Novela da Vida Real – 295
27/02/2024Família & Sociedade
29/02/2024Mesa posta
Segundo pastores e especialistas, refeições em família geram benefícios ao corpo, à alma e ao espírito
Por Ana Cleide Pacheco*
Nas últimas duas décadas, pesquisas têm demonstrado que compartilhar refeições à mesa proporciona benefícios para todos os membros da família, principalmente para os mais novos. Crianças e adolescentes que consomem comida caseira regularmente em companhia dos pais e dos irmãos apresentam índices menores de obesidade e tendem a ingerir mais alimentos saudáveis. Esses efeitos positivos têm uma explicação: menos gordura, açúcar e sal nas refeições preparadas e maior oferta de frutas, fibras, vegetais e proteínas. Mesmo quando está sozinho, esse público tende a se alimentar de forma mais sadia.
Além disso, esses jovens apresentam melhores notas na escola, usam vocabulário mais amplo e possuem maior capacidade de leitura, entre outros proveitos em comparação aos que não cultivam o hábito de se reunir à mesa. Esses estudos associam as refeições familiares regulares aos tipos de resultados que os pais desejam para os seus filhos: resiliência, médias escolares mais elevadas, melhor nutrição e taxas mais baixas de depressão, consumo de substâncias [psicoativas] e obesidade. Estudos também mostram que compartilhar uma refeição em família ajuda as crianças a se sentirem mais conectadas com os pais, informa a professora e autora, Anne Fishel, diretora do The Family Dinner Project (Projeto Jantar em Família, em tradução livre), do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, em entrevista ao portal da instituição. [No final desta reportagem, leia o quadro Dados relevantes]
Segundo a autora, o projeto busca ensinar às pessoas sobre os efeitos positivos gerados pelas refeições em família e incentivar a população a promovê-las. A ideia é fazer a comunhão à mesa ser descontraída, tornando a prática um alimento para o corpo e a alma. O site do Projeto Jantar em Família disponibiliza, em inglês, uma série de recursos – de receitas saudáveis a tópicos para a conversação à mesa, bem como sugestões de brincadeiras, com o objetivo de tornar a hora da refeição ainda mais leve.
Para a nutricionista Beatriz de Medeiros Dantas, 23 anos, sentar-se à mesa para as refeições é uma oportunidade de fortalecer vínculos e promover a união entre as pessoas, criando um ambiente emocionalmente rico e saudável. “É uma tradição que vale a pena valorizar”, orienta a especialista, membro da sede regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Piracicaba (SP).
De acordo com Beatriz Dantas, as refeições familiares aprimoram as conexões interpessoais. “Começa na amamentação, na relação entre mãe e filho. Depois, estende-se com o desenvolvimento da criança até a fase adulta”, lembra. “Em volta de uma mesa, acontecem comemorações, reuniões familiares, troca de receitas e formas de preparo dos alimentos, que são passadas de geração em geração, e a criação de memórias que serão eternizadas”, garante.
Valores e tradições – De acordo com a jornalista, empresária e consultora de etiqueta, Janaína Depiné da Luz, 47 anos, a mesa, entre as famílias cristãs, é “o púlpito da casa”, um lugar em que os princípios da Palavra de Deus devem ser partilhados. Ela lembra que os evangelhos registram momentos nos quais Jesus aproveitava as refeições para ensinar. “Com frequência, Ele ia comer na casa de alguém. Não porque estivesse com fome, e sim porque queria levar o pão da vida, o pão da presença. Jesus é o modelo a ser seguido pelo cristão.”
Na opinião da consultora, a mesa é um espaço de honra e cuidado, onde as pessoas aprendem a ouvir e a praticar pequenos atos de gentileza. “É onde os laços, os valores e as tradições são criados”, frisa Janaína da Luz, acrescentando que, para ter famílias fortes e unidas, é preciso promover esses momentos com regularidade. “Assim como Cristo, devemos ensinar às novas gerações o que realmente importa, pois elas têm uma infinidade de ofertas. À mesa, paramos a correria, olhamos uns para os outros, perguntamos como foi o dia de cada um e compartilhamos experiências e lições. Isso aproxima, une e traz Jesus para o centro da nossa casa”, compartilha Janaína, membro da Igreja Batista Central de Luxemburgo, em Belo Horizonte (MG).
