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Foto: dbajurin / 123RF

Arrepende-te, pois

O que a Igreja de Pérgamo, contaminada por práticas pagãs, pode ensinar aos cristãos da atualidade?

Por Patrícia Scott

O livro de Apocalipse costuma despertar a curiosidade dos leitores por sua linguagem enigmática e suas profecias acerca do fim dos tempos. As revelações ali registradas foram dadas pelo Senhor ao apóstolo João, quando ele esteve preso em Patmos, ilha grega situada no leste do mar Egeu. A maior parte da obra é destinada a tratar de acontecimentos futuros. Entretanto, logo em seu início, no capítulo 2, o discípulo amado registra a exortação do Altíssimo a sete importantes igrejas da época..

Uma delas é a comunidade cristã da cidade de Pérgamo (Ap 2.12-17), localizada a 26km da costa do mar Egeu, no Noroeste da Turquia. A Igreja, plantada pelos primeiros cristãos quando aquela localidade era parte do Império Romano, não andava muito bem, pois vinha misturando conceitos da Palavra com aspectos mundanos presentes na cultura local. O Todo-Poderoso é taxativo ao apontar os erros daqueles cristãos, convocando-os ao arrependimento que leva à recompensa eterna.

Foto: elec / 123RF

A teóloga Edméa Santiago Cabral explica que os seguidores de Cristo em Pérgamo estavam impregnados com a doutrina de Balaão (v.14), condenada pelo Criador. “Para eles, qualquer deus era bem-vindo. A idolatria contaminou a Igreja, que saiu do seu propósito e compromisso.” A especialista lembra que, em Números 22, Balaão é apresentado como profeta de Deus. “No entanto, ele se envolve com a idolatria, faz acordos e prostitui a fé genuína”, descreve.

Cabral acrescenta que a Bíblia informa que Pérgamo estava assentada sobre o trono de Satanás (v.13), justamente por servir de palco para a adoração a diversos falsos deuses. Ela aponta que o Senhor também chama a atenção para a influência da doutrina dos nicolaítas (v.15), grupo que difundia ensinamentos antibíblicos e pretendia instaurar uma hierarquia eclesiástica para exercer influência sobre o povo, visando à obediência ao paganismo. “Queriam dominar os cristãos, de maneira contrária à Palavra, sendo os únicos intérpretes das Escrituras. A normalização [do mundanismo] contaminou a Igreja, corrompendo-a. A Bíblia alerta que a amizade com o mundo é inimizade com o Senhor”, diz, referindo-se ao texto de Tiago 4.4.

O Pr. Carlos Augusto Vailatti destaca: “O Senhor repudia a negligência doutrinária da Igreja ao permitir a adoração a divindades e ao homem” – Foto: Arquivo pessoal

“Negligência doutrinária” – Pérgamo tinha uma peculiaridade que a distinguia das outras cidades relacionadas em Apocalipse 2: lá ficava o centro do culto ao imperador romano. Isso acabou tendo uma influência negativa sobre as doutrinas difundidas entre aqueles cristãos, segundo o Pr. Carlos Augusto Vailatti, da Igreja Evangélica Jaboque, em Jardim Independência, zona leste de São Paulo (SP). “O Senhor repudia a negligência doutrinária da Igreja ao permitir a adoração a divindades e ao homem”, destaca o líder, assinalando que toda Igreja deve pregar o Evangelho, mesmo em um lugar conhecido como trono de Satanás. Porém, lembra ele, é imprescindível que se mantenha zelosa da sã doutrina cristã e guarde a fé genuína. “Jesus não permite a negociação e a relativização da Palavra”, acentua. O pastor enfatiza que uma das principais características de uma Igreja saudável é o compromisso com o ensino bíblico.

Na época em que Apocalipse foi escrito, assevera Vailatti, a maioria dos convertidos de Pérgamo era proveniente do paganismo e sofria pressão social e religiosa para permanecer nas antigas práticas. “Os hereges, infiltrados na igreja, defendiam a ideia de que os cristãos poderiam ter uma atitude liberal, sem crise de consciência, quanto aos antigos costumes.” Entretanto, o ministro frisa que a liderança não poderia tolerar o ensino de doutrinas que Jesus abomina. “O Evangelho é o suficiente para salvar uma humanidade pecadora. A fé cristã é inegociável”, salienta o pregador, que é mestre em Novo Testamento e doutor em Antigo Testamento pela Universidade de São Paulo (USP).

