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Foto: Reprodução

A César o que é de César

Pirataria é uma forma de roubo que precisa ser combatida, inclusive no meio cristão, alertam pastores

Por Ana Cleide Pacheco

Todos os anos, o Brasil perde bilhões de reais por causa da pirataria. Somente ao longo de 2020, esse gigantesco mercado movimentou 287 bilhões de reais com a venda ilegal de produtos e serviços de streaming e TV por assinatura. Esse último item é um dos mais pirateados no país. Estima-se que cerca de 33 milhões de brasileiros com idade acima de 16 anos acessem canais de TV fechada de maneira ilegal, todos os dias. O número consta em um estudo da Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA), divulgado em março de 2021. O levantamento mostra que, somente no segmento de televisão, a pirataria gerou prejuízos da ordem de 15,5 bilhões de reais. Desse montante, 2 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo governo em impostos, segundo a ABTA, entidade que monitora e denuncia sites que promovem a pirataria de conteúdos pagos e realiza campanhas de conscientização contra essa prática ilegal. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Elas sabem, você sabe]

Ações da ABTA feitas em cooperação com as autoridades têm buscado combater os prejuízos gerados pela pirataria digital. Em julho, uma operação policial resultou em 11 mandados judiciais de busca e apreensão, bloqueio e suspensão de 334 sites e 94 aplicativos de streaming ilegais. A ação também resultou na exclusão de conteúdos em mecanismos de busca e na remoção de perfis e páginas em redes sociais. Essa foi a terceira fase da Operação 404, coordenada pela Secretaria de Operações Integradas (SEOPI), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com o apoio de policiais civis de nove estados (Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rondônia, Rio Grande do Sul e São Paulo).

Ações da terceira fase da Operação 404 apoiadas por agentes da Polícia Civil em diferentes estados brasileiros: linha de frente no combate à pirataria digital – Fotos: Ministério da Justiça e Segurança Pública / MJSP
Fotos: Divulgação
Reprodução de página de internet bloqueada pelo Laboratório de Operações Cibernéticas na terceira fase da Operação 404 – Fotos: Reprodução

Além dos relatórios e informes da ABTA, as autoridades brasileiras receberam informações de organizações internacionais que combatem a pirataria de conteúdo, como a norte-americana Motion Picture Association (MPA), e tiveram suporte de agentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Em fases anteriores, a operação cumpriu 55 mandados de busca e apreensão, suspendeu o funcionamento de 462 sites e bloqueou 165 aplicativos.

“Normalização e aceitação” Ao longo da História, o termo pirataria remete à ideia de saques a embarcações e apropriação de bens alheios. A prática atual tem novos contornos, mas o sentido é o mesmo: apossar-se indevidamente daquilo que pertence a outras pessoas. No moderno ordenamento jurídico, piratear significa fazer reprodução, imitação de produção intelectual, distribuição de bens e produtos e disponibilização de canais de TV, rádio e de streaming de forma ilegal.

O advogado Bruno Fanteza Mendes alerta: “A pirataria, com ou sem aferição e ganhos pecuniários, é prevista no artigo 184 do Código Penal, com pena de até quatro anos de prisão, além do pagamento de multa” – Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o especialista em Direito Tributário e Civil Bruno Fanteza Mendes, 43 anos, hoje a pirataria ocorre principalmente no ambiente virtual. Sites, plataformas de streaming e aplicativos que não têm qualquer relação com emissoras e produtoras de conteúdo audiovisual disponibilizam, sem autorização, filmes, séries e outros programas de televisão. Há também diversas páginas de internet que permitem o download de conteúdos, como músicas, jogos e livros gratuitamente. “Muito embora a pirataria seja crime, há certa tolerância, normalização e aceitação social”, observa, com tristeza, o jurista, membro da Primeira Igreja Batista do Lins, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ).

Para Fanteza, é possível que a condescendência das pessoas decorra do pensamento de que, para serem configuradas como crime, essas práticas devem envolver lucro. No entanto, o advogado destaca que ganho financeiro não é o único elemento passível de pena (prisão e multa). “Ainda que não haja intuito de lucrar com a prática da pirataria, se existe violação dos direitos autorais de quem detém autorização de uso da marca, bem, produto ou serviço, haverá o crime”, informa o especialista, assinalando que “a pirataria, com ou sem aferição e ganhos pecuniários, é prevista no artigo 184 do Código Penal, com pena de até quatro anos de prisão, além do pagamento de multa”.

O Pr. Renato Vargens lembra que a existência da prática ilegal da pirataria até no meio do povo de Deus é um reflexo das mazelas que vão impregnando a sociedade atual – Foto: Arquivo pessoal

Não furtarás – Na opinião do Pr. Renato Vargens, da Igreja Cristã da Aliança em Niterói (RJ), o problema da pirataria também pode ser observado em algumas igrejas e acontece com mais frequência do que se possa imaginar. Segundo ele, a existência desse tipo de prática ilegal até no meio do povo de Deus é um reflexo das mazelas que vão impregnando a sociedade atual. Para Vargens, as pessoas se encontram adoecidas, e, para elas, impera a ideia de prevalecer sobre outrem, custe o que custar. “Não importa se, para isso, é preciso atropelar conceitos, princípios e vidas. Infelizmente, vivemos em um tempo em que se valoriza aquilo que dá certo e não o que é certo. Estamos em uma época na qual o relativismo tem tomado conta do coração das pessoas, inclusive dos evangélicos, de uma forma impressionante e assustadora.”

