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Foto: Jose Martin Ramirez Carrasco / Unsplash

Ritmo frenético

Especialistas ensinam que é possível (e necessário) desacelerar

Por Ana Cleide Pacheco

H á alguns meses, o aplicativo de mensagens WhatsApp liberou uma função que permite ao usuário acelerar a reprodução de áudios enviados e recebidos. Dessa forma, agora, é possível ouvir as mensagens até duas vezes mais rápido. Uma ferramenta parecida já estava disponível no portal de vídeos YouTube. Em um primeiro momento, a possibilidade de reduzir pela metade os minutos e segundos gastos para escutar recados ou assistir a vídeos pareceu interessante para a reportagem de Graça/Show da Fé. No entanto, logo surgiu a indagação: como as pessoas avaliam esse “ganho de tempo”? A neuropsicopedagoga Andréa Ferro, 53 anos, por exemplo, respondeu a isso com outra intrigante pergunta: “O que será feito com os minutos que vão ‘sobrar’?” Então, a especialista, membro da Assembleia de Deus do Ministério Belém, em Jundiaí (SP), analisou a questão sob dois aspectos. O primeiro, com a conclusão (óbvia) de que “na maioria das vezes, a pessoa irá ouvir mais áudios e ver mais vídeos”. O segundo ponto abordado por ela, entretanto, revela um risco nesses tempos de sobrecarga de notícias, as quais chegam às pessoas nos mais diversos formatos de mídia, com espantosa velocidade. “Muito se tem falado sobre ansiedade, mas ela está ligada, entre outras coisas, à quantidade de conteúdos que estamos acessando.” E, além do excesso de informações, outro fator que pode precipitar o indivíduo em um quadro ansioso, segundo ela, é o acúmulo de responsabilidades administradas hoje pelas pessoas por causa do avanço da tecnologia. “Se há uma alta demanda de atenção, gerenciamento e planejamento das tarefas, é provável que a sobrecarga mental aconteça”, adverte.

A neuropsicopedagoga Andréa Ferro alerta: “Muito se tem falado sobre ansiedade, mas ela está ligada, entre outras coisas, à quantidade de conteúdos que estamos acessando” – Foto: Arquivo pessoal

Por sua vez, a neurologista Ingrid Barboza, 29 anos, explica que o consumo de grandes quantidades de informações em pouco tempo pode levar à exaustão, pois exige do cérebro uma demanda maior do que ele consegue assimilar. Sendo assim, de acordo com ela, acelerar áudios e vídeos nas plataformas digitais pode acarretar prejuízos neurológicos, no médio e longo prazos. “Nosso cérebro retém informações em um ritmo próprio; ele rumina e faz pausas. Então, se suprimimos esses mecanismos, trazemos prejuízos para a memória.” Além disso, conforme frisa a médica, ocorrem problemas nas funções executivas, aquelas responsáveis por nossa capacidade de ter atenção, organizar e planejar o raciocínio, os pensamentos e as ações. “Se há um estado de sobrecarga de informação, as conexões precisam acontecer de uma forma mais rápida do que o cérebro consegue dar conta”, acrescenta a especialista, membro da Igreja Batista Fonte de Sicar, em Jardim Paulista, zona sul de São Paulo (SP). Barboza lembra ainda que, embora o cérebro tenha a habilidade de processar muitas informações, não é infinito. “Existe um limite, e, quando essa barreira é ultrapassada, o resultado é uma sobrecarga mental que pode ocasionar problemas físicos”, alerta a neurologista. Ela ressalta que a exposição à bastante informação, em um espaço de tempo reduzido, provoca uma disfunção na liberação de algumas substâncias químicas, como o cortisol – conhecido como “o hormônio do estresse”.

A neurologista Ingrid Barboza explica: “Nosso cérebro retém informações em um ritmo próprio; ele rumina e faz pausas. Então, se suprimimos esses mecanismos, trazemos prejuízos para a memória” – Foto: Arquivo pessoal

