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Foto: calypso77 / Adobe Stock

Aparência perfeita?

Aumento do número de crianças e adolescentes com transtornos alimentares preocupa especialistas

Por Ana Cleide Pacheco

Comer é uma das atividades mais simples e corriqueiras da vida. Porém, nem sempre isso acontece de forma natural, devido aos transtornos alimentares, isto é, a alterações nos hábitos de consumo provocados por conflitos emocionais. Tais problemas afetam a saúde física e mental e, de maneira geral, estão associados à depressão e à ansiedade. Essas mudanças de dieta alimentar estão atingindo cada vez mais a população jovem em proporções alarmantes. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Desafios dos jovens]

O estudo Proporção Global de Transtornos Alimentares em Crianças e Adolescentes: Uma Revisão Sistemática e Meta-análise, publicado em fevereiro no periódico científico JAMA Pediatrics, mostrou que 22% das crianças e dos adolescentes do mundo apresentaram distúrbios alimentares. A pesquisa, que utilizou amostras de 16 países, incluindo o Brasil, foi liderada pelo professor espanhol José Francisco Lopez Gil. Utilizando informações coletadas em importantes bases de dados, como PubMed, Scopus, Web of Science e Cochrane Library, o levantamento revelou que, entre menores de idade, a incidência de transtornos alimentares é maior no sexo feminino (30%) do que entre o sexo masculino (17%).

O professor espanhol José Francisco Lopez Gil liderou o estudo publicado na revista JAMA Pediatrics, o qual mostrou que 22% das crianças e dos adolescentes do mundo apresentaram distúrbios alimentares
Foto: Reprodução / Facebook

Convidada pela reportagem de Graça/Show da Fé para analisar os dados da sondagem, a nutricionista Silvia Di Santoro Bruzetti observa que os transtornos alimentares estão cada vez mais frequentes na sociedade e afetam especialmente as crianças e os adolescentes. A especialista lembra, entretanto, que o padrão alimentar dos pequenos é definido pelos pais ou por pessoas próximas. Portanto, se os responsáveis apresentarem preocupação demasiada com a perda ou com o ganho de peso de seus filhos, isso pode impactar diretamente a relação das crianças com os alimentos.

Fora do ambiente familiar, outro fator que pode contribuir para o surgimento de distúrbios alimentares é o bullying. Quando sofrem esse tipo de importunação por questões relacionadas à aparência física, em locais como a escola ou outras áreas de convivência com colegas, os pequenos que possuem baixa autoestima podem desenvolver tais transtornos. Bruzetti aponta ainda os impactos gerados pelas campanhas de marketing, que costumam valorizar os corpos magros. “Acredito que a grande mídia e as redes sociais, assim como outros fatores, influenciam fortemente as crianças e os adolescentes.”

A nutricionista Silvia Di Santoro Bruzetti acredita que “a grande mídia e as redes sociais, assim como outros fatores, influenciam fortemente as crianças e os adolescentes”
Foto: Arquivo pessoal

De acordo com a nutricionista, o público feminino é o mais afetado porque há um enorme contexto histórico-
-cultural de cobranças relacionadas à aparência do corpo das mulheres e à exaltação de padrões de beleza quase inalcançáveis. “A fim de tentar mitigar essas influências, penso ser importante desenvolver um trabalho preventivo que inclua programas educativos voltados para adolescentes em locais de fácil acesso, como as escolas, que os ensinem a ter uma boa relação com a comida”, sugere Silvia Bruzetti, membro da Igreja Yah Church, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo (SP).

A Profª Júlia Andréa dos Santos de Moraes acredita que meninas e moças com maior risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares são aquelas que se mostram mais suscetíveis à influência dos meios de comunicação
Foto: Arquivo pessoal

Baixa autoestima A pressão dos meios de comunicação também é apontada pela Profª Júlia Andréa dos Santos de Moraes, 52 anos, como um dos principais responsáveis pelos diversos distúrbios que acometem as crianças e os adolescentes. Ela acredita que meninas e moças com maior risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares são aquelas que se mostram mais suscetíveis à influência dos meios de comunicação. “A insatisfação com a imagem corporal aumenta à medida que protótipos estéticos são expostos, levando a uma compulsão pela aparência perfeita. São jovens lindas que não se enxergam como tal, que se comparam o tempo todo com celebridades e não respeitam sua genética e seu biótipo.” Como resultado, essas garotas se tornam tristes, depressivas e com baixa autoestima. “Vejo, a cada dia mais, meninas sendo pressionadas pela mídia a buscarem o corpo que, para elas, é ideal e perfeito”, explica Júlia Moraes, membro da Primeira Igreja Batista de Mesquita (RJ), na Baixada Fluminense.

