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Foto: Pexels / Ketut Subiyanto

Força curativa

Perdoar promove uma série de benefícios para a saúde física e mental, apontam especialistas

Por Patrícia Scott

Certa vez, o apóstolo Pedro perguntou ao Messias: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete (Mt 18.21,22). Mais do que uma profunda lição espiritual, essa passagem contém uma valiosa dica de saúde física e mental. Diversas pesquisas científicas demostram que perdoar tem influência direta sobre o corpo humano.

Um desses estudos foi realizado pela psicóloga Charlotte vanOyen-Witvliet, membro da Hope College, em Michigan, Estados Unidos. Ela solicitou a um grupo de voluntários que se lembrassem de alguma ofensa grave ou de um grande prejuízo sofrido no passado. Nesse momento, foram aferidos os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea e a tensão muscular de cada participante. A pesquisadora percebeu que, ao recordar essas situações desagradáveis, as pessoas experimentavam reações corporais semelhantes às que acontecem quando se sente raiva. Em seguida, Charlotte pediu que se imaginassem perdoando os malfeitores e tentassem compreender os motivos que os levaram a causar danos a elas, reagindo, agora, com empatia e compaixão. Os sinais corporais dos presentes mostraram respostas fisiológicas opostas às anteriores, e voltaram ao estado normal.

A psicóloga Charlotte vanOyen-Witvliet percebeu que, ao recordar ofensas graves ou prejuízos sofridos no passado, as pessoas experimentavam reações corporais semelhantes às que acontecem quando se sente raiva
Foto: Divulgação

Para a psicóloga Wanessa Berba, perdoar é a decisão consciente de liberar o ressentimento em relação a alguém, independentement0e de merecimento. De acordo com ela, o perdão está intimamente ligado às emoções e, quando não é liberado, pode desencadear doenças emocionais e físicas, como a depressão, a hipertensão e até o câncer. “Estudos já mostram que pessoas perdoadoras apresentam um nível maior de células CD4. Estas estão relacionadas ao bom funcionamento do sistema imunológico.”

Dentro dessa mesma linha de raciocínio, a psicanalista Patrícia Pedro pontua que, ao desculpar quem o ofendeu, o indivíduo passa a ter uma percepção mais leve da vida, e isso possibilita um recomeço. A verdadeira prática do perdão, ressalta ela, não consiste em esquecer o passado, e sim renunciar ao desejo de vingança. “Em outras palavras, não dar ao outro a punição que ele merece. Mas, para isso, é necessário reconhecer a vontade do revide, o famoso olho por olho, dente por dente”. A profissional esclarece que perdoar é um processo e, dependendo da situação, será preciso tratar algumas feridas antes de conseguir praticar tal ação. “Aprendendo a lidar com as dores, o indivíduo será capaz de conceder o perdão.”

A psicóloga Wanessa Berba informa: “Estudos já mostram que pessoas perdoadoras apresentam um nível maior de células CD4. Estas estão relacionadas ao bom funcionamento do sistema imunológico”
Foto: Arquivo pessoal

A autora e palestrante Heloísa Capelas, especialista em autoconhecimento e desenvolvimento do potencial humano, lembra que perdoar não significa, necessariamente, retomar um relacionamento conjugal ou uma amizade, por exemplo. “O perdão nos capacita a deixar o passado para trás”, resume Capelas, destacando que é preciso reconhecer que, muitas vezes, a responsabilidade dos problemas antigos não diz respeito apenas ao ofensor. “Identificamos nossos algozes e direcionamos toda a culpa sobre eles, esquecendo que todos têm suas contribuições. A responsabilidade por si mesma permite compreender os caminhos, as vontades, as escolhas e as decisões e, ainda, a maneira como lidar com a mágoa e a dor. Não é possível ter controle sobre o outro, mas podemos controlar a nós mesmos.”

Ela também orienta que não se deve esperar de quem errou pedidos de desculpas. “A atitude deve partir de cada um. Pensar dessa forma e entender as circunstâncias pode ser libertador”, ensina a autora, assegurando que o perdão recupera o bem-estar, a autoestima, o amor-próprio e a satisfação pessoal, independentemente de fatos e pessoas. “Trata-se de uma escolha que nos permite ter uma vida mais feliz e satisfeita, mesmo com todos os acontecimentos. E, principalmente, encontramos uma paz interior duradoura e indescritível.”

