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Foto: Randall Studio / National Portrait Gallery / Wikimedia

Peregrina da Verdade

Mulher escravizada se tornou exemplo de pregadora da Palavra e ativista em favor dos direitos dos negros e das mulheres nos EUA

Por Élidi Miranda*

Isabella Baumfree (1797-1883) entrou para a História com outro nome: Sojourner Truth (Peregrina da Verdade, em tradução livre). Depois de se converter ao Evangelho, ela sentiu o chamado para pregar a Palavra enquanto se levantava contra as injustiças de seu tempo: em especial, a escravidão e o sexismo [conjunto de discriminações fundamentadas no gênero]. Ciente de que a desigualdade e a opressão desagradam ao Senhor, a serva de Deus lutou incansavelmente contra essas mazelas.

Isabella era de uma família de escravizados e tinha 11 irmãos. Nasceu em Esopus (no atual estado de Nova Iorque), uma área dominada por holandeses naquela época. Seus pais, John e Elizabeth Baumfree, pertenciam a um fazendeiro chamado Charles Hardenbergh.

A pequena cresceu falando holandês e jamais aprendeu a ler ou escrever. Aos cinco anos, começou a trabalhar na casa grande ao lado da mãe. Ao longo de sua infância, presenciou muitos de seus irmãos serem vendidos e levados para longe. Em 1806, com a morte do seu senhor, o herdeiro das terras a vendeu em um leilão, junto com um rebanho de ovelhas, ao fazendeiro John Neely. A nova família era extremamente cruel e espancava a menina por ela não entender a língua inglesa. Devido a uma série de infortúnios, a garota foi vendida mais duas vezes, até finalmente passar a residir na propriedade de John Dumont, próximo à cidade de Nova Iorque.

Dumont era um fazendeiro próspero, que fez Isabella trabalhar em sua casa e na lavoura. Na nova residência, ela aprendeu a falar inglês. Por volta de 1815, aos 19 anos, a jovem se apaixonou por Robert, um rapaz escravizado em uma fazenda vizinha. O casal teve uma filha, Diana. No entanto, eles foram impedidos de ficar juntos e nunca mais se viram. Dois anos depois, John Dumont obrigou Isabella a se casar com um homem mais velho, também escravizado, chamado Thomas, com quem teve três filhos: Peter, Elizabeth e Sophia.

Na década de 1820, Nova Iorque havia aprovado uma série de leis abolicionistas, que culminaram com o fim da escravidão no estado em 1827. Dumont prometera libertá-la um ano antes, mas não cumpriu o combinado. Irritada, Isabella fugiu com a filha mais nova e encontrou abrigo com os Van Wagenen, uma família de holandeses abolicionistas que compraram a liberdade dela por 20 dólares.

Sojourner Truth (1797-1883)
Foto: Mathew Brady Studio / National Portrait Gallery / Wikimedia

Pregadora itinerante – Pouco depois da fuga de Isabella, o filho dela, de apenas cinco anos, foi vendido por Dumont. Com a ajuda dos Van Wagenen, ela recorreu à Justiça e conseguiu recuperar a custódia do menino. Foi enquanto lutava pela guarda do pequeno, em 1828, que conheceu Jesus. No início da década de 1830, participou de diversos cultos de avivamento espiritual que se disseminavam pelo Leste dos Estados Unidos. Assim, filiou-se à Igreja Metodista Episcopal Afro-Americana, onde aprendeu mais sobre a Bíblia e a respeito do movimento abolicionista.

Nos anos seguintes, passou a ensinar e pregar nos bairros nova-iorquinos mais pobres. Em 1843, aos 46 anos, sentiu o chamado do Espírito Santo para ser uma pregadora itinerante e mudou seu nome para Sojourner Truth. O Senhor me deu o nome Peregrina, porque deveria viajar mostrando ao povo seus pecados e sendo um sinal para eles. Depois, eu disse ao Senhor que queria outro nome, porque todo mundo tinha dois nomes, e o Senhor me deu Verdade, porque eu deveria declará-la às pessoas, explicou.

Ela percorreu o Nordeste dos EUA contando seu testemunho de fé e levantando a bandeira abolicionista. Por ter poucos recursos, muitas vezes, viajava a pé e dormia ao relento. Oh, Deus, sabes que não tenho dinheiro, mas podes fazer com que as pessoas façam por mim, clamava. A educação informal de Sojourner e seu sotaque holandês faziam dela uma pessoa única, cuja convicção das palavras impressionava os ouvintes.

Além de defender a causa abolicionista, ela lutava pelos direitos femininos. Em seu famoso discurso Ain’t I a woman? (Não sou uma mulher?, em tradução livre), realizado em uma convenção sobre o tema, em 1850 no estado de Ohio, declarou: Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de consertá-lo, colocando-o do jeito certo novamente.

Durante a década de 1850, estabeleceu-se em Battle Creek, no estado de Michigan, e continuou pregando em diversas localidades. Quando prego, tenho apenas um texto para pregar, e sempre prego a partir deste. Meu texto é: “Quando encontrei Jesus”. Sojourner encontrou forte oposição daqueles que eram contrários ao seu discurso, por isso era frequentemente atacada. Em uma ocasião, foi espancada tão severamente que passou a andar com dificuldade. Porém, nunca parou de propagar a Palavra por onde passava, certa de que Deus a protegeria. Se o Senhor vier e me queimar – como você diz que Ele fará –, não irei embora. Ficarei aqui e resistirei ao fogo, como Sadraque, Mesaque e Abede-nego! Jesus caminhará comigo através das chamas e me protegerá do mal, disse, certa vez.

Após a Guerra Civil Americana (1861-1865), Sojourner se dedicou a lutar para que o governo concedesse terras aos negros recém-libertados, pois entendia que esses indivíduos nunca seriam verdadeiramente livres até alcançarem a prosperidade econômica. Antes do início dos anos de 1880, quase totalmente cega e surda, a pregadora foi obrigada a deixar a vida pública. Passou seus últimos anos em Michigan até partir para a eternidade, em 26 de novembro de 1883, e entrar para a História como uma peregrina a serviço da Verdade. (*Com informações de Women & The American History e Women’s History)


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