O Pr. Rafael Pires lembra que a adolescência é uma fase de inúmeros conflitos: “Muitos [jovens] se submetem a restrições alimentares na busca pelo corpo ideal, algo que gera traumas e frustrações”
Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Rafael Pires, 28 anos, auxiliar na sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Rio de Janeiro, lembra que a adolescência é uma fase de muitos conflitos. Por isso, é fundamental fazer com que os adolescentes entendam que cada um tem seu tipo físico e aprendam a se amar e se respeitar. “Sabemos que, por causa da pressão da sociedade, muitos se submetem a restrições alimentares na busca pelo corpo ideal, algo que gera traumas e frustrações.” Na opinião do ministro, os pais precisam estar presentes na vida do adolescente, atentos e próximos de seus filhos, prontos para lhes mostrar a importância e o valor que têm para a família e para a sociedade – incluindo as comunidades de fé. “As igrejas também precisam ser atuantes nesse processo, pois, quando o jovem se depara com a Palavra de Deus, descobre quem realmente é. A Bíblia é um espelho no qual podemos contemplar a nós mesmos e encontrar nosso real propósito e sentido na vida.”

A nutricionista e professora de dança contemporânea Laísa Ramos Rodrigues conhece bem o drama do transtorno alimentar: “Fui crescendo e almejando emagrecer”
Foto: Arquivo pessoal

Saúde emocional A nutricionista e professora de dança contemporânea Laísa Ramos Rodrigues, 25 anos, conhece bem o drama do transtorno alimentar. Ela sempre gostou de dança e, por isso, começou a fazer aulas de balé ainda na infância. Porém, nunca teve o “corpo de bailarina” – uma silhueta magra e esguia. Isso fez com que, em diversas ocasiões, ouvisse palavras desagradáveis a respeito de sua forma física. Tais comentários a faziam se sentir mal e inadequada para a prática da atividade que tanto amava. “Acreditei que tinha um corpo diferente. Fui crescendo e almejando emagrecer”, testemunha Laísa, que começou a comer cada vez menos, sempre com medo de engordar, até que aquele hábito se tornasse um estilo de vida. “Perdi o controle e restringi bastante a minha alimentação. Bebia água demais, sentia muito frio e só pensava em correr para gastar o pouco que havia comido. Minha vida se resumia em contar as calorias de tudo o que eu consumia.” A nutricionista chegou a ponto de mastigar a comida só para sentir o prazer do sabor, mas não engolia. Cuspia tudo, com receio de engordar. “Tinha refluxo, ficava acordada a noite, com fome, mastigando e jogando fora.”

A história da jovem mudou a partir das orações de uma tia. “E dei ouvidos à minha mãe, reconhecendo que precisava de ajuda profissional. Fui encaminhada a uma psicóloga e passei por um processo lindo com Cristo. Hoje, sou nutricionista comportamental e tenho prazer de ajudar meninas que passam pelo mesmo que enfrentei”, afirma a profissional, que é membro da Igreja Batista da Lagoinha, em Niterói (RJ).

A pedagoga Renata Moreira Celio relata: “Converso com os adolescentes e jovens e, infelizmente, tenho visto que alguns dos grandes problemas deles estão ligados à saúde emocional e a relações familiares que, muitas vezes, estão fragilizadas”
Foto: Arquivo pessoal

Para a pedagoga Renata Moreira Celio, 45 anos, crianças e adolescentes têm sido acometidos de muitos transtornos – não somente alimentares. “Converso com os adolescentes e jovens e, infelizmente, tenho visto que alguns dos grandes problemas deles estão ligados à saúde emocional e a relações familiares que, muitas vezes, estão fragilizadas”, avalia a especialista, que é também pastora auxiliar da Primeira Igreja Batista em Parque São Vicente, Belford Roxo (RJ), na Baixada Fluminense.