A psicanalista Patrícia Pedro explica que a verdadeira prática do perdão não consiste em esquecer o passado, e sim renunciar ao desejo de vingança: “Em outras palavras, não dar ao outro a punição que ele merece”
Foto: Arquivo pessoal

No artigo Quando o perdão é verdadeiro, publicado no portal Ongrace, o Missionário R. R. Soares afirma que o cristão deve estar pronto a perdoar, não importando o tamanho da ofensa. Se você foi vítima de alguma injúria, não se deixe levar pela tentação de fazer o ofensor sofrer por tudo o que lhe fez. Não deixe nenhuma maldade habitar o seu coração, pois, se isso acontecer, inevitavelmente, você cairá no laço do inimigo. Contudo, se ficar na carne e quiser receber pelo prejuízo que sofreu, ao se vingar do ofensor, não receberá a recompensa do Senhor no dia da redenção, adverte.

Perdão e restituição – Seguir o princípio ensinado pelo Missionário foi libertador para a técnica em Enfermagem Ana Lúcia Graciano de Souza, 44 anos, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no centro de Nova Andradina (MS). Em 2012, a profissional da área de saúde tinha um ótimo emprego, e tudo ia bem até a gestora mudá-la de função. “Não gostei e, na hora, pedi que outra pessoa fosse transferida no meu lugar. Aleguei que ela sempre fazia algo de errado, e fui atendida”, recorda-se.

A autora e palestrante Heloísa Capelas resume: “O perdão nos capacita a deixar o passado para trás”
Foto: Arquivo pessoal

Daquele momento em diante, Ana Lúcia perdeu o contato com aquela funcionária. Porém, sua consciência pesava, deixando-a sem paz. Embora a colaboradora realocada fosse relapsa, isso não podia ter sido motivo para apontá-la. “Lendo a Palavra, percebi que minha postura era condenável”, reconhece a técnica, que foi demitida meses depois.

Um dia, Ana Lúcia saiu de casa determinada a pedir perdão à antiga colega de trabalho. Ao encontrá-la, pôde expor o que sentia. “Ela me perdoou e disse que não imaginava que eu havia sido a responsável por ter pedido a transferência dela. Chorei muito e contei todo o ocorrido. Depois disso, as portas de emprego se abriram para mim, e nunca mais fiquei desempregada. O melhor de tudo é que passei a ter paz.”

O Missionário R. R. Soares, no artigo Quando o perdão é verdadeiro, publicado no portal Ongrace, afirma que o cristão deve estar pronto a perdoar, não importando o tamanho da ofensa
Foto: Arquivo Graça / Solmar Garcia

Outra história complicada viveu a cozinheira Chisneide da Silva Mendes de Carvalho, 42 anos, que perdoou uma traição do marido. Ela estava casada havia 13 anos, quando recebeu uma carta com a informação de que o esposo dela mantinha uma segunda família. “Fiquei desesperada, sentindo muito ódio. Assim, fui morar com os meus filhos na casa da minha mãe. Entrei até em depressão”, lembra-se ela, que não saía do quarto nem mesmo para dar atenção aos três filhos – Alexandre José (hoje, com 18 anos), Aline (16) e Adriano José (10), na época mais novos.

A ajuda veio da mãe de Chisneide, que assistia ao programa Show da Fé e decidiu levá-la a uma reunião na Igreja da Graça. Mesmo sem qualquer esperança e fé no agir de Deus, a cozinheira aceitou o convite. “Fui  ao culto e, depois, passei a ir à IIGD com frequência. Aos poucos, percebi que o Senhor estava cuidando da minha alma e tirando aquela dor. Houve uma transformação de dentro para fora.”