O Pr. Kenner Terra ressalta que o Espírito Santo promete contabilizar os que resistem ao sistema deste mundo entre os acolhidos por Deus para a salvação no dia do Julgamento Final – Foto: Arquivo pessoal

Julgamento final – O Pr. Kenner Terra, doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), explica que, nos dias de João, não havia uma perseguição institucionalizada à Igreja em Pérgamo. Contudo, os cristãos eram tratados com desconfiança pelos cidadãos romanos, sendo alvos de difamação e de calúnias. “O sistema religioso romano de culto ao imperador tinha a função de integração social mediada por práticas religiosas. Devido à rejeição aos deuses romanos, os cristãos eram vistos como subversivos e ímpios, podendo tal recusa ser também interpretada como deslealdade ao imperador.” Terra destaca que havia uma importante comunidade judaica em Pérgamo, e algumas dessas pessoas que aderiram ao Evangelho eram discriminadas pelos romanos e sofriam pressão de seus antigos irmãos judeus. Ele esclarece que Jesus exortou aqueles que foram tragados pelo sistema romano, pois Seu julgamento estava perto de acontecer. Por outro lado, os fiéis ao Evangelho foram encorajados a permanecerem firmes porque receberiam a alegria da salvação no Juízo. “Cristo garante a preservação dos que obedecem às Suas orientações”, enfatiza o ministro. Ele ressalta que o Espírito Santo promete contabilizar os que resistem ao sistema deste mundo entre os acolhidos por Deus para a salvação no dia do julgamento final. “Apocalipse gera esperança e garante valer a pena suportar a tentação mundana e as injustiças. Igualmente, fortalece a certeza da queda dos impérios. Nossa atual realidade será transformada à luz do projeto de Deus.”

O Rev. Jailson Gomes esclarece: “A Igreja estava vivenciando conflitos dentro de seus próprios limites. Posicionamentos doutrinários se chocavam com as verdades do Evangelho” – Foto: Arquivo pessoal

Em cada uma das sete igrejas citadas em Apocalipse 2, Cristo Se apresenta de uma maneira. Para Pérgamo, é Aquele que possui a espada afiada de dois gumes. “Isso reporta ao duelo, à guerra. A Igreja estava vivenciando conflitos dentro de seus próprios limites. Posicionamentos doutrinários se chocavam com as verdades do Evangelho”, esclarece o Rev. Jailson Gomes, da Igreja Presbiteriana do Lago Sul, em Brasília (DF). O pastor sublinha que a palavra Pérgamo significa, no grego antigo, casamento. “Havia três vozes que buscavam falar ao coração da Igreja a fim de conduzi-la ao altar do matrimônio: Cristo, Balaão e Nicolau (nicolaítas). Por isso, Jesus tem a espada afiada de dois gumes, apta para separar tal mistura e colocar cada coisa no devido lugar.” [Leia, no final desta reportagem, o quadro Nos tempos de João]

Gomes atesta que a perdição do cristão está no pecado sem confissão ou arrependimento, mas frisa que aqueles que perseverarem até o fim, conforme afirma Jesus em Sua mensagem a Pérgamo, ganhará a pedra branca e o maná escondido (v.17). “A pedra branca aponta para uma intimidade, a mesma que os casais desfrutam. Ela era dada ao réu absolvido ou a um convidado ilustre de um evento importante, o que tornava a pessoa especial”, esclarece o ministro presbiteriano. Já o maná escondido, informa o pastor, era o oposto daquilo que era servido nas “tendas da perdição”, sendo a perfeita iguaria. “É o puro alimento do Senhor, que produz satisfação e contentamento.”

O Pr. Adriano da Silva Moreira acredita que a Igreja da atualidade guarda algumas semelhanças com a de Pérgamo, portanto deve atentar para não cometer os mesmos erros – Foto: Arquivo pessoal

“Mudança de mentalidade” – Por sua vez, o Pr. Adriano da Silva Moreira, da Igreja em Parque Eldorado, em Duque de Caxias (RJ), na Baixada Fluminense, destaca os pontos fortes da comunidade cristã de Pérgamo: servir a Deus e não negar o Nome de Jesus a despeito das consequências (v.13). “Antipas, por exemplo, foi morto naquele lugar, em decorrência da sua fé”, lembra, referindo-se ao fato de que Antipas de Pérgamo era discípulo do apóstolo João, tornou-se bispo da cidade e foi martirizado no ano 68, devido à intensa perseguição aos cristãos perpetrada pelo imperador Nero (de 37 a 68).