Segundo a educadora, é perceptível o número crescente de menores de idade com ansiedade e depressão. “Acredito que a Igreja precisa acolher e dar a eles um espaço de fala e de protagonismo. Desse modo, é possível apresentar o Evangelho, que é a Boa-Notícia, mostrando as histórias bíblicas, nas quais alguns adolescentes e jovens foram bênçãos e tiveram experiências incríveis com Deus. Precisamos descortinar nossos olhares e acolher mais.”

O administrador Diego Rocha Lourenço recorda-se: “Despejava todas as minhas carências, toda a dor emocional e psicológica na comida. Eu só pensava em comer, estivesse triste ou feliz”
Foto: Arquivo pessoal

“Abordagem multidisciplinar” O administrador Diego Rocha Lourenço, 28 anos, membro da Igreja Batista da Lagoinha, em Niterói (RJ), conta que, desde muito cedo, desenvolveu um senso de rejeição, e, em meio àquele sofrimento, comer era uma válvula de escape. “Despejava todas as minhas carências, toda a dor emocional e psicológica na comida. Eu só pensava em comer, estivesse triste ou feliz”, recorda-se Diego, que precisou de auxílio profissional e espiritual porque, além do transtorno alimentar, tornou-se obeso. “Quando emagreci, veio outro desafio: lidar com o vazio. Antes, colocava tudo na comida; agora, não comia mais naquelas proporções. Com a ajuda de Cristo e da terapia, consegui sair daquele cativeiro. Foi um período bem difícil, mas venci.”

A nutricionista Taís Carvalho Duque Estrada orienta: as famílias precisam ter um olhar atento à alimentação de crianças e adolescentes
Foto: Arquivo pessoal

A nutricionista Taís Carvalho Duque Estrada, 28 anos, orienta as famílias a terem um olhar atento à alimentação de crianças e adolescentes e alerta: caso observem algum distúrbio, profissionais competentes precisam ser acionados. “O adolescente passa por mudanças hormonais e corporais com as quais, na maioria das vezes, não sabe lidar. Por isso, é muito importante que ele se sinta amado e acolhido, além de entender o que é ser e estar saudável, a fim de que consiga fazer boas escolhas, não levando em conta os padrões sociais.”

Foto: Guilherme Stecanella/ Unsplash

 A especialista orienta ser essencial entender que as particularidades de cada pessoa precisam ser respeitadas. Assim, não se trata apenas de estabelecer um alvo ou uma meta de peso a ser alcançada. “Ao perceber sinais e sintomas, o primeiro passo é acolher, não julgar. E, então, alicerçar uma abordagem multidisciplinar, envolvendo profissionais, como endocrinologista, nutricionista, psicólogo e, muitas vezes, psiquiatra”, conclui.

Desafios dos jovens

Os principais transtornos alimentares que acometem crianças e adolescentes requerem atenção da família. Portanto, é preciso estar alerta quanto a alguns sinais. São eles:

Anorexia nervosa – O adolescente se percebe gordo, mesmo quando está abaixo do peso ideal, recusa-se a comer e; se o fizer, abusa de laxantes, diuréticos e de atividades físicas para conter o suposto ganho de gordura.

Bulimia nervosa – O jovem come grandes quantidades de alimentos e, em seguida, provoca o vômito para expelir o conteúdo do estômago. Também abusa de diuréticos e laxantes e das atividades físicas.

Transtorno da compulsão alimentar – O indivíduo perde o controle sobre o consumo dos alimentos, pois não sabe quando parar de comer. Isso favorece o aumento de peso. Nesse caso, não utiliza mecanismos compensatórios, como o vômito.

Hipergafia – Devido a eventos traumáticos, o adolescente tende a descontar as emoções na comida. É comum também apresentar sinais típicos de depressão.

Ortorexia – Na busca pelo corpo perfeito, o jovem tem obsessão por alimentos saudáveis. A seleção se torna exagerada, afetando as relações sociais e causando conflitos no momento da refeição.

(Fonte: Hospital Santa Mônica)

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