A técnica em Enfermagem Ana Lúcia Graciano de Souza pediu perdão a uma antiga colega de trabalho, depois de ler a Palavra de Deus: “Percebi que minha postura era condenável”
Foto: Arquivo pessoal

Menos de um mês depois, Chisneide foi procurada pelo marido, Luciano Ferreira de Carvalho, 45 anos. “Ele foi até a casa da minha mãe, conversamos e decidimos reatar o casamento”, relata ela. Desde então, o esposo passou a acompanhá-la nas reuniões. “Foi difícil liberar o perdão porque queria que ele sentisse a mesma dor que eu senti. Algumas vezes, pensei em desistir, mas o atendimento pastoral me ajudou muito no processo de restauração.”

Chisneide conta que a união demorou um ano para se restabelecer. “O Espírito Santo me encheu de paz e retirou toda a dor. Hoje, posso dizer que tenho um marido, um companheiro, que é um bom pai. Minha família foi restituída e transformada”, afirma a cozinheira, membro da IIGD em Asa Norte, Brasília (DF).

A cozinheira Chisneide da Silva Mendes de Carvalho (na foto, com a família) perdoou uma traição do marido, com quem estava casada havia 13 anos, e testemunha: “O Espírito Santo me encheu de paz e retirou toda a dor”
Foto: Arquivo pessoal

Perdão de Deus – O Pr. Ronaldo Lacerda, da Igreja da Graça em Céu Azul, Belo Horizonte (MG), ensina que a prática do perdão abre os Céus para a oração, conforme registrado em Marcos 11.25,26 (E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, vos não perdoará as vossas ofensas). “Quem perdoa também é perdoado”, prega Lacerda, ressaltando que muitas pessoas estão doentes fisicamente por causa da falta de perdão. O líder cita o exemplo de José (Gênesis 45). “Ele teve a oportunidade de deixar os irmãos perecerem no tempo da fome que veio sobre a Terra, já que havia sido vendido como escravo por eles. No entanto, além de perdoar, José lhes forneceu comida.”

Por sua vez, o Pr. Caramuru Afonso Francisco, da Assembleia de Deus Ministério do Belém, no bairro Belenzinho, em São Paulo (SP), diz que o fundamento do perdão é o amor divino. Ele recorda que a salvação só é possível a partir da ação perdoadora do Senhor ao homem pecaminoso. “Se temos a consciência de que fomos alcançados pela misericórdia de Deus e por isso somos salvos, temos também de perdoar o próximo. Se o Criador, infinitamente bom e santo, perdoou os nossos pecados, quem somos nós, pecadores e maus, para deixar de perdoar?”, questiona o ministro do Evangelho, advertindo que o ego é um obstáculo para a liberação do perdão. “Quando entendemos o amor do Pai, conseguimos ter o mesmo sentimento dEle. E, então, negamos a nós mesmos e conseguimos perdoar.”

O Pr. Ronaldo Lacerda ensina que a prática do perdão abre os Céus para a oração: “Quem perdoa também é perdoado”
Foto: Arquivo pessoal

Já o pastor e escritor Eliel Batista pondera que é preciso ter humildade para liberar o perdão. “É necessário entender que não somos o centro do Universo”, afirma o pregador, assegurando que, quando a ação perdoadora não acontece, é como entulhar a fonte da vida. “Gera cansaço e desobediência à Palavra. O Senhor não Se distancia da pessoa, ela quem se afasta dEle, passando a carregar um fardo destrutivo”, explica Batista, que é também professor de Teologia Bíblica no Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, em São Paulo (SP).

O pastor e escritor Eliel Batista pondera que é preciso ter humildade para liberar o perdão e afirma que este não está relacionado à abundância ou à falta de fé: “Ele deve ser encarado como uma virtude cristã”
Foto: Arquivo pessoal

Eliel Batista enfatiza que o perdão é libertador.  Portanto, quem não consegue perdoar está “preso” e necessita da ajuda do Espírito Santo, que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo (João 16.8). “O primeiro passo é admitir essa fraqueza para que o poder de Deus seja aperfeiçoado na pessoa, e, assim, a mágoa, o ódio, a raiva e o ressentimento sejam retirados daquele coração”, afirma o pastor, observando a importância de compreender que o ato de perdoar deve focar uma vida em conformidade com o Reino de Deus e os valores de Jesus, que são a justiça, a paz, a alegria, o amor e a plenitude. “O perdão não está relacionado à abundância ou à falta de fé. Ele deve ser encarado como uma virtude cristã.”

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