Adriano Moreira acredita que a Igreja da atualidade guarda algumas semelhanças com a de Pérgamo. Portanto, deve atentar para não cometer os mesmos erros. O pastor defende que os cristãos se santifiquem e não sejam contaminados pelos prazeres mundanos, pelo contrário, que influenciem a sociedade. “Para isso, é necessário que soframos uma metanoia, ou seja, uma mudança de mentalidade.”

A Pra. Eristélia Bernardo Martins afirma que a Igreja de hoje apresenta outras semelhanças com Pérgamo: “Infelizmente, existem aqueles que praticam a doutrina de Balaão, inclusive colocando homens em um lugar que deveria ser do Senhor” – Foto: Arquivo pessoal

A Pra. Eristélia Bernardo Martins, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Centro de São Lourenço (MG), partilha de opinião semelhante. Para ela, a Igreja de hoje apresenta outras semelhanças com Pérgamo. “Infelizmente, existem aqueles que praticam a doutrina de Balaão, inclusive colocando homens em um lugar que deveria ser do Senhor.”

Ela ressalta que muitas igrejas organizam cultos para atrair a presença de pessoas, e não a do Criador. “Saem do propósito da verdadeira adoração para agradar ao ser humano, o que é condenado pela Bíblia”, alerta. A pregadora assevera que é comum entre alguns grupos que se dizem evangélicos, assim como em Pérgamo, a propagação de ensinamentos contrários à Palavra de Deus que se misturam à genuína fé. “Tudo é permitido. Não há conversão, transformação, justamente porque a mensagem não condiz com a Bíblia.” Por outro lado, a pastora destaca que, assim como aqueles cristãos de Pérgamo que não negaram o Nome de Jesus, os crentes de nosso tempo devem fazer o mesmo. “Precisamos renunciar a nós mesmos para seguir o Senhor. Com essa atitude, conseguiremos ser sal da terra e luz do mundo, para que o amor de Cristo restaure toda sociedade.”

O Pr. Edson Stürmer alerta: “Fazer alianças e parcerias com pessoas não cristãs, buscando paz e inclusão, só levará a Igreja a se corromper, tal como aconteceu em Pérgamo” – Foto: Arquivo pessoal

O Pr. Edson Stürmer, da Igreja Aviva Panambi, em Panambi (RS), ressalta que havia, em Pérgamo, um grupo fiel e obediente a Deus que não se rendeu à carnalidade e às propostas do mundo. “O cristão deve se manter como Corpo de Cristo, em comunhão com a igreja local. Mas lembro que a fé e a sua prática são individuais. Cada um prestará contas da própria vida ao Senhor”, ensina. O ministro reforça que, ao mesmo tempo, a Igreja necessita compreender que não deve esperar ser aplaudida e aprovada por homens, porque Jesus foi crucificado por viver a Verdade. “Fazer alianças e parcerias com pessoas não cristãs, buscando paz e inclusão, só levará a Igreja a se corromper, tal como aconteceu em Pérgamo”, conclui, em tom de alerta.

Nos tempos de João

Foto: Acrópolis de Pérgamo, de Friedrich Thierch (1882)

A palavra Pérgamo tem sua origem no prefixo grego pur (que significa muito ou em abundância) e a palavra gamos (casamento), a qual dá origem aos termos monogamia e poligamia. Nos dias do apóstolo João, a cidade era a capital da província romana da Ásia. Desde a dominação grega na região, alguns séculos antes, Pérgamo havia adquirido relevância, tanto do ponto de vista cultural quanto econômico. Havia ali uma conhecida escola de escultura e grande produção de um material utilizado para a escrita feito de peles de animais: os pergaminhos – palavra que deriva do nome da cidade. Em Pérgamo, havia uma grande biblioteca que teria acumulado mais de 200 mil rolos.

Com aproximadamente 150 mil habitantes, a cidade era considerada grande para os padrões antigos e famosa por ser um importante centro religioso. Lá, havia vários templos e altares pagãos para Zeus, Atena Nicéfora, Dionísio Catégemo e Asclépio. A região da antiga Pérgamo se denomina hoje Bergama, um concorrido destino turístico da Turquia, bastante procurado justamente graças às ruínas de sua antecessora citada em Apocalipse. (Colaborou Élidi Miranda)


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