Repousai um pouco – Acostumar-se à rotina estressante, aliás, embute outro risco: com o passar do tempo, o corpo humano pode ficar dependente dessas substâncias, que são secretadas quando se encontra sob tensão. “Muitas vezes, preferimos nos manter apressados, tensos, com o cortisol alto, porque o estresse é viciante”, informa a Pra. Bianca Pagliarin, 40 anos, da Comunidade Cristã Paz e Vida de Santana, zona norte de São Paulo (SP). Pós-graduada em Neurociência e Comportamento, ela afirma que o antídoto para vencer esse mal é ter momentos de lazer, livres das atividades rotineiras, e praticar atenção plena – a realização de exercícios mentais com foco na respiração e no momento presente. “Para muitos de nós, é a libertação da dependência ao estresse.” [Leia o quadro Exercício mental]
Citando Marcos 6.31 (Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco), a pastora lembra que o próprio Cristo tinha Seus momentos de pausa. “Como cristãos, precisamos entender que existem bênçãos de Deus em desacelerar. Jesus tinha um ministério de grande repercussão, e as pessoas O seguiam. Contudo, Ele sempre escapava um pouco daquela agitação das multidões, buscava o silêncio e renovava Suas forças”, frisa, destacando que o Senhor demonstrou a importância de passar um tempo de quietude e tranquilidade Consigo mesmo e com Deus. “Isso precisa ser uma realidade para nós. Deve estar em nossas agendas porque os momentos de descanso nos fortalecem e nos ajudam a prosseguir.”

A Pra. Bianca Pagliarin diz que “muitas vezes, preferimos nos manter apressados, tensos, com o cortisol alto, porque o estresse é viciante” – Foto: Divulgação / Décio Figueiredo


A jornalista Marcella Cavalcante Bastos, 40 anos, sabe que desacelerar é necessário, mas, ao mesmo tempo, afirma ter plena consciência de que moderar o passo não se trata de algo simples. “É um processo que requer tempo e paciência, mas, com consciência e em comunhão com Deus, é possível”, assegura Bastos, membro da Igreja Missionária Evangélica Maranata em Duque de Caxias (RJ). Aos 30 anos, ela sofreu um acidente vascular cerebral hemorrágico. [Do editor: Popularmente conhecido como “derrame”, o AVC hemorrágico ocorre quando há rompimento de um vaso cerebral, provocando hemorragia, a qual pode acontecer dentro do tecido cerebral ou na superfície entre o cérebro e a meninge. De maneira geral, é causado por pressão alta descontrolada e pela ruptura de um aneurisma, mas pode ser provocado também por arritmias cardíacas, defeitos cardíacos congênitos, insuficiência cardíaca ou infarto agudo do miocárdio, entre outros fatores]

O derrame a fez ter de parar suas atividades por um bom tempo. Porém, ela se recuperou e voltou a trabalhar em ritmo frenético. “Rapidamente, voltei às antigas práticas e a querer fazer tudo, sem pausas, trabalhando sem cessar. Nem sempre um problema de saúde, como o meu, será suficiente para nos fazer ir com calma, já que o mundo nos empurra”, reconhece a jornalista, a qual testemunha que, para alterar sua rotina, precisou passar por uma transformação de mentalidade, como orienta o apóstolo Paulo em Romanos 12.2b – ARA: Transformai-vos pela renovação da vossa mente. “Hoje, entendo o meu corpo e, quando não é possível fazer algo, digo não. É uma questão de consciência”, assegura Marcella, lembrando que o Criador do Universo não precisava descansar, mas o fez no sétimo dia, para ensinar aos seres humanos que ter momentos de pausa é fundamental. “Quando compreendemos isso, paramos de correr e aprendemos a nos regozijar nEle e em Seu amor. A fé nos leva ao lugar de desacelerar.”

A jornalista Marcella Cavalcante Bastos diz que desacelerar é necessário: “É um processo que requer tempo e paciência, mas, com consciência e em comunhão com Deus, é possível” – Foto: Divulgação / Douglas Mateus / Catavento Produções

Qualidade de vida – O porteiro escolar e pizzaiolo Luan Pascoa dos Santos, 29 anos, também aprendeu, a duras penas, as vantagens de “pôr o pé no freio”. Líder de jovens da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro (RJ), ele conta que vivia ansioso, comia demais, estava sempre preocupado pensando no amanhã e, assim, se esquecia de viver o presente. “Até que, um dia, enquanto orava, veio ao meu coração esta passagem: Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós [1 Pe 5.7]. Esse versículo me encheu de esperança.”

Luan relata que, algum tempo depois, durante uma consulta médica, foi orientado a praticar atividades físicas, alternando com períodos de descanso. “Pedi forças a Deus porque achava que não conseguiria desacelerar. Mas o Senhor, que é bom, me concedeu essa vitória”, testemunha o jovem, destacando que gostou tanto da rotina de exercícios que se tornou até campeão de beachboxing (em português, boxe de praia). “Comecei a desacelerar, ganhei qualidade de vida e até virei atleta. Ou seja, o Senhor usou alguém para me orientar sobre a atividade física, e hoje sou uma pessoa mais tranquila e grata a Ele por isso. Estou feliz, porque Deus tem cuidado sempre de mim.”