A visão de Janaína é compartilhada pela faxineira Maria Cristina Santos da Silva, 50 anos, membro da Igreja da Graça em Vargem Pequena, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). “Diariamente, deveríamos nos sentar à mesa com nossa família. Embora nem sempre isso seja possível, devido aos horários que, muitas vezes, não coincidem, ou ao cansaço depois de um dia cheio de compromissos, é preciso fazer um esforço para que todos se reúnam”, defende. Para ela, os cristãos, em especial, devem se mobilizar para conservar esse momento de união, por se tratar de um ensinamento bíblico. “Além do exemplo de Jesus e de Seus discípulos, vale citar o Salmo 128.1-3: Bem-aventurado aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos! Pois comerás do trabalho das tuas mãos, feliz serás, e te irá bem. A tua mulher será como a videira frutífera aos lados da tua casa; os teus filhos, como plantas de oliveira, à roda da tua mesa”, destaca Maria Cristina, casada com Antônio Pereira da Silva, 58 anos, e mãe de Jonathan, 26.
Diversos malefícios – Além da falta de tempo, um dos maiores inimigos das refeições em família são os aparelhos eletrônicos. Nas décadas de 1930 a 1950, o Brasil viveu a Era do Rádio, quando as pessoas se sentavam em volta do aparelho para ouvir seus programas preferidos. Com a chegada da TV, em 1950, e a popularização dos televisores, na década de 1970, as famílias passaram a se reunir em frente à telinha para assistir aos noticiários e a outros programas de entretenimento. Muitos deles coincidiam com a hora das refeições. Hoje essa dinâmica se repete, só que diante do computador, dos tablets ou dos celulares.
Segundo diversos estudos, além de reduzir a formação de vínculos entre os membros da família, o hábito de se alimentar em frente a essas tecnologias pode causar inúmeros malefícios. Um deles é a perda da autorregulação: adultos e crianças não percebem se já estão saciados. Eles param de comer quando deveriam prosseguir se alimentando, ou, o que é mais comum, continuam comendo, mesmo sem fome. “Em outras palavras, a pessoa consome mais ou menos alimentos do que o corpo precisa”, observa a nutricionista Stéphane Maciel Garra, 24 anos. A profissional alerta ainda: se o foco da criança ou do adulto não está no que está sendo consumido, há uma perda na qualidade da alimentação. “A pessoa pode não mastigar de forma adequada, causando dificuldade no processo digestivo”, explica a especialista, membro da sede estadual da IIGD no Rio Grande do Sul.
Na opinião da nutricionista Drielle Fonseca dos Santos de Carvalho, 31 anos, membro da Igreja Batista Lagoinha em Piratininga, Niterói (RJ), a distração ao comer aumenta as chances de sobrepeso. Quem só come diante da tela e ingere mais calorias do que o necessário fatalmente terá sobrepeso e obesidade. “Além disso, a pessoa pode optar por alimentos não tão saudáveis, mas práticos”, adverte Drielle. Para ela, todos da casa precisam ser conscientizados sobre a importância de se sentarem à mesa, pois os demais entretenimentos podem esperar. “As refeições em família são uma grande oportunidade para ensinar, educar, discipular e influenciar os filhos. Uma das esferas mais atacadas espiritualmente é a família, e os momentos juntos fazem com que essa aliança seja blindada contra esses ataques.”
“Preciosa Palavra” – O empresário Roger de Sá Santos, 41 anos, membro da sede estadual da Igreja da Graça no Rio de Janeiro, em Madureira (RJ), opina: investir tempo de qualidade à mesa é essencial. “Infelizmente, eu e minha esposa, em nossa juventude, não tivemos lares sadios em vários aspectos”, lamenta Santos, casado com Tainá Alice Guimarães Santos, 41 anos, e pai de Yan, de 14 anos. “Por isso, eu me esforço para ser um pai presente. Priorizo fazer nossas refeições juntos e aproveito para estreitar a nossa comunhão, plantando a Palavra de Deus no coração de cada um.”
