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Foto: Arquivo pessoal

Sejam a nossa voz

Pastor fala sobre as dificuldades enfrentadas pelos missionários cristãos atuantes na Índia

Por Patrícia Scott

Antes da pandemia, iniciada em 2020, a Índia era uma nação relativamente gentil com os cristãos estrangeiros. Nesses últimos anos, porém, houve um aumento do movimento nacionalista, o qual pretende acabar com a influência religiosa externa naquele país asiático de 1,3 bilhão de habitantes. A ideia desses radicais é fazer do hinduísmo a única religião praticada em solo indiano.

Partidários dessa ideologia estão no poder e agem com mão de ferro contra minorias cristãs, que são proibidas até de exercer seu papel beneficente. Para esses extremistas hindus, o trabalho social, na verdade, teria como finalidade forçar os menos favorecidos a abraçar outra religião em troca de benefícios. Com base em acusações desse tipo, geralmente infundadas, mais de seis mil organizações não governamentais já tiveram suas licenças de funcionamento canceladas.

Dessa forma, milhares de crianças, adolescentes e famílias se viram desprovidas dos cuidados que recebiam dessas associações. “Creio que enfrentaremos uma crise humanitária sem medida”, alerta o Pr. Humberto Aragão, 66 anos, presidente da Dignity Freedom Network / Brasil (em português, algo como Rede da Liberdade com Dignidade), ou DFN Brasil. A instituição trabalha em parceria com a DFN Índia na promoção de ações beneficentes entre os dalits (intocáveis), que compõem a casta economicamente menos favorecida da sociedade indiana.

Membro da Igreja Batista do Morumbi, zona sul de São Paulo (SP), onde atua como pastor do núcleo de Expansão Global, Humberto Aragão concedeu à Graça/Show da Fé esta entrevista, na qual fala sobre a atuação da DFN e da importância da Igreja como agente de transformação cultural e social.

Qual é o trabalho da DFN?

Somos um movimento que nasceu, em 1991, quando líderes de uma casta de intocáveis, os dalits, foram pedir ajuda ao Concílio das Igrejas Cristãs da Índia, dizendo assim: Sejam a nossa voz e libertem nossos filhos e nossas mulheres. Eles são intocáveis durante o dia, mas, à noite, são violentados. A finalidade do trabalho é dar dignidade e esperança a esse povo abusado e explorado. O Programa de Educação e Saúde da DFN beneficia hoje mais de 27 mil crianças e mantém seis clínicas no país. A instituição oferece também cursos de capacitação profissional e microcrédito, os quais permitem desenvolvimento econômico para os adultos.

Quais foram os principais avanços conquistados pela organização?

Mais de 27 mil crianças, que jamais entrariam na escola, são educadas anualmente em língua inglesa, o que lhes garante acesso a informações e ao progresso pessoal. Algumas pessoas conseguem ultrapassar as barreiras sociais: entraram nas universidades, ainda que sofram bullying. Uma jovem, por exemplo, formou-se em Medicina, sendo uma das primeiras dalits a se tornarem médicas em centenas de anos. E temos várias ações de resgate de mulheres que servem como prostitutas cultuais. Elas são entregues nos templos, como dádivas aos deuses, por suas mães, quando têm apenas sete anos de vida. Temos dois centros de amparo para essas mulheres.

Como a DFN atua no combate ao tráfico humano?

O foco principal do nosso trabalho é um programa de desenvolvimento rural no estado indiano de Telangana [no Centro-Sul do país], onde essas questões são predominantes. Nossos colegas indianos elaboraram um plano que fornece aconselhamento e apoio, instruindo os mais vulneráveis sobre acesso a benefícios e a ajuda legal, além de aumentar a conscientização a respeito desse problema nas aldeias. Por sua vez, o Abrigo de Refúgio para Crianças de Pratigya atende meninas em situação de risco de comunidades pobres e marginalizadas.

O tráfico de gente é uma realidade mundial. Por quê?

É o terceiro crime mais rentável do mundo. Acontece com crianças, adolescentes e jovens de diferentes classes sociais, que são iludidos por promessas de trabalho, viagens e glamour. Mas acabam em situação de escravidão para exercerem atividades ilegais. O filme Antes que seja tarde [distribuído no Brasil pela Graça Filmes] retrata a realidade de crianças que são retiradas da família e traficadas diariamente para os grandes centros urbanos. Nesse processo, há as vítimas, os criminosos (uma máfia de pessoas e profissionais) e os compradores que possuem muito dinheiro. O pecado admite essas atrocidades na mente dos homens que vão se deteriorando pela concupiscência da carne, dos olhos e pela soberba da vida [1 Jo 2.16]. Satanás cegou esses criminosos para escravizarem seus semelhantes e os deixarem sem a mínima dignidade. As vítimas são destruídas física, emocional e espiritualmente. Por isso, a Igreja é chamada para ser o bálsamo para os alvos desse crime hediondo.

Como a Igreja pode ajudar no combate a esse tráfico?

Fomos colocados neste mundo para dar testemunho de Cristo. Devemos conversar com pessoas vulneráveis ao tráfico. Elas estão em todas as classes sociais. Nos registros da CPI do Tráfico de Pessoas, realizada no Brasil há alguns anos, existem várias histórias. Se conhecermos alguém que está enfrentando esse tipo de assédio e que está desesperado por melhorar de vida, precisamos estar preparados para aconselhá-lo. Nas grandes cidades do país, o Ministério Público Federal e os MPs estaduais, assim como as delegacias municipais e diversas organizações não governamentais estão disponíveis. Devemos entrar em contato com esses órgãos, os quais darão assessoria às vítimas e questionarão as pessoas envolvidas.

De um modo geral, os evangélicos compreendem corretamente a obra missionária?

A questão não é entender, e sim viver a partir de onde se está. Aquele que é discípulo de Cristo já é um missionário. E o melhor missionário é o melhor discípulo, pois aprendeu com seu Mestre, o qual disse que obras maiores seriam feitas por aqueles que O seguissem. É algo que exige prática de vida, uma forma cultural de ser que não deve ser confundida com as ideologias e cosmovisões deste mundo.

Humberto Aragão
Pastor e presidente da DFN Brasil

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