Na velhice darão frutos

Projeto de lei do deputado federal David Soares (União-SP) pretende facilitar o acesso de idosos à universidade

Por Marcelo Santos

Há mais de 30 anos, o casal de obreiros José Roberto Lúcio de Oliveira e Ângela Maria Guimarães de Oliveira, ambos de 68 anos, da sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em São Paulo, sofreu um golpe. O advogado que representava os cônjuges desapareceu com o dinheiro deles referente a uma causa ganha contra uma empresa de ônibus. Essa trapaça prejudicou muito a vida do casal, mas serviu de inspiração para que José e Ângela buscassem conhecimento a respeito das leis.

Em razão disso, mesmo após os 60 anos, eles decidiram se matricular no curso de Direito. “Somos do Itaim Paulista [zona leste de São Paulo], fizemos o vestibular e passamos para uma faculdade no centro da cidade”, conta ele, explicando que o longo percurso até a instituição nunca foi impedimento para que estudassem. Segundo José, nos momentos mais difíceis, Deus os sustentou: “Estudamos e nos formamos juntos. Fomos tratados com muito carinho pela turma e até hoje temos amigos da faculdade”, relata o obreiro, que é mestre de obras. A esposa, por sua vez, é professora aposentada. Os graduados seguem estudando para realizar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para poderem exercer a profissão. “Vamos nos preparar para conseguir também isso”, garante ele.

Inspirado por histórias como essa, o deputado federal David Soares (União-SP) criou um projeto de lei que obriga as instituições a realizarem vestibulares adaptados para a terceira idade: o PL 468, de 2024, o qual altera a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), visando incluir os maiores de 60 anos nas universidades. “É necessário pensar nas diretrizes pedagógicas para o adulto idoso e, assim, favorecer o desenvolvimento dos saberes, das competências escolares e das experiências tecidas no fio da história de vida pessoal e profissional de cada um”, afirma o parlamentar.

A proposta de Soares já passou pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados e seguiu para análise da Comissão de Educação e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), em caráter conclusivo. Isso significa que o projeto não passará pelo plenário da Câmara, bastando ser aprovado por essas comissões.  

“Fazer algo” – Com os avanços da Medicina e o aumento da longevidade dos brasileiros, cada vez mais adultos e idosos percebem que são capazes de implementar mudanças significativas em seu dia a dia. Estudar é uma delas. Há dez anos, a então auxiliar de enfermagem Zuleide de Carvalho Pereira, 52, estava afastada do trabalho e sofrendo de depressão. Na ocasião, ela ouviu de seu pastor uma mensagem sobre a necessidade de ter fé e agir em busca dos próprios objetivos. “Ele disse: Quem está correndo já está atrasado. E quem está parado, praticamente morreu. Pensei comigo naquele momento: Estou parada e preciso fazer algo.”

Zuleide acalentava o sonho de cursar uma graduação, mas havia deixado essa ideia de lado até escutar aquela palavra de fé. Mesmo com poucos recursos, mais de 40 anos de idade e sem se lembrar tão bem dos conhecimentos adquiridos nos bancos escolares, a serva de Deus se inscreveu no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e obteve uma vaga no curso de Direito: “Foram anos muito difíceis. Sofri muitas humilhações e até racismo. Eu demorava para compreender as disciplinas e riam de mim quando errava as respostas. Ouvi até de um professor que o mercado não iria absorver uma pessoa feia e velha”, lamenta ela. Entretanto, cinco anos depois, Zuleide Pereira conseguiu o desejado diploma e, hoje, advoga na área cível. “O Espírito Santo me sustentou durante todo esse tempo”, conta a advogada, que é casada e membro da Igreja da Graça na Cidade Tiradentes, zona leste paulistana.

Sonhos e conquistas – Após ser impedida de seguir com um trabalho de capelania prisional, a obreira Maria Aparecida Alves dos Reis Oliveira Luna, 71 anos, da sede estadual da IIGD em São Paulo, tomou uma decisão: ingressar na faculdade e cursar Direito. Aos 53 anos, ela já estava formada. “Concluí o curso com louvor. Fui escolhida para fazer a oração pelos formandos”, conta a profissional, ressaltando que enfrentou muitos desafios para pagar as mensalidades e, assim, alcançar seu objetivo. “Fazia sanduíches, bolos e salgados para vender nos intervalos das aulas. Até o terceiro ano, paguei a faculdade vendendo esses alimentos”, explica Maria Aparecida.

Histórias como as citadas nesta reportagem demonstram como a questão etária não é impedimento para viver novos sonhos e novas conquistas. Na verdade, a própria Palavra de Deus demonstra que a idade não é empecilho para grandes vitórias, como garante o salmista: O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro no Líbano. Os que estão plantados na Casa do SENHOR florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e florescentes, para anunciarem que o SENHOR é reto; ele é a minha rocha, e nele não há injustiça (Sl 92.12-15).

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