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Foto: Arquivo pessoal

Diferenças marcantes

Pastor e mestre em História Eclesiástica revela como era o culto dos primeiros cristãos

Por Patrícia Scott

Como eram as reuniões nos primórdios da Igreja? Devido à influência judaica, os primeiros cristãos tinham práticas muito parecidas com o que era feito nas sinagogas da época. No entanto, com o passar do tempo, houve uma ruptura com esses costumes, e diversas mudanças ocorreram ao longo dos séculos até chegar ao formato atual. A princípio, não havia um local específico para a realização dos cultos, por isso as pessoas se reuniam nas casas, não necessariamente em pequenos grupos. “Na verdade, os locais eram amplos, para que toda a Igreja pudesse se reunir. Na metade do século 3, começaram as construções dos edifícios para a reunião dos crentes”, explica o Pr. Marcos Granconato, teólogo e mestre em História Eclesiástica.

Líder da Igreja Batista Redenção, em Tucuruvi, zona norte de São Paulo (SP), o especialista explica que os cristãos festejavam o Pentecoste e a Páscoa; sendo a segunda, a data mais importante para eles. “O Natal não recebia muita atenção, pois o dia do nascimento de Jesus é incerto, e, naquele tempo, a Igreja focava mais na morte e ressurreição de Cristo”, esclarece Granconato. Nesta entrevista à Graça/Show da Fé, o pastor fala sobre as principais práticas eclesiásticas do início da Igreja do Senhor.

Como eram as reuniões cristãs no tempo dos apóstolos?

É inegável que, em sua liturgia original, devia muito à sinagoga. Elementos como a oração seguida do amém congregacional, a leitura de trechos do Antigo Testamento, o enunciado de um sermão e a recitação de uma bênção eram componentes do culto na sinagoga que a Igreja Cristã acolheu. É interessante notar que Tiago, em torno do ano 45, chama o local em que a Igreja se reune de sinagoga [Tg 2.2 – ARA]. Obviamente, os crentes em Jesus do período apostólico também realizavam atos litúrgicos próprios da fé cristã, como a Ceia do Senhor e o batismo. A festa do ágape era uma refeição comunitária que também compunha os atos da vida eclesiástica no período apostólico.

Como acontecia a celebração da Ceia do Senhor nos primeiros séculos?

Não podemos definir com precisão a forma como a eucaristia era ministrada na época do Novo Testamento, pois, ainda que existam alguns registros bíblicos sobre isso, não há uma descrição detalhada. Nos séculos 2 e 3, essa celebração integrava o culto, com algumas variações: o início do rito com o beijo fraterno, a dádiva da oblação – celebração na qual a congregação, pelas mãos dos diáconos e em meio a cânticos, ofertava os elementos para a Ceia e para o sustento do bispo e dos pobres –, a tomada do pão e do cálice pelo bispo, a oração de ação de graças e consagração, que poderia ser o Pai-nosso, o amém congregacional, a distribuição, acompanhada de cânticos, do pão e do cálice pelos diáconos, e finalizava  com a oração e o pronunciamento de uma bênção. A Ceia do Senhor era a parte mais solene do culto. Em alguns lugares, era ministrada diariamente, e todos permaneciam de pé durante a sua realização. Somente os batizados participavam. O pão era levedado ou asmo, e o vinho, misturado à água. Ao fim da celebração, os diáconos levavam o pão e o vinho aos enfermos e aos cristãos que estavam presos.

Após o período dos apóstolos, que alterações foram introduzidas nos cultos?

De acordo com Justino de Roma, por volta do ano 155, integravam o culto cristão: a leitura bíblica, o sermão exortativo, a oração, a celebração da Ceia e a coleta de ofertas para os necessitados. Próximo ao fim do século 2 e até o final do século 5, a Ceia do Senhor passou a ser celebrada separadamente, a portas fechadas e com acesso restrito a pessoas batizadas. Essa prática foi chamada mais tarde de disciplina secreta ou disciplina arcana. Além das leituras bíblicas, os cristãos da época liam, durante as reuniões, as obras pós-apostólicas, como a Epístola de Clemente de Roma e O Pastor de Hermas. Os sermões podiam ser ministrados por qualquer irmão capacitado, mas documentos do século 3 comprovam que essa logo passou a ser tarefa exclusiva dos bispos.

Havia cânticos congregacionais?

Para os primeiros cristãos, todo culto era um ato de adoração. Havia cânticos cristológicos que podemos encontrar já nos escritos do Novo Testamento. Esses hinos que exaltavam Cristo se multiplicaram a partir do século 2, dando destaque especial à divindade de Jesus. Os cânticos tinham como base os Salmos. Havia um conteúdo bíblico-teológico muito denso nos louvores entoados.

De que maneira se dava a celebração dos batismos?

Por imersão e somente para os crentes em Jesus. Não houve muita mudança nos períodos posteriores. A forma dominante nos três primeiros séculos era a tripla imersão, preferencialmente em água corrente. Os homens eram batizados primeiro e as mulheres depois. O triplo derramamento de água somente sobre a cabeça do catecúmeno também era aceito nos casos em que não havia água suficiente para a imersão e para os enfermos acamados. Os batismos eram realizados, de preferência, na Páscoa e no Pentecoste, e a hora favorita para a realização do sacramento era a meia-noite. No século 4, surgiram os batistérios.

Como surgiram os primeiros locais destinados exclusivamente ao culto cristão?

Percebe-se em Atos dos Apóstolos que o padrão das igrejas era o agrupamento de todos os crentes em um mesmo lugar para o convívio eclesiástico. No fim do século 2, os cristãos ainda se reuniam em casas e  também em lugares isolados, como os túmulos de mártires. Nas residências, eles congregavam em uma espécie de sala de jantar, onde colocavam um assento para a leitura das Escrituras e mesas para a Ceia. Os recintos exclusivos para o culto começaram a surgir somente no século 3. Só em Roma, no início do século 4, havia mais de 40 deles.

Que lições os cristãos atuais podem aprender com a Igreja dos primórdios?

A Igreja de nossos dias tem de resgatar o senso de reverência diante de um Deus santo e soberano, a centralidade da pregação focada na Pessoa de Cristo, a observância da decência e da ordem nas reuniões, o testemunho corajoso e a disciplina eclesiástica, a qual expulsa da comunhão o pecador rebelde que não aceita a correção. Se tudo isso voltar a ser observado pelos crentes em Jesus, teremos um retorno ao cristianismo autêntico.

Marcos Granconato
Pastor, teólogo e mestre em História Eclesiástica

1 Comment

  1. Renan Santiago disse:

    Maravilhosa entrevista!

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