De acordo com o ministro, até mesmo conteúdos cristãos são disseminados de forma ilegal, sob a (falsa) alegação de que o importante é disseminar a Palavra de Deus. “Quem faz pirataria de livros e músicas, por exemplo, não entende, não discerne e não compreende que está roubando a produção e o trabalho de alguém.” Ele chama a atenção para o ensinamento bíblico de que, quando alguém toma para si algo que pertence a outrem, está infringindo um mandamento divino contido no Decálogo: Não furtarás (Êx 20.15). “Portanto, entendo, claramente, que a pirataria, além de crime, é pecado, pois afronta a Palavra, quebrando o mandamento.”

O Pr. Luciano Moreira de Sá comenta: “O que posso dizer é que o pior prejuízo sofrido por um ser humano é a consciência pesada por praticar o que as Escrituras, a ética e a moral condenam” – Foto: Arquivo pessoal

“Consciência pesada” – O Pr. Luciano Moreira de Sá, 45 anos, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Areia Branca, em Belford Roxo (RJ), lembra que muitos são lesados com a pirataria. “O governo perde arrecadação de impostos, usados para evolução da nação; o empresário, que já tem uma carga altíssima de compromissos, por causa desse ‘roubo’, é prejudicado; e a sociedade também sofre prejuízos.”

O líder afirma, entretanto, que os danos a quem pratica esse tipo de crime são ainda maiores, pois atingem a vida espiritual dos envolvidos. Segundo ele, cedo ou tarde, eles sentirão o peso da culpa por suas más escolhas. “O que posso dizer é que o pior prejuízo sofrido por um ser humano é a consciência pesada por praticar o que as Escrituras, a ética e a moral condenam”, comenta o ministro, destacando que um produto pirateado é fruto de uma enganação. “Poderia argumentar, usando um trecho bíblico, de João 8.44, que mostra quem é o pai da mentira. No entanto, acredito que isso já está claro, pelo menos, para os cristãos.”

O Pr. Joel Nunes Chagas questiona: “Quantas não conseguem ter o retorno financeiro da venda de suas produções por causa da pirataria? Tudo isso redunda desemprego, que acaba atingindo várias famílias” – Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Joel Nunes Chagas, 41 anos, da sede regional da Igreja da Graça em Campo Grande, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), é categórico ao afirmar que um cristão genuíno jamais deve entristecer o Espírito Santo, jogando fora o que tem de precioso: os valores ensinados por Deus por meio de Sua Palavra. “Pirataria é pecado, pois causa prejuízos a outros”, reitera o pastor, assinalando que diversas gravadoras, produtoras e editoras têm amargado grandes e recorrentes prejuízos devido à venda ilegal de seus produtos e, por causa disso, são forçadas a pedir recuperação judicial. “Muitas não têm resistido a essa situação e vão à falência. Quantas não conseguem ter o retorno financeiro da venda de suas produções por causa da pirataria? Tudo isso redunda em desemprego, que acaba atingindo várias famílias.”

Citando a Bíblia, Chagas igualmente frisa que essa prática, além de ilegal, é pecaminosa. “Em Mateus 22, os fariseus perguntaram a Jesus se era lícito pagar o tributo ao Império Romano. O Mestre, conhecendo a malícia por trás dessa pergunta, pediu a eles que Lhe mostrassem uma moeda, e disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus [Mt 22.21b].” Para o pastor, as palavras do Senhor explicitam que sempre se deve dar o que é devido a quem é de direito. “É preciso conscientizar as pessoas a respeito das consequências que o consumo de produção pirateada e ligações clandestinas de serviços acarretam ao seu próximo. A pirataria tira o que pertence aos responsáveis por aquela obra, prejudica a sociedade e vai contra os princípios estabelecidos pelo próprio Deus”, conclui.

Elas sabem, você sabe

Fotos: Divulgação / ABTA

A Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA) lançou uma campanha de conscientização contra a pirataria em que mostra crianças questionando os adultos por agirem na ilegalidade. Os filmetes abordam o comportamento incoerente de certos pais que ensinam atitudes corretas aos filhos, mas dão mau exemplo ao acessar canais de TV de forma ilegal. “Nossa campanha apresenta um alerta das crianças para essa falta de integridade entre o discurso e a prática de muitos adultos. Elas entendem que um desenho animado, um filme ou um jogo são resultados do trabalho de várias pessoas e que isso precisa ser respeitado”, informa o presidente da ABTA, Oscar Simões (foto).

Ele lembra que viver em sociedade é respeitar os direitos do próximo e que, apesar de muitos ensinarem isso aos filhos, na prática, acabam fazendo o oposto. Tal contradição nada tem de benéfico para os pequenos, uma vez que não forma valores sólidos nos integrantes das novas gerações. “O combate à pirataria se dá pela soma de esforços entre as operações contra o crime e campanhas de conscientização do público”, observa Simões, assinalando ainda que o poder público, com apoio da indústria, enfrenta o crime organizado, que ameaça milhares de empregos de artistas, jornalistas, produtores e técnicos do setor audiovisual. “Por outro lado, os cidadãos conscientes ajudam a mudar os hábitos de quem pratica a pirataria.”

Foto: Divulgação / ABTA

Oscar Simões explica que a campanha da ABTA soma forças na defesa dos direitos de todos os que trabalham na indústria da televisão por assinatura e que levam cultura, informação e entretenimento a milhões de pessoas. Ademais, segundo ele, a campanha lembra a todos que mesmo um conteúdo disponível na internet não deve ser acessado se for ilegal. “O interessante é que, apesar de pequenas, as crianças compreendem que isso é crime, assim como nós, adultos, sabemos. Por isso, a frase que encerra os filmes da campanha é: Elas sabem, você sabe: pirataria de TV também não é legal.”


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