “O efeito cumulativo da intimidação e do amedrontamento será a censura e a mordaça”, pontua ele, destacando que o verdadeiro cristão fomenta a paz e a espiritualidade com base no diálogo e no amor. No entanto, o ministro assegura que, apesar de qualquer situação, a missão do crente, de pregar o Evangelho e defender a fé cristã, deve ser levada adiante. “Sem testemunho, não há cristianismo. Nessa tarefa, a Igreja está respaldada pela promessa fiel de que o Senhor está e sempre estará conosco [Mt 28.20].”


2 Comments

  1. letícia disse:

    Em nome de Jesus nós iremos vencer!

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