Luan Pascoa dos Santos, com a família na Igreja, testemunha: “Hoje sou uma pessoa mais tranquila e grata a Ele por isso. Estou feliz, porque Deus tem cuidado sempre de mim” – Foto: Arquivo pessoal


A escritora Paula Talmelli, 44 anos, especialista em Neurociência, lembra que o mundo hoje valoriza o imediatismo. “Tudo é instantâneo. Conseguimos assistir aos programas de TV no momento que queremos, conversamos pelo WhatsApp em tempo real e sabemos o que aconteceu na nossa cidade, e até do outro lado do mundo, em segundos”, pontua Talmelli, membro da Igreja da Cidade, em São José dos Campos (SP). De acordo com ela, embora os recursos tecnológicos condicionem cada vez mais as pessoas a viver freneticamente, é preciso romper esse ciclo. “Esse não é o ritmo natural da nossa mente, ela não foi criada para viver ligada e conectada o tempo todo. Precisamos reeducá-la, para que funcione de modo normal, pois fomos criados para governar sobre todas as coisas. Mas, para isso, precisamos aprender a governar a nós mesmos”, conclui.

A escritora Paula Talmelli, especialista em Neurociência, afirma que precisamos reeducar nossa mente: “Fomos criados para governar sobre todas as coisas. Mas, para isso, precisamos aprender a governar a nós mesmos” – Foto: Arquivo pessoal

Exercício

O conceito de atenção plena – também conhecido como mindfulness – tem sido amplamente divulgado por profissionais de saúde. Inúmeros estudos científicos comprovam sua eficácia na promoção do bem-estar global, controle da ansiedade, estresse e exaustão. Na prática, buscar a atenção plena consiste na realização de exercícios mentais que envolvem o foco na respiração e no momento presente.

De acordo com a psicóloga e pastora Carla Ivonete Silva Campos, 55 anos, as pessoas devem praticar a atenção plena observando o que está, de fato, acontecendo aqui e agora. “Jesus disse, em Mateus 6.28: Olhai para os lírios do campo. É como se Ele dissesse: ‘Faça uma pausa e contemple! Esteja no controle do seu cérebro, porque Eu estou no controle de tudo’.” A especialista lembra que os cristãos, em geral, sabem esse versículo de cor, mas, geralmente, não o colocam em prática. “Só temos o dia atual, porém, às vezes, ficamos ansiosos pelo futuro ou presos ao passado. Não atentamos para o hoje e – o que é pior – nem percebemos isso. É necessário que o indivíduo reconheça o que está acontecendo dentro da mente e do coração para que, a partir daí, busque mudanças.”

A psicóloga e pastora Carla Ivonete Silva Campos pontua: “Estamos correndo tanto que não paramos para observar o que está acontecendo dentro de nós” – Foto: Arquivo pessoal


Carla ensina que o primeiro passo para desacelerar a mente é a tomada de consciência e, assim, compreender que o caminho pelo qual a pessoa está andando irá levá-la a sofrer sérios danos em sua saúde. E, como consequência, aqueles que estão à sua volta também podem ser afetados, pois poderão seguir o mesmo caminho. “O ideal é reeducar a mente, fazendo pequenas pausas, prestando atenção na respiração, por exemplo, e observando o que está acontecendo no organismo. Parece simples e é, de fato. Basta parar e praticar.”

Segundo a psicóloga, os exercícios de atenção plena permitem à pessoa observar os pensamentos: como vêm e vão por si próprios. Assim, em vez de levá-los tão a sério, ela pode tratá-los como se fossem apenas nuvens passageiras. Consiste também em não julgar tais pensamentos, mas aceitá-los, sendo compassiva consigo mesma. “Estamos correndo tanto que não paramos para observar o que está acontecendo dentro de nós”, pontua Carla Campos. Ela assinala ser preciso reprogramar o cérebro para ele funcionar da maneira certa, já que tem sido programado para acelerar e trabalhar de uma maneira fora do normal. “Temos neurônios e não chips. Não estamos ligados na tomada. A constância na realização de exercícios de atenção plena ajudará a pessoa a alcançar o equilíbrio que sempre teve e que foi “roubado” pelo ritmo frenético.” (Ana Cleide Pacheco, com colaboração de Élidi Miranda)


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