Para Roger Santos, esse diálogo durante as refeições é fundamental na formação do caráter e no crescimento psicológico de seu filho, evitando complicações emocionais futuras. “Confesso que nem tudo são flores, mas, com a sabedoria divina, alcançamos o objetivo para o qual Ele nos destinou. A Palavra diz: Como flechas na mão do valente, assim são os filhos da mocidade [Salmo 127.4]. Precisamos fazer a nossa parte”, afirma o empresário, certo de que o Senhor está no controle de tudo.
Na opinião do Pr. Jefferson Daniel da Costa Junior, 48 anos, da Assembleia de Deus Central de Marambaia, em São Gonçalo (RJ), a mesa é um espaço maravilhoso de comunhão, no qual as famílias podem repartir o pão. Além disso, assinala ele, é onde se desenvolve um sentimento de gratidão: a Deus, pela provisão; aos pais, pela mesa posta; e à família, pelo fortalecimento das conexões interpessoais. “Sentar-se à mesa gera amor, generosidade e respeito. Partilhar experiências é importante, porque vivemos em um mundo que tende ao isolamento por causa do avanço da tecnologia. A falta de diálogo torna as pessoas egoístas, distantes do propósito do Senhor, que é a comunhão e o amor. Priorizar a família é tudo. Com ajuda de Deus, os desafios são superados”, conclui.
DADOS RELEVANTES
Há duas décadas, diversas organizações médicas e acadêmicas se dedicam a estudar o impacto das refeições em família na promoção da saúde. Hoje existem inúmeras evidências de que o hábito de reunir os familiares em torno da mesa vale a pena. Confira:
:: Realizada pela American Heart Association (Sociedade Brasileira de Cardiologia, em tradução livre), uma pesquisa recente constatou que, para 91% dos pais entrevistados, suas famílias ficam menos estressadas quando se alimentam juntas à mesa. O levantamento mostrou que a redução do estresse e a conexão com outras pessoas são identificadas pelos entrevistados como os principais benefícios obtidos em refeições comunais.
:: Outra sondagem, realizada em conjunto pela Universidade de Tulsa e pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, com crianças em idade pré-escolar, demonstrou que a conversa, durante as refeições, é mais eficaz para auxiliar os pequenos a construírem vocabulário do que ouvir histórias lidas em voz alta. A refeição familiar também ajuda as crianças a assimilarem mais cedo as regras básicas de etiqueta, como dizer “Por favor” e “Obrigado”, ou a manter a boca fechada enquanto mastigam.
:: O maior estudo sobre adolescentes realizado pelo governo norte-americano constatou que há uma forte ligação entre o hábito de realizar refeições em família e o sucesso acadêmico. Jantar com os pais e os irmãos se mostrou um diferencial para a saúde psicológica dos adolescentes. Segundo a análise, quem come com a família é menos propenso ao abuso de álcool e outras drogas, ao início precoce da vida sexual ou ao suicídio.
:: Outro levantamento, conduzido pela Universidade de Columbia, nos EUA, comprovou que os adolescentes habituados a fazer refeições com seus familiares – pelo menos, cinco vezes por semana – tendem a obter melhores notas na escola e são menos propensos à dependência química.
:: Com relação ao desempenho acadêmico das crianças e dos adolescentes que se alimentam à mesa, a Universidade de Michigan (EUA) fez uma descoberta curiosa: manter um horário regular para a realização das refeições em família é o maior trunfo para a obtenção de melhores notas escolares entre crianças e adolescentes. De acordo com os pesquisadores, isso ajuda mais do que estudar, praticar esportes ou realizar demais atividades acadêmicas.
:: Uma sondagem realizada no estado de Minnessota (EUA), e publicada no periódico científico JAMA Pediatrics, revelou que crianças e adolescentes acostumados a fazer refeições com suas famílias, pelo menos cinco vezes por semana, correm menor risco de desenvolver transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, quando comparados aos que não têm esse hábito.
(*Colaborou Élidi Miranda, com informações de American Heart Association e Focus on the Family)